Antes de tudo, um 2017 cheio de amor e de criação para vocês! Que possamos ter coragem e saúde para seguir adiante!
Vim aqui hoje, para falar de um livro lindo que terminei de ler na noite do dia 31: "A Leste do Éden", de John Steinbeck. Ganhei esse livro, por acaso, em um sorteio na UFPI- uma palestra do pessoal de letras. Em geral, a minha sorte vigora pra outras coisas, que não sorteios, exceto se for sorteio de livros.
Por conta desse acaso, fiquei sabendo que John Steinbeck (1962) foi um laureado pelo Nobel de Literatura e também vencedor do prêmio Pulitzer (1940). E por mais que prêmios não determinem se vou gostar ou não da obra, não tem como uma amante de livros ignorar esses fatos.
Isso não quis dizer, contudo, que li o livro num átimo. Não. A sorte me presenteou com ele em outubro de 2015, mas só suportei a leitura, na época, até uma certa altura. Tudo por culpa de uma personagem da obra: Kate. A maldade dela começou a ameaçar minha concentração na seleção de doutorado e, definitivamente, eu precisava de estímulos felizes.
Kate é má. Uma das melhores personagens construídas para o mal em uma obra de ficção, eu ousaria dizer. Descrita como um tipo de psicopata, Steinbeck utiliza dela como um veículo de reflexão sobre o que seria esse mal que nos habita e porque existiriam indivíduos mais propensos a ele. Kate, Charles e Joe, uma série de personagens surgem como gradações morais (ou não morais) nisso que parece ser o mal.
Como contraponto, temos personagens admiráveis, bondosos, corajosos e justos, no outro lado do espectro moral. Adam (irmão de Charles), Lizza, Samuel (Sam Hamilton) e Lee. A partir deles, o autor constrói uma belíssima dinâmica de sabedoria entre as situações que as personagens se encontram e também a partir do encontro deles na obra. Adam, que poderíamos chamar de protagonista da maior parte da história; Samuel (Sam), sábio e inventivo, vizinho e protetor de Adam; e Lee, aquele que acompanhará Adam até o fim. Particularmente me tornei grande fã de Sam e Lee, mas especialmente do último, que vai se tornando, ao longo da obra, uma espécie de guru de todos, com forte senso autocrítico.
Aliás, a autocrítica é um dos pontos que geram tensões e viradas ao longo da história, especialmente quando as personagens mais jovens crescem. São elas que começam a mostrar que aquele espectro moral é bem mais complexo do que a primeira metade do livro faz pensar. Tom, Dessie, Una, Will, Abra, Aaron e Caleb. Tom, filho de Sam Hamilton, parece uma espécie de Liêvin (Anna Karênina) do velho oeste americano. Mais bruto que seu par russo, Tom é a manifestação da sensibilidade, da gentileza e também da força justa, que, ao contrário de Liêvin, jamais encontrará seu lugar. É comovente acompanhar sua tentativa de apenas ser, em um mundo tão árido, que parece tentar ensiná-lo que perfeição e bondade não andam lado a lado, sendo essa a principal lição do livro. E me sinto livre em falar de "lição", autorizada pelos temas tratados pelo próprio autor, na obra e fora dela.
Dessie e Una, são irmãs de Tom, filhas de Sam e Lizza. De Una, pouco é dito, pequena, curiosa e amada. Dessie, a mais querida, a borboleta da família. Nenhuma teve sorte no amor, mas reforça-se a partir delas, e também de Tom, a força do caráter bravo, silencioso e resiliente da família, o que é relevante para sentirmos compreensivamente o tamanho que as dores sofridas em silêncio podem alcançar e como podem justificar nosso comportamento presente e futuro.
Will é o filho prático dos Hamilton e por isso, dá a impressão de escapar da tragédia que segue os dons da criatividade, paixão e coragem, da família. Com muito pouco desses atributos, consegue ser bem sucedido com sua loja de carros.
Os outros filhos são pouco mencionados, mas você os encontrará por lá.
Quanto a Abra, Aaron e Caleb, os dois últimos filhos de Adam, nos dão um belo quadro do que poderia ser um bom exemplo de como a formação do caráter humano é bem menos previsível do que parece. O que parece bom por si só, diante dos desafios do mundo pode se tornar inconsequente e até egoísta e aquele que é acusado de egoísmo, em princípio, pode ter motivações mais elevadas do que nossa antipatia pode levar a pensar e que nosso crescimento como ser humano não pára nunca, porque sempre teremos escolha.
A questão da escolha é outro dos pontos chaves para ir além de uma compreensão superficial da obra. Timshel, palavra que vem do hebraico, é apresentada por Lee, como uma belíssima interpretação da alegoria do pós Éden, da Bíblia. Timshel não é dever, é poder e por isso, escolha. Até as almas mais abjetas parecem ter escolhas na obra, nem que essa escolha seja o fim da própria vida.
E é isso. Nada do que falei aqui tira a beleza da obra. Demorei a engrenar na leitura, mas Steinbeck mostrou seu valor e digo que teria perdido todo um mundo de novas reflexões se não tivesse mudado de idéia e voltado. Da minha parte posso dizer que o mal de Kate veio para o bem.
Aqui a minha edição. Tem 641 páginas, mas vale a pena o desafio. ^^ |
Sobre o John Steinbeck, na wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/John_Steinbeck