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sexta-feira, 12 de março de 2021

Geografia



o castelo animado flutuando entre as nuvens
Imagem da animação "O castelo animado" dos Estúdios Ghibli











Eu costumava brincar de me esconder no pátio daquele castelo

Naquela montanha 

Eu sentia falta de grandes elevações 

vivendo nessa planície infinita

que convida facilmente ao tédio.


Então eu recorria às nuvens 

Elas reorganizavam a minha paisagem davam novos andares ao meu mundo-

chato e quente! 

Lá tudo era mais fresco e a chama eterna que me habitava podia enfim arder tranquila...

sábado, 30 de novembro de 2019

deslocamento urbano




A criança está doente 
a cabeça no ombro da mãe
proteção contra a enfermidade
e ao sacolejo do busão.





terça-feira, 5 de novembro de 2019

Caminhante

Caminhar
mesmo sob o sol escaldante
caminhar.

Caminhar
mesmo o passo retido pelo lixo das ruas
caminhar.

Caminhar
mesmo arrastando a vontade
caminhar.

Caminhar
sob a lei da inércia:
perecer ou caminhar.



sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Benedita Onírica


Lembro de muito me espantar
a miragem da Igreja sobre a colina
que Teresina escolheu como altar

e tenho meus sonhos desde então
povoados de igrejas sobre colinas

não importa quantas cidades eu visite
há uma onírica essência invocada
no acúmulo daquelas literalidades:
colina, igreja, altar.

Paradoxalmente
                               propõe-me:  
                                                    prosopopeias,
                                                                              perífrases,
                                                                                                   paronomásias,

sorvidas pelo inconsciente
sustentando meu iceberg-self.

É à primeira Igreja sobre à colina que regresso:
A lapidada pelo sol, memórias de mãos e coxas negras,
De pedra, de pinguins musicais,
De degraus cansativos e de saias brancas
De chão amarelo setembrino
De um velho de vestido
que toca um piano invertido
Sob o sol.


parte detrás da igreja São Benedito contra um fundo de céu azul- gostei de ter feito essa foto

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Estudos em tela

Estudo: parque da cidade nas várias estações e Rio Poti -acrílica e giz pastel sobre tela (15cm x15 cm). Ver betty krause. 

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Movimento Um

É preciso estar em movimento. A inércia atrai este concreto e essas bolas de ferro. Também atrai o gelo eterno, especialmente se você estiver em Teresina. O chão da terra é uma linha reta, como uma pista de corrida da olimpíada que convida os melhores a correr. Mas quiseram por aqui se assentar (ou não tiveram outra saída). Ou talvez a pista sempre vença. E as pessoas tenham cansado de correr. E se fixaram. Sem a ajuda de raízes. Antes, criaram espinhos e grossa couraça. E se tornaram obstáculos para quem ainda tenta atingir a linha do horizonte tingida dos sonhos abandonados pelo caminho. E estáticos, juntam-se ao entulho, criando mais obstáculos, dessa vez dos pegajosos. E assim transferimos o modus vivendi à próxima geração.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Narciso no mundo líquido





É uma peça quase invisível. Uma parede retangular de vidro, um espelho circular na parte de cima. Quem passa apressada, mal percebe que ali temos vidro e espelho e não apenas vidro. É arte, uma instalação e, como tal, pede desaceleração. Então eu desacelero. Mas isso não é suficiente, ela também pede interação.
A delicadeza do vidro parece um lânguido convite ao espelho em seu topo. Lembro que a obra se chama “Narciso”. Sinto-me provocada, rio sozinha, porque quero mesmo usar aquele espelho. Meus 1,56 m, contudo, não são suficientes para que eu tenha meu rosto refletido, afim de tirar uma foto. Observo o vidro, algumas pessoas passam por trás- existem árvores e um muro perto. O vidro é um espelho translúcido, por conta da poeira que acumulou durante o dia.  Penso que eu precisaria de um banquinho para conseguir fazer a foto usando o espelho e não o vidro.  Pensando bem, quase todas as pessoas que eu conheço precisariam de uma ajuda para se mirarem no alto daquele espelho. 

Fiquei a divagar. Qual o sentido de um espelho que não consegue refletir o rosto humano? Ele deixa de ser um espelho? O quanto seríamos capazes de fazer para finalmente conseguirmos nos ver por aquele espelho, ou em qualquer outro espelho? Por que precisamos nos ver em algum espelho, para começar? O que não queremos deixar escapar? O nosso olhar? O olhar do outro, fantasiado, imaginando como parecemos a esse outro? Temos que parecer bem? O que “Narciso” tem a nos dizer? Somos iguais ao Narciso da lenda e, logo, compartilharemos seu trágico destino? É um alerta? Um jogo? Uma provocação?

Enquanto o vidro me permite o acesso visual ao outro, que passa, o espelho me dá o acesso visual ao meu eu físico. O outro e o eu deveriam estar ali (vidro e espelho), mas o outro é bem mais presente por meio das pessoas que aproveitam o espaço do parque. Ainda que apressados e, portanto, indiferentes à relação que ali estava se estabelecendo (eu, o espelho, o vidro, os outros). 

O eu está se fazendo de difícil, quase inalcançável. Se finalmente o alcanço, tenho minha imagem acima dos outros. Era isso que eu queria? Por certo, algum prazer teria ao conseguir alcançar o espelho circular. E se eu não alcançasse? Teria que haver algo para além do meu eu refletido de, que indicasse minha existência. O mundo da imagem, das selfies, das miragens me aceitaria?

Consegui, na ponta dos pés, fazer uma foto das minhas mãos segurando o celular na frente do espelho. Acho que garanti minha existência no mundo líquido, de espelhos e de vidros.




terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Um pouco de Esperança

Esperança Garcia, por Valentina Fraiz

A mulher acima, retratada delicadamente pela ilustradora Valentina Fraiz, é nada mais, nada menos que a aquela que redigiu uma das mais antigas petições feitas por mão escrava no Brasil. Calhou de ser uma mulher, calhou de ter nascido no Piauí. Esperança Garcia, que no dia 06 de setembro do ano de 1770, conseguiu, com um mínimo que capturava da cultura geral que lhe era negada, denunciar os maus tratos que vinha recebendo do feitor da fazenda na qual trabalhava. Tendo provavelmente aprendido a escrever quando ainda vivia nas fazendas administradas pelos jesuítas, os responsáveis pelo letramento na colônia na época, e, certamente, por "descuido" do sistema vigente, Esperança Garcia deixou seu nome da história, mais de 100 anos antes da abolição da escravatura. 

A primeira vez que li essa carta foi, anos atrás, numa das muitas vezes que vaguei pelo Centro de Artesanato da cidade de Teresina, observando as esculturas expostas ali. Uma delas é a de Esperança, sentada num banquinho, com a carta na mão. Lembro que naquele dia fiquei espantadíssima e orgulhosíssima com a informação. Por sorte, a internet hoje proporciona de um modo muito mais simples nosso acesso a esse tipo de documento histórico e então eu posso mais facilmente apresentar o conteúdo da carta a vocês (aí embaixo). A data da carta foi inclusive convertida no Dia da Consciência Negra do estado do Piauí. Daí, acreditando que cabe a nós não deixarmos que esse tipo de história se perca e nem que se transforme em mera formalidade num calendário, resolvi escrever essa postagem. Mas não tive essa ideia sozinha. Minha amiga Andreia, que também é professora, decidiu construir uma especialização em direitos humanos (como poucas, vale a pena procurar) numa das instituições que trabalha e ela, que é dada a inspirações como esta que vos escreve, encontrou em Esperança Garcia o grande símbolo do projeto: uma mulher, negra, escrava e que lutou pelos seus direitos quando estes nem sequer existiam formalmente na colônia, utilizando caneta e papel, coragem, uma consciência de si e do mundo, elementos que ainda hoje fundam nosso ponto de partida para pensarmos e realizarmos o que aprendemos a chamar de direitos humanos. Então, iluminada pelos seus próprios sonhos e pela história daquela mulher forte, encomendou a arte a Valentina Fraiz, que nos trouxe uma mistura de delicadeza e força, nos traços da nossa Esperança Garcia ali em cima.

Mas vamos à carta, que apresenta o português da época, com os desvios de ortografia que só reforçam a relevância do documento, além da excelente estratégia de apontar os maus tratos junto à negligência religiosa do feitor para com os escravos, num país que tinha o catolicismo como religião oficial:

"Eu sou hua escrava de V. Sa. administração de Capam. Antº Vieira de Couto, cazada. Desde que o Capam. lá foi adeministrar, q. me tirou da fazenda dos algodois, aonde vevia com meu marido, para ser cozinheira de sua caza, onde nella passo mto mal. A primeira hé q. ha grandes trovoadas de pancadas em hum filho nem sendo uhã criança q. lhe fez estrair sangue pella boca, em mim não poço esplicar q. sou hu colcham de pancadas, tanto q. cahy huã vez do sobrado abaccho peiada, por mezericordia de Ds. esCapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confeçar a tres annos. E huã criança minha e duas mais por batizar. Pello q. Peço a V.S. pello amor de Ds. e do seu Valimto. ponha aos olhos em mim ordinando digo mandar a Procurador que mande p. a fazda. aonde elle me tirou pa eu viver com meu marido e batizar minha filha q. De V.Sa. sua escrava Esperança Garcia”

Você pode ler alguma coisa a mais sobre Esperança Garcia nos links a seguir, apesar de nada mais aprofundado que as próprias informações fornecidas pelo descobridor da carta, o historiador Luiz Mott: http://www.meionorte.com/blogs/josefortes/a-coragem-da-escrava-esperanca-garcia-10428

sábado, 20 de fevereiro de 2016

uma página de desamor à cidade no meu diário

"Os dias passam serenamente vazios..." H. Dobal, sobre Teresina

Esse vazio que Dobal menciona, sinto o peso dele desde a infância, forçando a intensidade do meu eu interior como se dependesse exclusivamente de mim preencher a ausência exterior vazio externo e poderoso. É um vazio de cor suave nesse instante, que não se altera, sua única intenção é não ter intenção. Não... Na verdade sua intenção é fazer vingar o que há de obscuro em meu país interior, me tornando parte de sua unidade vazia. O que há de mais vivamente intensamente colorido em mim sufoca, não encontra expressão; transborda numa massa amorfa e me afoga sua possuidora.

O vazio dessa cidade labuta sem pressa, tingindo vagarosamente, definitivamente, cada ser que o destino a fatalidade fez que aqui permanecesse, seja  por nascimento ou por outro motivo qualquer. Um existência monocromática, da qual mal dão contas os viventes, ou quase-viventes -o vazio agia enquanto essa página era escrita. São quase-inocentes de tudo isso. Quase.
........

Teresina é esse deserto amarelo. Não de um amarelo suave, como o das chananas, mas de um amarelo feio e pegajoso. Some-se a isso o fato de ser bruta e monolítica. Cidade que expurga quem ousa alterar seu tipo de eternidade. Aliás, Teresina é uma cidade de eternidades. Eternidade vazia. Eternidade seca. Eternidade oca. Eternamente a negar seus vícios. Eternamente isenta. É eterna morada de vilanias esquecidas. Além de eterna morada de pássaros pardais, com seu marrom e cinza e negro e sinceramente desconfio que sejam de fato seus únicos viventes. Eternidade plana. Teresina também é labiríntica, mas labirinto de um só corredor e que não chega a lugar algum. É linha do horizonte infinita que não comove, que não causa vertigem, mas que deve gozar na indiferença. Talvez seja isso mesmo e eu tenha descoberto seu maior segredo: o gozo na indiferença. Inclusive, ainda sobre a linha do horizonte, é essa linha do horizonte que faz a cidade pairar sobre um certo tipo de infinito. O tipo de infinito sobre o qual ela não vai fazer nada a respeito, não vai dizer nada a respeito, porque é exatamente isso o que ela faz conosco: nada, absolutamente nada. E aí está mais um segredo revelado da cidade: a aspiração ao nada é a maior ambição de uma cidade-deserto como a que nasci. E sobreviva quem puder a ela, porque viver, viver, aqui não é território para isso.

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