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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Li no final de semana 📚

 

Nesse final de semana, eu terminei de ler dois livros que me deixaram reflexiva, com os olhos marejados, mas menos dolorida do que pensei que ficaria.

O primeiro deles é já bastante conhecido, há pelo menos um século, que é a "Carta ao pai do Kafka", que não é bem texto literário no sentido estrito mas é um texto que passa por várias classificações, sendo principalmente um texto biográfico. Nela lemos uma resposta de Kafka ao tratamento que o pai lhe dera toda a vida. Fala da relação dele com pai, de como mesmo aos 36 anos ele ainda não conseguiu elaborar suficientemente, nem superar, se é que era para isso acontecer. Um pai agressivo, um pai fruto do machismo da época, da nossa sociedade patriarcal, seja por conta da religião, por conta de condições econômicas, sociais, um tipo de masculinidade que só saberia ser violenta, bruta, quase sem demonstração de afeto pelos filhos. Ao mesmo tempo, se eu for considerar apenas a descrição da personalidade, era uma bastante expansiva, de modo a obrigar a todos o seu modo, esmagadora, como Kafka acusa.O que mais me chamou a atenção foi a extensão dessa carta nunca entregue e como ele pesou seus argumentos e a possível resposta do pai. É possivel sentir a angustia que essa presença impunha na vida mesmo do Kafka adulto. 

O segundo livro, "O rio que me corta por dentro", foi como fazer uma viagem pela história da minha família, há poucas gerações atrás, talvez da família de muitas pessoas de um certo Brasil. Um autor tão jovem, conseguiu escrever em 127 páginas uma história rica de acontecimentos, de afetos de verdade e delicadeza, mesmo diante de muitas violências acumuladas ao longo dos anos, ao longo dos nascimentos e das mortes não explicadas até que um dia se encontra uma explicação. Fala do amor de uma mãe, impedida por questões maiores do que ela mesma: mais uma vez o patriarcado, suas condições econômicos, não podendo ficar com filho dela, mas sempre voltando no final do ano, até que não volta mais... Fala de um amor entre dois amigos, que nasceu desde uma infância compartilhada no meio do mato, da natureza, da vida na simplicidade e que a mesma vida tratou de embaralhar tão tragicamente como uma peça de Shakespeare ou uma Fantasia Chinesa Danmei. Fala do amor de um aluno por sua professora que lhe ensinou as letras e uma outra camada de acesso aos próprios sentimentos, no meio de toda essa brutalidade... 

Falar de família parece uma fórmula fácil, para incitar sentimentos profundos no leitor e na leitora, não importa se esses sentimentos não são tão bons, porque todo mundo veio de algum lugar, mesmo que não seja familia de sangue, ou mesmo uma familia sequer, e mesmo uma família judia, na distante Europa do início do século XX ou de uma família do interior do nordeste nas década de 60 ou 90. Há em ambos uma enxurrada de emoções, uma necessidade desesperada de se sentir amado e de amar, de pertencer a um lugar, que pode ser um lugar-pessoa, que nos respeite. Às vezes isso não é possível...e às vezes é... 


O próximo livro que quero ler do autor é esse do link 




Carta ao Pai- Companhia das Letras 

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Carta ou email (o que você preferir)

Oi. Queria umas flores. Queria um beijo. Ou dois. Ou mil. Queria que não tivesse tido a porra do golpe. Queria você em transe por uma hora, entre as minhas pernas. Queria que o ex interino engasgasse no próprio veneno. Mas aquela bisca é osso duro de roer, ouvi dizer. Ou não. Queria mesmo era ter você aqui, descansando entre os meus seios. Mas não tenho. Tenho é essa insônia provocada pelas hordas de bê esse bê. Agora tô aqui. Desliguei a tv. Vou dormir encolhida, abraçada nas próprias pernas. Chorando um pouco, torcendo muito pra que a gente sobreviva a isso, bem. Porque desistir a gente não desiste não. Tô aqui desejando que amanhã você ou o povo brasileiro, mesmo que sem camisa da seleção,  tenham um plano infalível para virarmos o jogo. Nem que seja nos acréscimos do segundo tempo. Pensa aí e me diz, baby? Te amo. Bora ver esse Brasilzão esquecido de si, levantar. E vem logo, bem. Beijos da Sua

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Um pouco de Esperança

Esperança Garcia, por Valentina Fraiz

A mulher acima, retratada delicadamente pela ilustradora Valentina Fraiz, é nada mais, nada menos que a aquela que redigiu uma das mais antigas petições feitas por mão escrava no Brasil. Calhou de ser uma mulher, calhou de ter nascido no Piauí. Esperança Garcia, que no dia 06 de setembro do ano de 1770, conseguiu, com um mínimo que capturava da cultura geral que lhe era negada, denunciar os maus tratos que vinha recebendo do feitor da fazenda na qual trabalhava. Tendo provavelmente aprendido a escrever quando ainda vivia nas fazendas administradas pelos jesuítas, os responsáveis pelo letramento na colônia na época, e, certamente, por "descuido" do sistema vigente, Esperança Garcia deixou seu nome da história, mais de 100 anos antes da abolição da escravatura. 

A primeira vez que li essa carta foi, anos atrás, numa das muitas vezes que vaguei pelo Centro de Artesanato da cidade de Teresina, observando as esculturas expostas ali. Uma delas é a de Esperança, sentada num banquinho, com a carta na mão. Lembro que naquele dia fiquei espantadíssima e orgulhosíssima com a informação. Por sorte, a internet hoje proporciona de um modo muito mais simples nosso acesso a esse tipo de documento histórico e então eu posso mais facilmente apresentar o conteúdo da carta a vocês (aí embaixo). A data da carta foi inclusive convertida no Dia da Consciência Negra do estado do Piauí. Daí, acreditando que cabe a nós não deixarmos que esse tipo de história se perca e nem que se transforme em mera formalidade num calendário, resolvi escrever essa postagem. Mas não tive essa ideia sozinha. Minha amiga Andreia, que também é professora, decidiu construir uma especialização em direitos humanos (como poucas, vale a pena procurar) numa das instituições que trabalha e ela, que é dada a inspirações como esta que vos escreve, encontrou em Esperança Garcia o grande símbolo do projeto: uma mulher, negra, escrava e que lutou pelos seus direitos quando estes nem sequer existiam formalmente na colônia, utilizando caneta e papel, coragem, uma consciência de si e do mundo, elementos que ainda hoje fundam nosso ponto de partida para pensarmos e realizarmos o que aprendemos a chamar de direitos humanos. Então, iluminada pelos seus próprios sonhos e pela história daquela mulher forte, encomendou a arte a Valentina Fraiz, que nos trouxe uma mistura de delicadeza e força, nos traços da nossa Esperança Garcia ali em cima.

Mas vamos à carta, que apresenta o português da época, com os desvios de ortografia que só reforçam a relevância do documento, além da excelente estratégia de apontar os maus tratos junto à negligência religiosa do feitor para com os escravos, num país que tinha o catolicismo como religião oficial:

"Eu sou hua escrava de V. Sa. administração de Capam. Antº Vieira de Couto, cazada. Desde que o Capam. lá foi adeministrar, q. me tirou da fazenda dos algodois, aonde vevia com meu marido, para ser cozinheira de sua caza, onde nella passo mto mal. A primeira hé q. ha grandes trovoadas de pancadas em hum filho nem sendo uhã criança q. lhe fez estrair sangue pella boca, em mim não poço esplicar q. sou hu colcham de pancadas, tanto q. cahy huã vez do sobrado abaccho peiada, por mezericordia de Ds. esCapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confeçar a tres annos. E huã criança minha e duas mais por batizar. Pello q. Peço a V.S. pello amor de Ds. e do seu Valimto. ponha aos olhos em mim ordinando digo mandar a Procurador que mande p. a fazda. aonde elle me tirou pa eu viver com meu marido e batizar minha filha q. De V.Sa. sua escrava Esperança Garcia”

Você pode ler alguma coisa a mais sobre Esperança Garcia nos links a seguir, apesar de nada mais aprofundado que as próprias informações fornecidas pelo descobridor da carta, o historiador Luiz Mott: http://www.meionorte.com/blogs/josefortes/a-coragem-da-escrava-esperanca-garcia-10428

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