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sábado, 2 de março de 2024

A pintura de Georgina de Albuquerque

 

quadro de Georgiana Albuquerque

O Raio de Sol (entre 1920 e 1930), de Georgina, fez parte de uma colagem recente que produzi para meu diário de papel: nada de caso pensado. Eu queria uma imagem que combinasse com os materiais que eu dispunha e que tivesse facilidade de aceitar sobreposições. Mas enquanto eu artesanava meu brinquedo de papel, adesivos e strass, foi crescendo minha curiosidade sobre aquela mulher que pintou outra mulher nua ainda no início do século XX. Se a pintora fosse de outro país, não chamaria minha atenção, mas aqui tudo era muito ridiculamente carola, imagine naquela época. Obviamente eu estava completamente avoada esquecida que 1920 é bastante próximo de 1922 e que esses estremecimentos no tecido da realidade social (mesmo que pela arte, coitada da arte) não veem "do nada", ao contrário do que muitos gostam de pensar. ☕

Já antes, em 1917, havia acontecido a exposição que marcou o início do Modernismo brasileiro. Georgina nasceu em 4 de fevereiro, de 1885, ou seja, aquariana como eu. É uma piada. Não leve tudo aqui tão a sério. 

Mas sim ela já pintava na época dessa mostra de 1917 (um ano bastante marcante). Desde 1903 conseguiu expor como seu professor Rosalbino Santoro e, depois, mas sempre "escondida" por um nome masculino (como Bernadelli, mestre dela nessa época).

Bom, além do signo em comum e da afeição pelo impressionismo, vocês não vão acreditar no que mais percebi ter em comum com o a Georgina: ela casou-se com outro pintor modernista/pós impressionista, o Lucílio de Albuquerque, que era piauiense, como eu sou. 

Essas pequenas coisas chamaram minha atenção para essas figuras, com todo o respeito a elas, eu confesso que não me interessariam de outro modo- mas ninguém se interessa por todo mundo e o interesse muitas vezes vai surgir de algo de algo afetivo, não muito racional, que depois é racionalizado (ou não, esses que não são a gente costuma ter vergonha). Nesse caso, eu acho a primeira metade do século do Brasil, na história guiada pelas grandes cidades chatíssimo(no momento). Mas estou aqui para rever meus conceitos, também.

[Não adianta vir aqui me falar dos movimentos revolucionários da época. Meu cérebro desliga. Vai ser preciso desenhar. Ou apresentar um livro cheio de referências e argumentos bons, uma filosofia marota- mas é difícil, porque provavelmente vai ser machista e racista, me irritando no processo. Não estou nessa fase. Não faça isso comigo, por favor. 😢]

Em resumo, eu adorei saber que Georgina, além de ter o nome parecido com o da irmã mais nova do senhor Darcy, foi a primeira mulher diretora da Escola de Arte e que a influencia impressionista que ela recebeu foi indo lá para a França com o marido dela, ao estudar como ouvinte na principal escola de arte do país. Infelizmente ela e outras pintoras brasileiras que estudaram lá na época não tiveram seus registros conservados porque obviamente quem se importava com o que mulheres criam (além de filhos e nem isso direito). Hoje tudo é muito diferente 😒. E é claro que ela não produziu tanto quanto seu marido, porqueoraquemdiria o trabalho do cuidado dos filhos não ficava com ele. 👪


essa é Georgina pintando (obra do Lucílio 1910/1920)

A bixa ainda pintou um desses quadros que eram muito disputados: a pintura histórica brasileira. E em 1922 foi uma das primeiras mulheres a estabelecer sua perspectiva no meio dessas visões oficiais. Era uma disputa de poder e ela foi muito sagaz em ter aproveitado um evento que ficava muito próximo do marginal, mas ainda tinha figuras de destaque na tradição, para lançar o seu Sessão de Conselho de Estado. 

Maria Leopoldina ali na esquerda

Se não era revolucionário, pelo menos era provocadora o suficiente, dos mais machões. 💪

E pesquisando sobre a Georgina eu conheci outras artistas interessantes, mas aí é outra história.


Até mais!😊

cartaz de divulgação meu



Você ainda encontra Georgina de Albuquerque no

Masp: https://masp.org.br/acervo/obra/mulher-pensando-1 

 Wikipédia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Georgina_de_Albuquerque

Seleção de obras: https://www.elfikurten.com.br/2013/06/georgina-de-albuquerque-o.html



quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Reminiscências, filosofias e palestra: bloqueando o raio homogeneizador

Uma das coisas que sempre me encantaram com a internet, foi ter acesso a um tipo de conhecimento que eu dificilmente teria, se ela não existe ou até teria, mas com com muito mais sacrifício. Faço parte da geração de transição do mundo analógico para o digital, que já na infância viu o computador (ainda na escola), na adolescência frequentou as lan houses, mesmo que só fosse ter o seu só depois de entrar na universidade. Na universidade, terminamos restritas ao saber que oferece  um corpo docente muitas vezes precarizado pela própria instituição, ou pelo habitus [Bordieu] bem distante de uma vivência acadêmica de pesquisa e de crítica de fato, como no curso de direito da minha época. Depois, na filosofia, ainda que tivéssemos um ou outro professor bastante dedicado ao seu trabalho, a escassez de espaço e de recursos (humanos, inclusive, não tive aula com uma professora mulher no mestrado), talvez tivessem deixado árido demais o ambiente. Fora as boas almas que compartilham conosco dessas vivências no imediato e amenizam o cenário- pelo menos o suficiente para não desistir, coisa que acontece bastante-, a janela da internet e das redes sociais que começavam a se afirmar, me aproximaram não só do lazer e de contatos outros, mas também me permitiram saber e aprender com a produção de outros tantos centros desse país e de fora dele.

Não está no lattes, mas eu devo minha formação a muito mais instituições que as que oficialmente me matriculei. Todas as vezes que eu sentia a epistemologia dominante me sufocar, eu recorria a outros livros, outras revistas, outras palestras e a conversar com outros professores. Hoje os feminismos e outros tantos movimentos sociais vem se tornando presentes nas ferramentas de mídia mais avançadas, disponibilizando uma maravilhosa vitrine de possibilidades para quem não se encaixa, para quem sente uma necessidade de uma outras crítica, um viés que não os ignore- e para convidar quem parece estar encaixado, também. É importante que se compreenda que isso é novo, se veio um tanto com o governo do PT e sua abertura (que poderia ter sido bem melhor), sobreviveu a ele e na verdade floresceu depois da queda.

E que bom que as novas gerações tem essas opções. Eu sou mais da geração imediatamente anterior[geração se tornou essa coisa tão variável], ainda estou tendo que lidar com os velhos sábios, que hoje a gente compreende que nem eram tão sábios assim para tantas questões relevantes como racismo, misoginia, escravidão, homofobias, desconsideração por vidas não humanas e um monte de coisa. É aqui que eu me localizo e eu considero um lugar estratégico, talvez menor, mas importante, porque as perguntas que aqueles senhores fizeram e tentaram responder ainda movem as grandes instituições e poderes que ignoram o meu mundo (e muitos outros mundos). As perguntas deles tem que mudar dentro deles, dentro dos sistemas que eles criaram, também. As contradições estão lá e vão cumprir sua missão, sendo de se transmutar, numa outra síntese, ou de se destruir e fazer-se desaparecer no que não cabe mais.

A filosofia é duríssima. Muitos dizem que ela deveria desaparecer- eu poderia dizer isso de outras tantas coisas, mas sou apegada demais à noção de caos e sistemas-, outras estão tentando mostrar que já existiam outras filosofias, quando só um tipo era escutado. Eu tendo a esse grupo, desejar desaparecer o que há de ruim em uma área, não faz desaparecer suas consequências milenares no mundo e muito menos na prática do dia a dia. Então, recomendo um site, que ainda está começando, com muitas coisas a aprender, mas que já é bastante, pois não tínhamos nada, é o site Rede de Mulheres Filósofas. Ainda não estou lá, mas quem sabe uma hora apareço? Meu livro, fruto de um mestrado e de uma vaquinha realizada on-line e, certamente só possível por isso, sai ainda este ano- em 2011 tava eu lá tentando falar de feminismo no deserto do programa. 

Então, em lembrança às minhas escolhas, eu posto aqui uma palestra de filosofia feita por um antropólogo. Para quem não é da área eu aviso, de antemão, que isso é um tipo de heresia; mas eu reafirmo mais explicitamente: o professor Eduardo Viveiros de Castro é um filósofo, também. A sua palestra me deu os insights e a energia para escrever essa postagem para o blog, do mesmo modo que cerca de 4 anos atrás, me ajudava a sobreviver nas horas mais chatas e pouco estimulantes da pós. Essa palestra, que é uma belíssima metafísica, usando do seu perspectivismo ameríndio, aprendido também dos indígenas, me parece um palco argumentativo suficiente para introduzir a defesa das verdades culturais profundas de tantos grupos homogeneizados pelo raio homegeneizador* da modernidade capitalista. Aí eles aparecem como interlocutores tão fortes quantos, numa arena que costuma rir do poder do maracá**. Talvez seja uma das vantagens da antropologia, isso que na filosofia nós acusamos horrorizados de relativismo (eu não!). De todo modo, veio a mim que ainda que as primeiras e últimas questões sempre retornem, as perguntas precisam urgentemente alterarem seu formato.

Individualmente, não pretendo subestimar a força conservadora do habitus acadêmicos e institucionais em termos gerais por meio de um moralismo (apesar de achar que tem lá sua força), aponto as rachaduras e aproveito as frestas, quem está numa condição parecida com a minha: doente, vivendo aqui e ali, com raiva, inserida num jogo que entra em desvantagem, com dificuldade de apelar para uma formação que faça uma mínima crítica por questão de vida e morte, eu reitero: temos as frestas. Imagine, se eu acredito que até existam matemáticas e matemáticos dispostos à crítica, a que leitura fodona da área apelariam? Há se pensar nisso. Deixo aí minhas divagações para o ar, que eu não ando com o espírito para responder- espírito que é sopro que não deixa de ser ar.  Acho que isso também faz parte.

Por fim, lembro que essa palestra foi feita em 2017, no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, mas promovida no Youtube em nome do Museu Nacional, onde Eduardo era professor. O Museu, incendiado em 2018, num desses anos difíceis, na sequências de anos dificeis dessa nossa vivência coletiva brasileira recente, onde se perdeu o registro de várias línguas indígenas raras, ou que não tem mais falantes vivos, por exemplo, ou o registro de migrantes nordestinos da década de 1960, além de estudos e pesquisas em outras tantas áreas. Ficam aí alguns pedaços da ruína dele, memórias de coisas mortas, mas acreditando que elas retornam, como novas vidas ou como assombração mesmo- pra puxar o pé e levar embora quem deixa essas coisas acontecerem. #pas 



* Eu tenho quase certeza que esse termo da ficção científica meu inconsciente trouxe de algum episódio do primeiro semestre de 2020 do podcast Benzina- que eu recomendo sempre.

** O maracá é um instrumento importante para muitas etnias indígenas tanto pela sua musicalidade, como para seu uso nos mais diversos rituais. É uma palavra que no presente pandêmico e de governo fascista vigente, vem sendo utilizado para reunir algumas diretrizes internas de organização e cuidado de muitas comunidades. Conferir: https://racismoambiental.net.br/2020/08/30/maraca-emergencia-indigena-veja-os-quatro-primeiros-episodios/

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Nasce o Instituto Esperança Garcia

Deixo um convite bonito e importante aqui no blog:

Nessa sexta-feira, nascerá oficialmente o Instituto Esperança Garcia. O Instituto é abrigo-andante de projetos-sonhos de educação em Direitos Humanos feminista, antirracista, contra-colonialista e anticapitalista. O encontro-anunciação será das 19h às 22h, no auditório da OAB/PI. Será gratuito e contará com o lançamento da quarta turma da Pós-graduação em Direitos Humanos Esperança Garcia com a Faculdade Adelmar Rosado; o lançamento do livro “A negação da liberdade: direito e escravização ilegal no Brasil oitocentista (1835-1874)” de Gabriela Sá; e da Campanha Esperançar com a Defensoria Pública do Piauí. 

Sua presença é muito importante.

 Até lá <3


quinta-feira, 13 de junho de 2019

Filosofia como conversa

Fruto de dois anos de blog coletivo Br-ó-bró." Filosofia e um monte de outras coisas..." tem lançamento dia 19.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

O conto do espírito fujão, da bruxa e da Alma


Meu espírito saiu de mim, num átimo meu de raiva
Se afastou e olhava, birrento, o chão.
Enquanto isso, todos os cacarecos coloridos esvoaçavam
barulhentamente
cada um a tomar o seu lugar
como crianças em fila apressadas por uma professora rigorosa
numa ordem pesada
que não combinava com a simplicidade daquele quarto
nem com a mágica única contida em cada uma daquelas coisas
-mas todas bastante conformadas, lendo a dureza que meus gestos expressavam.

Quando a barulheira cessou,
O espírito levantou os olhos e me encarou:
a luz pareceu sumir,- restando um fraco brilho numinoso de seus aguçados olhos-
e ele bateu o pé esquerdo no chão:
o solo se abriu
e uma fenda se formou: de um lado ele e os objetos encantados, antes coloridos, agora acinzentados.
Do outro lado: eu.

E então uma voz infantil, mas segura de si, ocupou todo o espaço do quarto: foi isso que você fez.

E finalmente entendi que eu havia escolhido o mundano ao espírito
separando o que não deve ser separado
Naquele momento, caí em mim,
Feiticeira velha, calejada, de uma ordem milenar.
E diante do jovem espírito,
Mostrei as mãos encanecidas, cheias da minha vergonha,
Ajoelhei-me e pedi perdão ao menino.

E talvez porque ele era jovem e ainda cheio de frescor
De pronto desfez a fenda, a escuridão e devolveu as cores aos nossos objetos encantados
Que tilintavam novamente alegres.

E o espírito, antes de retornar ao meu corpo já não mais empedernido,
Jogou um sorriso que pairou como um prisma no ar
Junto com a lição para a Alma.


(obrigada, Elias) 

aplicação de neon sobre a casa da Madame Mim

sábado, 8 de setembro de 2018

Seja amiga da arte

mesmo que só para você

Fernanda Takai

Giz pastel seco

Desenho com giz pastel

Desenho com giz pastel

Flor e tapete- fotografia
curso de gravura

Arte como terapia. Depois eu apresento as colagens, pinturas e junk journals.

sábado, 7 de janeiro de 2017

Um caminho para o crescimento: a família do capitão fantástico

[contém spoilers]

E se levássemos a sério os jovens, ao ponto de os criarmos, em uma educação sem séries, sem restrição de leituras, nem de desafios esportivos, partilhando com elas e eles livremente os saberes do mundo?

Não, a postagem não é sobre o movimento da desescolarização, mas bem que poderia ser. Ontem fui ao cinema ter um encontro com um filme que me tocou bastante, uma comédia dramática, recomendação de um amigo: "Capitão fantástico".

"Walden" (Thoreau)  e "A república" (Platão), parece que era algo nesse sentido que estava na cabeça de Ben e sua esposa, Leslie, quando decidem criar seus filhos em meio ao ambiente selvagem das florestas do norte dos EUA. O poético filme de Matt Ross (2016), apresenta-nos lindamente essa possibilidade. Ben e Leslie esforçam-se em educar sua prole, como fortes e sábios, por meio de uma disciplina que requer exercícios físicos diários no meio da mata e nas alturas das montanhas, incluindo luta, meditação, respiração pranayana e caça, além de estudos avançados sobre literatura, filosofia, línguas, política, direito, física, anatomia e o que mais o intelecto estimulado dos jovens pedisse- e que a biblioteca particular dos pais tivesse, que parecia ser constantemente realimentada por pedidos pelos correios.

Guiando os filhos por meio do que acreditavam ser um modo de vida que desafiava a sociedade capitalista da qual provinham, a família discutia todas as leituras que realizavam, como Marx e demais socialistas, além de Chomsky, em sua faceta libertária (no sentido positivo do termo), Dostoievski, Nabokov, alcançando mesmo a declaração de direitos dos EUA. O pequeno clã também se entretinha com música e praticava rituais sincréticos de alegria (como o aniversário de Chomsky, que era algo como o natal), ritual de iniciação e ritual de luto, quando necessários.

O grande desafio da família no mundo "real" começa ao decidirem comparecer ao velório e enterro de sua mãe, mesmo sob a proibição do avô, que nunca havia concordado com o estilo de vida excêntrico de sua filha. Leslie, que desenvolveu transtorno bipolar após uma depressão pós-parto, havia partido para a cidade, tentando tratar-se. Não conseguindo uma melhora suficiente, termina por cometer suicídio.

Apesar da morte trágica da mãe, o filme não se torna um filme mórbido. A verdade é dita às crianças, que foram criadas acostumadas ao diálogo sincero e aberto, o que não impede o sofrimento. Por outro lado,  parece abrir espaço para um tipo luto expansivo, que é manifestado de modos diferentes por cada membro e depois por todos juntos. A despedida final acontece bem depois do enterro, num ritual sugerido pela própria defunta, que tinha muito bom humor- apesar da depressão.

O desenrolar da trama até esse desfecho, incluem pequenos eventos como o desafio de conseguir comida na cidade, aprender a paquerar, o que fazer diante aprovação do mais velho em todas as universidades mais prestigiadas do país, ou com a rebeldia do filho do meio, além do contato com os demais membros da família. Esse contato, inclusive, oferece-nos um fabuloso quadro comparativo entre os dois modus vivendi, o nosso e o deles, eu diria, que promove momentos divertidíssimos para quem assiste. A família de Ben nos lembra o quanto que alguns dos nossos hábitos já não passam de meras convenções e outros não chegam a contribuir em nada com o nosso bem-estar físico ou mental, pelo contrário.

Mesmo diferentes, as crianças em nenhum momento se sentem constrangidas e na verdade surgem altivas diante da família "civilizada" do avô e da tia.

O luto, as brigas e os acidentes que ocorrem até pouco depois do enterro da mãe terminam por funcionar como uma espécie de arena de aperfeiçoamento para os pequenos filósofos-reis, um novo desafio a cada uma e a cada um dos membros, que compreendem melhor a força da escolha dos pais, começando a ter noção de suas próprias. Passarão a enfrentar o mundo humano como seres diferentes (por sua excessiva autonomia e crítica), num caminho que parece ser guiado pela vontade de liberdade e autenticidade, que deveriam, na minha humilde opinião, serem dois dos mais importantes pilares de uma boa educação.

 
Capitão Fantástico- trailer

Ps. O filme é com meu querido Viggo Mortensen (Ben), o Aragorn de "O Senhor dos Anéis".


sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Paulo Freire i





A primeira vez que entrei em contato com Paulo Freire, foi quando me aproximei da assessoria jurídica popular. Havia lido um livrinho dele, chamado "Pedagogia da Autonomia", que havia comprado no Salão do Livro do Piauí, ainda em seus primeiros anos, no início dos anos 2000. 

Começar a ler a obra, acompanhar as discussões sobre e, principalmente, ver o esforço da prática do que ele propunha, certamente foi uma das minhas mais preciosas experiências. Tanto pelas amizades que se construíram nesse processo (por meio das redes e presencialmente), quanto pelo contato com os movimentos sociais, a partir de uma tentativa de tornar a discussão em torno do direito mais horizontal- algo que eu intuía sofrivelmente ser possível, mas que o curso, dentro do formato tradicional, nunca me apresentou. Um outro motivo de eu considerar essa experiência, essas leituras e conversas e discussões, foi o exercício didático de ouvir a outra e o outro, a compreensão do porquê, antes de tudo, é preciso haver um processo prévio e depois contínuo de auto-crítica para aquela ou aquele que se dispõem a ser professorxs.

E muito me surpreendeu a ignorância das pessoas que lidam com a educação a respeito da proposta freireana. Fiquei pensando que a contra-propaganda da ditadura de 1964 vem sendo tão eficiente em nosso tempo, quanto foi na época- o que a falta de um mergulho crítico nas nossas instituições não faz, não é?
Falo sem nenhum medo de parecer arrogante. Dizer que Paulo Freire desconsidera as diferenças entre os saberes, por ele defender o diálogo, a horizontalização das relações de todas as pessoas envolvidas no ambiente educacional é só um dos muitos absurdos preocupantes sobre a práxis proposta pelo educador. E me deixa triste ouvir isso de pessoas que deveriam conhece-lo.

Da minha parte, penso que Paulo Freire é genial. Mas penso que um outro engano pode ser cometido por um outro grupo, dos entusiastas de Paulo Freire. Por acreditar que o diálogo, a dialogicidade é o melhor caminho para a educação, muitos ignoram o que mencionei antes: o pronfundo processo contínuo de auto-crítica e eu diria, de conhecimento de si, diante daquele saber que vai ser apresentado às turmas e diante dos muitos saberes que viram desses estudantes. Note que estou falando de uma sala de aula formal.

Aplicar a horizontalidade sem auto crítica dentro de uma instituição oficial, comumente marcada pela hierarquia, é uma prática tão danosa quanto o que se quer desconstruir. Isso porque, é claro que a professora, o professor, possui o domínio de um tipo de saber que é justamente o valorizado por aquela área do conhecimento. Um domínio que vai criar uma superioridade, uma hierarquia em termos perigosos quando se embaça as fronteiras da relação professor/a-estudante dentro de um discurso que afirma que somos todos iguais, estamos praticando a horizontalidade, quando na verdade o conteúdo é predeterminado, estudantes não possuem nenhum poder de decisão, o saber válido é aquele da comunidade de especialistas que a professora e o professor já faz parte e que xs estudantes são estimulados a entrar, ao abandono de outros tipos de saberes relevantes (sem compreender, ao certo, porque deveriam realizar esse abandono). 

Por isso uma parte de mim sempre ficava receosa de praticar algumas das sugestões freireanas em sala de aula. Com o tempo, passei, sempre de antemão, avisar as turmas de que ele era uma das minhas maiores inspirações teóricas, mas que dentro do contexto institucional vigente, eu ainda achava muito difícil praticá-la, sem cair na ilusão de horizontalidade e terminar enganando a mim e a eles e a elas. Então eu só o fazia por meio de algumas brechas antevistas ou descobertas nas trocas com as turmas no decorrer das aulas. 

Eu ainda nutro o sonho de um dia conseguir encontrar (ou reencontrar) um grupo para estuda-lo/praticá-lo, porque, bom, tá implícito no meu texto e explícito no Paulo Freire, que tudo isso pressupõe mais de uma pessoa, um complexo de relações humanas.



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