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domingo, 17 de novembro de 2024

Conversa de mulherzinha: Barbie, minha infância e bell hooks

 

Margot Robbie como Barbie em sua casa rosa da Barbie

Originalmente publicado na newsletter Clube de Profecias, nov./2024*


Após alguns meses, consegui assistir um filme completo! O felizardo da vez foi Barbie (2023), um filme que tem o mérito de dar uma ótima provocada no meio do entretenimento, usando algumas críticas feministas como fundo do mundo cor de rosa da boneca mais popular do mundo.

Coincidentemente, estou em leitura avançada de um livro da bell hooks, Comunhão, em um trecho que remete ao apoio de um círculo de mulheres, em momentos de encararem a verdade sobre si mesmas, inclusive a respeito das promessas situadas e dos limites do feminismo do seu tempo.

Não chega a ser realmente leve a abordagem, porque eu tenho certeza que se você já entrou em crise, do ponto de vista da sua condição de mulher em uma sociedade capitalista, você deve ter verbalizado ou pensado algumas das questões que a “Barbie Estereotipada com mau-funcionamento” faz quando entra em crise.

O humor dos “Ken” é muito bom. Um tanto de constrangimento, um tanto de pout-pourri satirizando símbolos masculinos da cultura pop e um exercício da diretora e roteiristas de pensar qual o papel de um ser que vive em função de outro, quando esse outro não quer estar mais lá.

A amiga grávida da Barbie, pareceu muito uma fofoca maldosa e real de qualquer periferia mundo afora. Como também aquele peso que essa geração de Barbies representou de que ter filhos é uma vergonha na vida de uma mulher (seres que têm úteros “funcionais” em partes da vida ou não), que coisas biologicamente vinculadas a esse tipo de corpo, desde a menstruação (ter ou não), engravidar (se tem ou não filhos), se aborta ou não aborta, tudo tem uma grande facilidade da espetacularização, se a finalidade for alcançada, que é controlar e reduzir essas sujeitas a um objeto dócil e maleável ao modo de produção econômica (como uma boneca). Sobre esse assunto, os órgãos reprodutores da Barbie e do Ken (ou a ausência deles) têm pelo menos dois grandes momentos na tela.

Aqui em casa a Barbie foi meu brinquedo do ano duas vezes. Mesmo em uma casa pobre, sem carro, sem forro, com um quarto para três crianças, a boneca, em sua versão mais simples, mas original (isso era importante) , estava presente e era muito querida por mim. Desde antes da onda atual de bonecas pluralizadas, minha mãe também me comprava bonecas negras, mas quis me fazer essa vontade. Aliás, dona Joseny nunca foi de negar aos filhos o que poderia oferecer, desde brinquedos até uma boa escola, com sacrifício. Ela não ligava se seria julgada ou não, nem nisso, nem em relação a quase nada na vida, para falar a verdade- até porque geralmente o julgamento vinha sobre coisas que envolvia a liberdade dela, por exemplo. E é óbvio que ela merecia ter tido mais ajuda do meu pai nessa parte, mas nada disso havia começado ali e eu teria que voltar algumas décadas para oferecer mais contexto, o que não é meu objetivo aqui ainda.

Então as Barbies, Skipper e Ken, conviviam com minha “chuquinhas", meus bebês articulados e meus móveis feitos de caixa de fósforo, caixa de pasta de dente e caixa de sapato. Claro que eu poderia entrar aqui no tema da projeção física em uma boneca com feições irreais, uma mulher branca padrão. Mas o que me lembro agora é que a consciência da Nayara criança tornava todas as suas Barbies campeãs olímpicas, cientistas e vencedoras do prêmio Nobel (tem uma referência dessas no filme). Elas também eram mães das chuquinhas de todas as cores e também tinham poderes de fada e passavam as férias numa fazenda no pé de uma montanha encantada (um pé de goiaba).

O livro da bell hooks, por sua vez, envolve vários temas que eu nunca tive muito interesse em pesquisar, mesmo estudando um recorte do feminismo durante tantos anos e eu consigo perceber que esse desinteresse começou bem lá trás, talvez as primeiras antipatias residindo até antes mesmo da Barbie fazer parte do meu elenco de brinquedos. Tudo o que fosse tão explicitamente “de mulherzinha” eu detestava. Era meu paradoxo infantil: amar bonecas e detestar ser medida sob a régua “de mulherzinha”, porque me diminuía, nunca parecia uma coisa boa. E o livro da bell hooks finca o pé em todas essas coisas que, segundo ela, o feminismo negligenciou, mas que era muito importante para o mundo das mulheres, como o amor (coisa de mulherzinha?), e aí você precisa entender o amor como algo bem mais maduro que o que a cultura pop diz que é e também que algumas religiões hegemônicas dizem que é. Estou terminando a leitura, mas acho que ele é muito bom para mulheres da geração da minha mãe especialmente, há algo ali que começa geracional e que depois vaza para o restante de nós.

Mas essa coisa de ter aversão a um certo padrão esperado pelas mulheres pode revelar coisas importantes e cruéis a respeito de uma dos aspectos da nossa falta de amor: o amor próprio. Melhor que eu, você encontra esse assunto no pequeno livro de bell hooks, sem a conhecida maquiagem neoliberal desse tipo de livro, ela vai desenvolvendo seus pontos de vista de modo pessoal e histórico (EUA) de um modo que todos os gêneros podem tirar bons insights dessa espécie de convocação que ela faz.

E também recomendo o filme da Barbie 💗


quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Transtorno Bipolar: Sim, Aquele Episódio de Modern Love

Finalmente, assisti ao famoso episódio três da primeira temporada de Modern Love, sim, aquele com Anne Hathaway. Nele, o tema central é a forma como Lexi/Terri Cheney, sua personagem, vive com seu transtorno bipolar. Dias, semanas ou meses num estado de depressão e depois um estado de excitação e euforia com vontade intensa de viver. 

É claro que o transtorno traz muito mais nuances e complicações para a vida de quem tem e de quem convive, mas me comoveu bastante o fato do grande centro de produções artísticas- que agora são os streamings- dedicarem alguns minutos de um modo muito respeitoso e até gentil ao problema.

Como portadora do problema, me vi em quase todos os momentos de altos e baixos da personagem. A oscilação de humor que leva um aparente desinteresse pelo que antes empolgava, ser espalhafatosa e paqueradora quando está na fase de mania. Perder muito, muito da própria vida quando a fase depressiva se instala e com isso ter muita dificuldade de sustentar projetos de longo prazo que não sejam cheios de pessoas extremamente pacientes e amorosas que compreendam a situação (mesmo que intuitivamente).

Lexi em sua fase depressiva (à esquerda), com a cara chorosa e roupa cinza e Lexi com roupa glamourosa e feliz à direita

Eu demorei a ser diagnosticada. Lexi/Terri Cheney teve o seu diagnóstico aos 15 anos, apesar de ter demorado muito mais a confiar nas pessoas próximas e até mesmo ter acesso a uma medicina mais adequada (por favor, evitem essa merda de eletrochoque, por mais bonito que o discurso atual pareça). O meu diagnóstico veio aos 34 anos e me deu uma raiva imensa de só saber disso naquela época. Porque muita coisa fez sentido, coisas que me doíam imensamente e que me faziam sentir uma culpa que me deixava com vontade de desaparecer para sempre. Culpa muitas vezes sobre coisas hiperinflacionada, como pede o transtorno. Meu equilíbrio bioquímico de sinapses e que tais precisava de ajuda.

Atualmente, a impressão que eu tenho é que a fase depressiva é sempre maior que a outra, ou talvez eu simplesmente saiba lidar melhor com ela, porque a sociedade hoje entende um pouco mais do que trata a depressão. Mas isso é só uma peça de uma complexo sistema. Será que serei entendida quando gritar, xingar, dizer que te odeio e ameaçá-lo no meio da fase de mania? Eu rezo todo dia para que ela nunca mais volte assim. Prefiro ser uma incorrigível mulher que flerta o tempo todo ou uma com sonhos delirantes sobre meus projetos profissionais e para o mundo.

São muitos os temores. Mas recentemente eu decidi aceitar que houve muita beleza nessa percurso, Uma beleza corajosa. Mesmo que só eu saiba disso.

Espero que se você tenha o transtorno, fique bem e encontre seu próprio caminho. É importante buscar um médico responsável. Além do lítio, ele vai recomendar outras medicações e até terapias alternativas- as tradicionais não sei até que ponto nos servem. E um abraço em cada amigo e amiga de quem tem transtorno mental. Obrigada pela paciência. Vocês são nossos anjos na terra.



Para quem quiser entender mais, a partir de exemplos, achei essa matéria aqui no uol.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Playlist do Espaço Sideral

Não lembro de ter feito aqui alguma postagem a respeito de uma das minhas principais distrações nos últimos anos: filmes de super heróis. Para começar a compensar essa lacuna, trago esse textinho sobre uma das consequências bacanas desse longo hype nesses filmes: o pessoal investe bem nas trilhas sonoras, que eu adoro demais acompanhar. Pego uma playlist no dente e escuto por meses a fio! De longe, a que eu mais ouço (inclusive agora enquanto escrevo aqui) é a do filme "Guardiões da Galáxia"- dos dois filmes.

Peter Quill, o herói espacial (ou quase isso) e personagem principal dessa linha da Marvel, foi uma criança abduzida da Terra no dia da morte de sua mãe, em algum momento da década de 1980 e o vínculo que mantém com suas lembranças terrestres é justamente seu walkman, com os sucessos das décadas da juventude da progenitora, até o momento da separação dos dois- o que nos dá o melhor do pop internacional, do punk, do blues, do rock e ritmos afins (em língua inglesa, claro). São duas fitas, a primeira vai junto com o Walkman na abdução; a segunda, é o último presente dado por sua mãe no leito do hospital, que Quill abre no final do primeiro filme, quando começa a se reconciliar com as memórias do seu passado ao desenrolar uma empreitada de furto e heroísmo (a contragosto) com seus novos parceiros e amigos, já no espaço.

Você pode escutar essa playlist no spotify, caso prefira. Comecei aqui por uma do 10cc:

 
I'm not in love- 10 cc

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Histórias a serem (re) contadas: Victoria de Santa Cruz


 
Catálogos das exposições e folder.



Semana passada eu tive o privilégio de, andando por São Paulo, poder visitar algumas exposições. Histórias Afro-Atlânticas e Mulheres Radicais: Arte Latino-Americana (1960-1985), a primeira no MASP e no Museu Tomie Ohtake e a segunda na Pinacoteca. Das muitas comoções, surpresas, risos e abalos que sofri me detendo nas obras expostas, uma feliz e forte coincidência: em meio a uma variedade incrível de obras e artistas, em dois projetos independentes, o poema-dança de Victória Santa Cruz, de 1978, apareceu com destaque em ambas as exposições. Eu já trouxe uma vez aqui essa potência que nos foi legada em forma de vídeo. Permita-se, contemplar-participar, novamente, do texto, do balançar dos corpos e da firmeza das expressões dos artistas ali, que trazem a dor da rejeição pelo outro e do acolhimento de si por si, e de si no grupo antes rejeitado.

Volume 1 do catálogo das Histórias Afro-Atlânticas na página que menciona Victoria Santa Cruz (1922-2014). Três fotos da apresentação.




domingo, 12 de agosto de 2018

Sr. Sherlock Holmes- filme


Ian McKellen no cartaz do filme Sr. Sherlock Holmes

Como ando absorvida pelo mundo do detetive mais famoso da ficção, aqui vai mais uma postagem sobre ele, dessa vez indicando o filme que tem o maravilhoso Ian McKellen encarnando Sherlock Holmes. Em "Sr. Sherlock Holmes, o detetive está no fim da vida e tenta lembrar dos detalhes do seu último caso, com a ajuda de um singular assistente que não é mais John Watson.
Com uma narrativa mais lenta do que estamos acostumadas com o Sherlock das séries e filmes do século XXI, McKellen nos traz a personagem de modo bem mais melancólico e cheio de fios a serem amarrados, por conta de sua escolha por uma vida regulada apenas pela lógica, com poucos laços afetivos. No fim, temos o detetive tentando dar um novo sentido aos seus últimos dias, para que eles não se percam no remorso da solidão.

E, sim, tem no seu serviço de streaming favorito. Segue o trailer. ^__^



quinta-feira, 8 de março de 2018

Oito de março: dicas

Lou Andreas- Salomé, Carolina de Jesus e Alice Walker. Nomes imensos e ainda por serem devidamente conhecidos e reconhecidos.

A primeira, Lou Andreas- Salomé (1861-1937), psicanalista, romancista, filósofa e poeta. Interlocutora de muitos e inspiração para outros tantos, como Nietzsche, Rilke e Freud. Teve um filme sobre sua vida lançado ano em 2016 e que nos ajuda a compreender um pouco dessa brilhante mulher, que viveu o mundo de modo tão intenso. Assisti-lo não deixa de ser um exercício para que comecemos a tirá-la da sombra dos homens ao seu redor, colocando-a ao lado deles- no mínimo. Em português, há uma pequena biografia lançada pela LP&M pocket.



A segunda, Carolina de Jesus, é autora do primeiro livro que li numa das vezes que consegui participar do Leia Mulheres de Teresina. Quarto de despejo é sua obra mais conhecida, um marco na literatura brasileira, que apresenta, com crueza e realidade, o dia a dia numa favela brasileira na década de 1950, em forma de diário, com uma linguagem bastante característica. Testemunha que vive na pele de mulher negra e pobre, o esquecimento social e a luta para uma existência que lhe permita perceber em si uma dignidade inimaginada pelo meio literário da época. É daquelas leituras obrigatórias para nossa formação. Aqui embaixo segue um curta de 14 minutinhos sobre a autora:


A última, Alice Walker, escreveu o livro mundialmente aclamado "A cor púrpura" (1982), filmado por Steven Spielberg e estrelado por Whoopi Goldberg, Danny Glover e Oprah Winfrey. O livro, que é um romance epistolar, trata da separação de duas irmãs que se perdem ao longo de suas vidas, pelas violências que as acompanham desde o ambiente familiar. É uma obra chocante, especialmente em sua primeira metade e que trata da violência contra as mulheres, de misoginia, racismo e colonialismo. O livro ainda nos brinda com um ousado e inesperado casal de mulheres, que se unem para lidar com todas essas dores e aprender a criar alegrias no meio de tudo aquilo. Outro livro imprescindível. O canal "Curta!" já apresentou o episódio da série "Impressões do Mundo" com a autora. Se você puder, vale a pena conferir.












segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Em branco

Ando passando por uma crise de inspiração nas últimas semanas, por isso a diminuição das postagens. Para não deixar essa aqui vazia, vai uma música do Queen que aparece naquele filme lançado esse ano: Baby Driver.




quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Umas notas de distração da semana

Notas:

30 de janeiro: Assisti "Fences" (Um limite entre nós). Forte, como uma peça de teatro bem encenada. Recomendado a quem aprecia monólogos extensos, almas sensíveis, preferencialmente machucadas por conflitos familiares- melhor ainda se for com o pai;


31 de janeiro: Assisti "Doutor Estranho". Bom filme de super herói- acima da média. Para quem gosta de luta, magia, espiritualidade e de ver gente arrogante aprender uma lição. Cumberbatch segue onipresente;

01 de fevereiro (madrugada): Li o conto "O papel de parede amarelo", Charlotte Perkins Gilman. Leitura fantástica e dolorida da depressão pós parto, em tempos de diagnóstico de histeria para almas humanas silenciadas. Lindo, lindo e trágico.

01 de fevereiro: Assisti "La la land". Musical doce, sem exageros e de uma melancolia que me fez verter lágrimas aos cântaros, aos baldes. Emma Stone e Ryan Gosling estão adoráveis.

sábado, 7 de janeiro de 2017

Um caminho para o crescimento: a família do capitão fantástico

[contém spoilers]

E se levássemos a sério os jovens, ao ponto de os criarmos, em uma educação sem séries, sem restrição de leituras, nem de desafios esportivos, partilhando com elas e eles livremente os saberes do mundo?

Não, a postagem não é sobre o movimento da desescolarização, mas bem que poderia ser. Ontem fui ao cinema ter um encontro com um filme que me tocou bastante, uma comédia dramática, recomendação de um amigo: "Capitão fantástico".

"Walden" (Thoreau)  e "A república" (Platão), parece que era algo nesse sentido que estava na cabeça de Ben e sua esposa, Leslie, quando decidem criar seus filhos em meio ao ambiente selvagem das florestas do norte dos EUA. O poético filme de Matt Ross (2016), apresenta-nos lindamente essa possibilidade. Ben e Leslie esforçam-se em educar sua prole, como fortes e sábios, por meio de uma disciplina que requer exercícios físicos diários no meio da mata e nas alturas das montanhas, incluindo luta, meditação, respiração pranayana e caça, além de estudos avançados sobre literatura, filosofia, línguas, política, direito, física, anatomia e o que mais o intelecto estimulado dos jovens pedisse- e que a biblioteca particular dos pais tivesse, que parecia ser constantemente realimentada por pedidos pelos correios.

Guiando os filhos por meio do que acreditavam ser um modo de vida que desafiava a sociedade capitalista da qual provinham, a família discutia todas as leituras que realizavam, como Marx e demais socialistas, além de Chomsky, em sua faceta libertária (no sentido positivo do termo), Dostoievski, Nabokov, alcançando mesmo a declaração de direitos dos EUA. O pequeno clã também se entretinha com música e praticava rituais sincréticos de alegria (como o aniversário de Chomsky, que era algo como o natal), ritual de iniciação e ritual de luto, quando necessários.

O grande desafio da família no mundo "real" começa ao decidirem comparecer ao velório e enterro de sua mãe, mesmo sob a proibição do avô, que nunca havia concordado com o estilo de vida excêntrico de sua filha. Leslie, que desenvolveu transtorno bipolar após uma depressão pós-parto, havia partido para a cidade, tentando tratar-se. Não conseguindo uma melhora suficiente, termina por cometer suicídio.

Apesar da morte trágica da mãe, o filme não se torna um filme mórbido. A verdade é dita às crianças, que foram criadas acostumadas ao diálogo sincero e aberto, o que não impede o sofrimento. Por outro lado,  parece abrir espaço para um tipo luto expansivo, que é manifestado de modos diferentes por cada membro e depois por todos juntos. A despedida final acontece bem depois do enterro, num ritual sugerido pela própria defunta, que tinha muito bom humor- apesar da depressão.

O desenrolar da trama até esse desfecho, incluem pequenos eventos como o desafio de conseguir comida na cidade, aprender a paquerar, o que fazer diante aprovação do mais velho em todas as universidades mais prestigiadas do país, ou com a rebeldia do filho do meio, além do contato com os demais membros da família. Esse contato, inclusive, oferece-nos um fabuloso quadro comparativo entre os dois modus vivendi, o nosso e o deles, eu diria, que promove momentos divertidíssimos para quem assiste. A família de Ben nos lembra o quanto que alguns dos nossos hábitos já não passam de meras convenções e outros não chegam a contribuir em nada com o nosso bem-estar físico ou mental, pelo contrário.

Mesmo diferentes, as crianças em nenhum momento se sentem constrangidas e na verdade surgem altivas diante da família "civilizada" do avô e da tia.

O luto, as brigas e os acidentes que ocorrem até pouco depois do enterro da mãe terminam por funcionar como uma espécie de arena de aperfeiçoamento para os pequenos filósofos-reis, um novo desafio a cada uma e a cada um dos membros, que compreendem melhor a força da escolha dos pais, começando a ter noção de suas próprias. Passarão a enfrentar o mundo humano como seres diferentes (por sua excessiva autonomia e crítica), num caminho que parece ser guiado pela vontade de liberdade e autenticidade, que deveriam, na minha humilde opinião, serem dois dos mais importantes pilares de uma boa educação.

 
Capitão Fantástico- trailer

Ps. O filme é com meu querido Viggo Mortensen (Ben), o Aragorn de "O Senhor dos Anéis".


sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Black lives matter: a 13ª terceira emenda

Hoje (ontem) eu finalmente assisti o documentário "A 13º emenda", que está disponível na NETFLIX. O doc trata basicamente de como a escravidão ao longo da história americana/estadunidense foi se metamorfoseando em uma continuidade de massacres da população negra do país, mesmo depois da libertação constitucional dos negros. A própria décima terceira emenda já surge como um problema em sua pretensão de generalidade e universalidade- a qual garantiria a liberdade de todos os cidadãos e cidadãs, com exceção dos criminosos. Não é difícil adivinhar qual população tornou-se vulnerável a essa exceção, depois de lançada no mundo "livre" sem dinheiro, sem terra, sem uma política responsável que lhes garantisse a sobrevivência em dignidade. Passando pelo imaginário reforçado do negro criminoso estuprador do cinema do início do século XX, simultaneamente à exaltação da idéia de superioridade racial, alcançando a luta pelos direitos civis, o doc chega ao século XXI, com a intensa discussão sobre a assustadora população carcerária dos Estados Unidos- a maior do mundo- e tenta traçar um encadeamento que deixa claro como o sistema prisional, aplicado sem considerar a questão racial e as questões sociais implicadas, só aprofundou o abismo entre aqueles que são considerados mais humanos e os que ainda não chegaram lá. O título que escolhi para a postagem "Vidas Negras Importam", é o lema de uma das campanhas que ganharam as ruas e as redes sociais, contra o extermínio dos negros, como vocês já devem ter acompanhado pelas redes sociais (caso Fergunson, por exemplo). Assistir esse documentário reforça a nossa constatação de que nosso problema aqui no Brasil é bem mais sério do que a maioria suspeita.


quarta-feira, 6 de abril de 2016

Amélie Poulain

O filme que me abraçou num período difícil e que me foi mostrado por um amigo, anos atrás, tem uma trilha sonora que é tão fundamental ao bom andamento da estória, quanto a presença das atrizes e dos atores. E é Yann Tiersen, responsável por essas belezuras de melodia. Olha o que a Wikipedia traz sobre o músico:

"Yann Pierre Tiersen la pierre (sic) (Brest, 23 de junho de 1970) é um músico de vanguarda, multiinstrumentista e compositor francês de origem judaica com raízes belgas e norueguesas. Compondo para piano, sanfona e violino, sua música aproxima-se de Erik Satie e do minimalismo de Steve Reich, Philip Glass e Michael Nyman. Tornou-se internacionalmente conhecido ao compor trilhas sonoras de filmes como O fabuloso destino de Amélie Poulain e Good Bye, Lenin!.
Passou sua infância em Rennes, também na Bretanha, onde estudou violino, piano e regência orquestral. De formação clássica, encaminhou-se para o rock já na idade adulta. Nos anos 1980, junta-se a vários grupos de rock em Rennes. Em seguida, começa a escrever trilhas sonoras para peças teatrais e filmes como "A vida sonhada dos anjos Giovanni" (1998), de Erick Zonca, "Alice e Martin" (1998), de André Téchiné e "O que a Lua Revela" (1999), de Christine Carrière."

Aqui a página oficial dele http://yanntiersen.com/. Lá tem um monte de informação sobre o trabalho do músico.

E na noite de hoje ele traz o fundo musical aqui em casa. ;)


segunda-feira, 14 de março de 2016

Elena




Acabei de assistir o doloroso e delicado filme "Elena", encenado e dirigido pela irmã de Elena, Petra. O filme fala sobre o suicídio visto por meio dos sentimentos da irmã sobrevivente, e às vezes da mãe, ambas portadoras do forte traço da melancolia, que Elena também abrigava. A partir das gravações reais da infância e adolescência de Elena, a narrativa nos conduz por um intenso emaranhado de imagens e sensações compartilhados com sua mais nova irmã, numa espécie de torpor gerado pela necessidade de viver originalmente e ao mesmo tempo a dor intensa desse viver. Essa dor então atinge o ápice quando cai sobre a frágil Elena a ilusão do beco sem saída da sua potência criadora, ela, que era uma artista, aos 20 anos, acredita que não conseguirá atingir seu objetivo com a perfeição imaginada. Antes, a separação dos pais certamente foi um abalo em um espírito tão vivo e simultaneamente tão frágil, que conduziu ao trágico desfecho.
Petra acompanhou tudo de perto e ela, que sempre esteve próxima de sua adorada irmã mais velha, passou a carregá-la junto de si, chegando a confundir-se com Elena, depois da morte desta. Sim, a expressão do viver de Petra dá a impressão de ter se amalgamado com a da irmã, tornando-se Petra herança de Elena, a quem ela tanto amou.

É um filme doído. Para finalizar, ainda temos a cena das Ofélias, nas águas, fazendo menção à morte da Ofélia de Shakespeare, em Hamlet. A doçura de Ofélia não suportou o mundo. Que, contudo, a doçura, para nós, seja a nossa força nos dias que virão e que continuemos a buscar a beleza que Elena e Ofélia anunciaram, para muito além das suas mortes.

Ofélia, de John Everett Millais
Elena, Petra e a mãe das meninas





terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Ingrid Jonker

 The face of love

Your face is the face of all the others
before you and after you and
your eyes calm as a blue
dawn breaking time on time
herdsman of the clouds
sentinel of white iridescent beauty
the landscape of your contesses mouth
that I have explored
keeps the secret of a smile
like small white villages beyond the
mountains
and your heartbeats the measure of
their ecstasy
There is no question of beginning
there is no question of possession
there is no question of death
face of my beloved
the face of love

(Ingrid Jonker- 1933/1965) 

Jonker é mais conhecida pelo poema abaixo, que não por acaso foi declamado por Nelson Mandela em 1994, quando se tornou presidente da África do Sul:

A criança que foi morta a tiros por soldados em Nyanga

Tradução livre de Maria Helena D´Eugênio

A criança não está morta!
Ela levanta os punhos junto à sua mãe.
Quem grita África ! brada o anseio da liberdade e da estepe,
dos corações entre cordões de isolamento.
A criança levanta os punhos junto ao seu pai.
Na marcha das gerações.
Quem grita África! brada o anseio da justiça e do sangue,
nas ruas, com o orgulho em prontidão para luta.
A criança não está morta!
Não em Langa, nem em Nyanga
Não em Orlando, nem em Sharpeville
Nem na delegacia de polícia em Filipos,
Onde jaz com uma bala no cérebro.
A criança é a sombra escura dos soldados
em prontidão com fuzis sarracenos e cassetetes
A criança está presente em todas as assembleias e tribunais
Surge aos pares, nas janelas das casas e nos corações das mães
Aquela criança, que só queria brincar sob o sol de Nyanga, está em toda parte!
Tornou-se um homem que marcha por toda a África
O filho crescido, um gigante que atravessa o mundo
Sem dar um só passo.
 
 
E ainda temos o lindo filme que fala da curta e intensa vida da Ingrid Jonker. Cá está o trailer:

[editado em 2021- o link anterior havia sumido]
 

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