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terça-feira, 4 de junho de 2019

Inventário de bichos da casa


Criança de 3 anos
Dois jovens velhinhos
Três velhos adolescentes
Um bichando caolho
Dois cachorros gordos
Trinta baratas mortas numa pá
Dois grilos invisíveis
50 muriçocas
Um par de lagartixas pastoreiras
Quinze embuás descascados
Cinco carambolos
Uma família de joaninhas vermelhas sem pintinhas
Talvez duas famílias
Uma abelha perdida.



sábado, 16 de abril de 2016

A fábula do santo e do passarinho azul


Um dia, andando pela floresta buscando inspiração, o jovem Giovanni di Pietro di Bernardone, que futuramente seria conhecido como São Francisco de Assis, encontrou um passarinho que chilreava baixinho, baixinho, em cima de uma pedra. Suas penas azuis pareciam folhinhas murchas, como se elas tivessem acabado de ficar sob a chuva. O estranho é que, olhando através das copas das árvores, Giovanni não viu qualquer sinal de nuvens no céu:
- Olá, senhor passarinho! O que houve que lhe deixou murcho de penas e de canto?- disse com bondade o rapaz.
- (Piiiu... Piiuu...) Amanheci com um profundo sentimento de solidão epistêmica, caro andarilho. Tentei explicar o que sentia ao primeiro rosto que me pareceu amigo aqui na floresta, e qual decepção não sofri quando ao dar a impressão que me ouvia, na verdade o dito amigo preparava um bote e, ai ai de mim, quase escorrego para o estômago daquele glutão!
- E quem era o amigo, meu caro?- perguntou o futuro santo, interessado.
-  (Piiu. Piiu!) Era o senhor Gato do Mato. Veja só: sei que parece imprudente minha atitude, agora que o senhor sabe de quais espécies se tratam. Mas compreenda que, junto ao sentimento de solidão epistêmica, paradoxalmente, me veio um ímpeto de que sim era possível ultrapassar o abismo dessa solidão no qual me encontrava, independentemente de com qual espécie eu me dispunha a dialogar.
- Sim, sim. É verdade, senhor passarinho, pois não estamos os dois aqui conversando?
- (Piu. Piu.) Isso é bem verdade. E até agora o senhor não tentou me devorar.
Após uma pausa constrangedora, o jovem disse num suspiro:
- Eu tenho um pensamento sobre a solidão epistêmica e gostaria de compartilhar com você. Esse é um sentimento de difícil expressão no mundo. A maior parte dos seres viventes (e talvez dos não viventes) nem mesmo se dá conta de que todos estão à mercê disso. No mundo humano da minha espécie, alguns grupos estão particularmente vulneráveis a esse fenômeno: as mulheres, as crianças, os indígenas, os idosos e aqueles que são chamados de loucos. O que eles falam tem o que chamamos de um status inferior, ou seja, não é levado a sério, sendo depreciado, ou mesmo ignorado, como acredito que tenha sido o seu caso.
- (Piu. Piu.) Na verdade, caro amigo, a coisa entre vocês parece mais grave do que eu imaginava, pois entre nós, os passarinhos azuis, sempre estivemos dispostos a ouvir e a perceber como relevante e bonita cada nota do canto do outro. Era uma das minhas maiores alegrias, aliás.
- Mas agora eu que não entendo, caro amigo. Por que então o sentimento de solidão epistêmica?
-(Piu...) Não percebe, meu senhor? Não existem mais passarinhos azuis... Todos um dia foram acometidos por esse sentimento de intensa solidão epistêmica compreendendo que conversar só entre nós, com o tempo, empalidecia nosso canto. Então, finalmente entendemos que havia todo um vasto mundo de amigos possíveis com os quais compartilhar nossa experiência de passarinho e receber de volta a sabedoria dos outros bichos. Até dos bichos da sua espécie. No entanto, todos tiveram o fim que eu teria hoje, caso o senhor Gato do Mato não tivesse ouvido seus passos na floresta. Pois os Gatos do Mato são assim: só se intimidam diante do fisicamente mais forte, fugindo. 
Depois de uma breve pausa para recuperar seu folegozinho de passarinho, chilreou num canto firme, um que Giovanni ainda não havia ouvido desde o início da conversa:
- (Piuuuuu. Piiiuuu.) Nós passarinhos azuis, contudo, sempre fomos até o fim quando se tratava das nossas disposições. Desse tipo de disposição que tomou a mim e a você nesta manhã.

Ainda naquele mesmo dia Giovanni saiu da floresta lamentando o fato dos passarinhos azuis já não mais existirem no nosso mundo. De fato tudo pareceu mais pálido, desde então.


domingo, 21 de fevereiro de 2016

Escola dos Gatinhos

Projeto da noite: construir uma escola para os gatinhos, por Bárbara

Mais detalhes da Escola dos Gatinhos

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Ella Fitzgerald cantando Cole Porter

No texto do H. Dobal que postei dias atrás (http://diariocriativopassarim.blogspot.com.br/2016/02/h-dobal-innamorata-e-o-documentario-do.html), o poeta lembra de uma música cantada pela Ella Fitzgerald, que começa assim:

Strange, dear, but true, dear
When I'm close to you dear
The stars fill the sky
So in love with you am I

E depois continua dramaticamente... Fiz o exercício de reler o texto ouvido a música, como se fosse o próprio H. Dobal lamentando a morte de um amor que nem sequer chegou a ser. Fica bonito isso...


Ingrid Jonker

 The face of love

Your face is the face of all the others
before you and after you and
your eyes calm as a blue
dawn breaking time on time
herdsman of the clouds
sentinel of white iridescent beauty
the landscape of your contesses mouth
that I have explored
keeps the secret of a smile
like small white villages beyond the
mountains
and your heartbeats the measure of
their ecstasy
There is no question of beginning
there is no question of possession
there is no question of death
face of my beloved
the face of love

(Ingrid Jonker- 1933/1965) 

Jonker é mais conhecida pelo poema abaixo, que não por acaso foi declamado por Nelson Mandela em 1994, quando se tornou presidente da África do Sul:

A criança que foi morta a tiros por soldados em Nyanga

Tradução livre de Maria Helena D´Eugênio

A criança não está morta!
Ela levanta os punhos junto à sua mãe.
Quem grita África ! brada o anseio da liberdade e da estepe,
dos corações entre cordões de isolamento.
A criança levanta os punhos junto ao seu pai.
Na marcha das gerações.
Quem grita África! brada o anseio da justiça e do sangue,
nas ruas, com o orgulho em prontidão para luta.
A criança não está morta!
Não em Langa, nem em Nyanga
Não em Orlando, nem em Sharpeville
Nem na delegacia de polícia em Filipos,
Onde jaz com uma bala no cérebro.
A criança é a sombra escura dos soldados
em prontidão com fuzis sarracenos e cassetetes
A criança está presente em todas as assembleias e tribunais
Surge aos pares, nas janelas das casas e nos corações das mães
Aquela criança, que só queria brincar sob o sol de Nyanga, está em toda parte!
Tornou-se um homem que marcha por toda a África
O filho crescido, um gigante que atravessa o mundo
Sem dar um só passo.
 
 
E ainda temos o lindo filme que fala da curta e intensa vida da Ingrid Jonker. Cá está o trailer:

[editado em 2021- o link anterior havia sumido]
 

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