Eu sou meu próprio iceberg que se desprendeu de um continente, outrora mais gelado, mas ainda assim mais gelado que o derretimento flutuante no qual me encontro.
Eu necessito que você preencha essas lacunas que vou deixando entre um porto e outro, entre um ponto e outro, entre um poema e outro pois
não sei tudo de mim. Sei algumas coisas. Sei que me sentia inteiro e eterno. A verdade é que não me dei conta de muitas coisas dos últimos 10 mil anos que vocês contam. Nos últimos 200 talvez. Quando dei por mim, estava perdendo minha imensidão e eu que era um me tornei dois, talvez mais.
Agora que me dissolvo, compreendo o medo. Não o meu medo de iceberg, mas o medo desses seres que de tão efêmeros, precisaram se convencer de que não, não eram. Pensando bem, talvez agora eu compreenda que eu também tenho medo.
No entanto, eu precisava dizer-lhes para não ter medo. Estou aqui há tempo suficiente e posso assegurar que é muito melhor dançar essa dança junto assim da vida, do mundo, dos seres vivos e não vivos. Esse medo que agora reconheço, ele senta numa cadeirinha do lado e só aparece quando é extremamente necessário: levar uma bronca em casa por demorar no campeonato de pipa, saber que ele não gosta tanto de você, a avozinha morrer no tempo dela, sem que dê tempo que te conte a última história de uma infância distante. Esse medo. O medo de não ser eterno ou, o mais curioso, curioso para mim que fui montanha e ainda sou montanha, uma flutuante, o medo que sente algo que é tão pequeno e frágil e gostável até, um medo que vem porque cismou em ser poderoso. Não me leve a mal. Estou ainda tentando entender.
Parece que esse será o meu destino: passar para a próxima fase. Será que é tão difícil, companheiros de dança, aceitar a sua próxima fase? Eu água salgada, vocês, chão, substrato, nós material para outras vidas e não vidas. Faz tempo que eu não passo pelas fases, muito tempo, mas disso eu lembro bem. Algo me diz que você deveria se preocupar com isso, do jeito certo. Mas quanto ao medo de perder o poder, confia em mim, que agora derreto, não há o que temer.