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terça-feira, 11 de outubro de 2016
Carta ou email (o que você preferir)
Oi. Queria umas flores. Queria um beijo. Ou dois. Ou mil. Queria que não tivesse tido a porra do golpe. Queria você em transe por uma hora, entre as minhas pernas. Queria que o ex interino engasgasse no próprio veneno. Mas aquela bisca é osso duro de roer, ouvi dizer. Ou não. Queria mesmo era ter você aqui, descansando entre os meus seios. Mas não tenho. Tenho é essa insônia provocada pelas hordas de bê esse bê. Agora tô aqui. Desliguei a tv. Vou dormir encolhida, abraçada nas próprias pernas. Chorando um pouco, torcendo muito pra que a gente sobreviva a isso, bem. Porque desistir a gente não desiste não. Tô aqui desejando que amanhã você ou o povo brasileiro, mesmo que sem camisa da seleção, tenham um plano infalível para virarmos o jogo. Nem que seja nos acréscimos do segundo tempo. Pensa aí e me diz, baby? Te amo. Bora ver esse Brasilzão esquecido de si, levantar. E vem logo, bem. Beijos da Sua
terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
Um pouco de Esperança
Esperança Garcia, por Valentina Fraiz |
A mulher acima, retratada delicadamente pela ilustradora Valentina Fraiz, é nada mais, nada menos que a aquela que redigiu uma das mais antigas petições feitas por mão escrava no Brasil. Calhou de ser uma mulher, calhou de ter nascido no Piauí. Esperança Garcia, que no dia 06 de setembro do ano de 1770, conseguiu, com um mínimo que capturava da cultura geral que lhe era negada, denunciar os maus tratos que vinha recebendo do feitor da fazenda na qual trabalhava. Tendo provavelmente aprendido a escrever quando ainda vivia nas fazendas administradas pelos jesuítas, os responsáveis pelo letramento na colônia na época, e, certamente, por "descuido" do sistema vigente, Esperança Garcia deixou seu nome da história, mais de 100 anos antes da abolição da escravatura.
A primeira vez que li essa carta foi, anos atrás, numa das muitas vezes que vaguei pelo Centro de Artesanato da cidade de Teresina, observando as esculturas expostas ali. Uma delas é a de Esperança, sentada num banquinho, com a carta na mão. Lembro que naquele dia fiquei espantadíssima e orgulhosíssima com a informação. Por sorte, a internet hoje proporciona de um modo muito mais simples nosso acesso a esse tipo de documento histórico e então eu posso mais facilmente apresentar o conteúdo da carta a vocês (aí embaixo). A data da carta foi inclusive convertida no Dia da Consciência Negra do estado do Piauí. Daí, acreditando que cabe a nós não deixarmos que esse tipo de história se perca e nem que se transforme em mera formalidade num calendário, resolvi escrever essa postagem. Mas não tive essa ideia sozinha. Minha amiga Andreia, que também é professora, decidiu construir uma especialização em direitos humanos (como poucas, vale a pena procurar) numa das instituições que trabalha e ela, que é dada a inspirações como esta que vos escreve, encontrou em Esperança Garcia o grande símbolo do projeto: uma mulher, negra, escrava e que lutou pelos seus direitos quando estes nem sequer existiam formalmente na colônia, utilizando caneta e papel, coragem, uma consciência de si e do mundo, elementos que ainda hoje fundam nosso ponto de partida para pensarmos e realizarmos o que aprendemos a chamar de direitos humanos. Então, iluminada pelos seus próprios sonhos e pela história daquela mulher forte, encomendou a arte a Valentina Fraiz, que nos trouxe uma mistura de delicadeza e força, nos traços da nossa Esperança Garcia ali em cima.
Mas vamos à carta, que apresenta o português da época, com os desvios de ortografia que só reforçam a relevância do documento, além da excelente estratégia de apontar os maus tratos junto à negligência religiosa do feitor para com os escravos, num país que tinha o catolicismo como religião oficial:
"Eu sou hua escrava de V. Sa. administração de Capam. Antº Vieira de
Couto, cazada. Desde que o Capam. lá foi adeministrar, q. me tirou da
fazenda dos algodois, aonde vevia com meu marido, para ser cozinheira de
sua caza, onde nella passo mto mal. A primeira hé q. ha grandes
trovoadas de pancadas em hum filho nem sendo uhã criança q. lhe fez
estrair sangue pella boca, em mim não poço esplicar q. sou hu colcham de
pancadas, tanto q. cahy huã vez do sobrado abaccho peiada, por
mezericordia de Ds. esCapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras
por confeçar a tres annos. E huã criança minha e duas mais por batizar.
Pello q. Peço a V.S. pello amor de Ds. e do seu Valimto. ponha aos olhos
em mim ordinando digo mandar a Procurador que mande p. a fazda. aonde
elle me tirou pa eu viver com meu marido e batizar minha filha q.
De V.Sa. sua escrava Esperança Garcia”
Você pode ler alguma coisa a mais sobre Esperança Garcia nos links a seguir, apesar de nada mais aprofundado que as próprias informações fornecidas pelo descobridor da carta, o historiador Luiz Mott: http://www.meionorte.com/blogs/josefortes/a-coragem-da-escrava-esperanca-garcia-10428
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