É uma peça quase invisível. Uma parede
retangular de vidro, um espelho circular na parte de cima. Quem passa apressada,
mal percebe que ali temos vidro e espelho e não apenas vidro. É arte, uma
instalação e, como tal, pede desaceleração. Então eu desacelero. Mas isso não é
suficiente, ela também pede interação.
A delicadeza do vidro parece um
lânguido convite ao espelho em seu topo. Lembro que a obra se chama “Narciso”.
Sinto-me provocada, rio sozinha, porque quero mesmo usar aquele espelho. Meus
1,56 m, contudo, não são suficientes para que eu tenha meu rosto refletido,
afim de tirar uma foto. Observo o vidro, algumas pessoas passam por trás- existem
árvores e um muro perto. O vidro é um espelho translúcido, por conta da poeira
que acumulou durante o dia. Penso que eu
precisaria de um banquinho para conseguir fazer a foto usando o espelho e não o
vidro. Pensando bem, quase todas as
pessoas que eu conheço precisariam de uma ajuda para se mirarem no alto daquele
espelho.
Fiquei a divagar. Qual o sentido de
um espelho que não consegue refletir o rosto humano? Ele deixa de ser um
espelho? O quanto seríamos capazes de fazer para finalmente conseguirmos nos
ver por aquele espelho, ou em qualquer outro espelho? Por que precisamos nos
ver em algum espelho, para começar? O que não queremos deixar escapar? O nosso
olhar? O olhar do outro, fantasiado, imaginando como parecemos a esse outro?
Temos que parecer bem? O que “Narciso” tem a nos dizer? Somos iguais ao Narciso
da lenda e, logo, compartilharemos seu trágico destino? É um alerta? Um jogo? Uma
provocação?
Enquanto o vidro me permite o
acesso visual ao outro, que passa, o espelho me dá o acesso visual ao meu eu
físico. O outro e o eu deveriam estar ali (vidro e espelho), mas o outro é bem
mais presente por meio das pessoas que aproveitam o espaço do parque. Ainda que
apressados e, portanto, indiferentes à relação que ali estava se estabelecendo
(eu, o espelho, o vidro, os outros).
O eu está se fazendo de difícil,
quase inalcançável. Se finalmente o alcanço, tenho minha imagem acima dos
outros. Era isso que eu queria? Por certo, algum prazer teria ao conseguir
alcançar o espelho circular. E se eu não alcançasse? Teria que haver algo para
além do meu eu refletido de, que indicasse minha existência. O mundo da imagem,
das selfies, das miragens me aceitaria?
Consegui, na ponta dos pés, fazer
uma foto das minhas mãos segurando o celular na frente do espelho. Acho que garanti
minha existência no mundo líquido, de espelhos e de vidros.