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sábado, 2 de março de 2024

A pintura de Georgina de Albuquerque

 

quadro de Georgiana Albuquerque

O Raio de Sol (entre 1920 e 1930), de Georgina, fez parte de uma colagem recente que produzi para meu diário de papel: nada de caso pensado. Eu queria uma imagem que combinasse com os materiais que eu dispunha e que tivesse facilidade de aceitar sobreposições. Mas enquanto eu artesanava meu brinquedo de papel, adesivos e strass, foi crescendo minha curiosidade sobre aquela mulher que pintou outra mulher nua ainda no início do século XX. Se a pintora fosse de outro país, não chamaria minha atenção, mas aqui tudo era muito ridiculamente carola, imagine naquela época. Obviamente eu estava completamente avoada esquecida que 1920 é bastante próximo de 1922 e que esses estremecimentos no tecido da realidade social (mesmo que pela arte, coitada da arte) não veem "do nada", ao contrário do que muitos gostam de pensar. ☕

Já antes, em 1917, havia acontecido a exposição que marcou o início do Modernismo brasileiro. Georgina nasceu em 4 de fevereiro, de 1885, ou seja, aquariana como eu. É uma piada. Não leve tudo aqui tão a sério. 

Mas sim ela já pintava na época dessa mostra de 1917 (um ano bastante marcante). Desde 1903 conseguiu expor como seu professor Rosalbino Santoro e, depois, mas sempre "escondida" por um nome masculino (como Bernadelli, mestre dela nessa época).

Bom, além do signo em comum e da afeição pelo impressionismo, vocês não vão acreditar no que mais percebi ter em comum com o a Georgina: ela casou-se com outro pintor modernista/pós impressionista, o Lucílio de Albuquerque, que era piauiense, como eu sou. 

Essas pequenas coisas chamaram minha atenção para essas figuras, com todo o respeito a elas, eu confesso que não me interessariam de outro modo- mas ninguém se interessa por todo mundo e o interesse muitas vezes vai surgir de algo de algo afetivo, não muito racional, que depois é racionalizado (ou não, esses que não são a gente costuma ter vergonha). Nesse caso, eu acho a primeira metade do século do Brasil, na história guiada pelas grandes cidades chatíssimo(no momento). Mas estou aqui para rever meus conceitos, também.

[Não adianta vir aqui me falar dos movimentos revolucionários da época. Meu cérebro desliga. Vai ser preciso desenhar. Ou apresentar um livro cheio de referências e argumentos bons, uma filosofia marota- mas é difícil, porque provavelmente vai ser machista e racista, me irritando no processo. Não estou nessa fase. Não faça isso comigo, por favor. 😢]

Em resumo, eu adorei saber que Georgina, além de ter o nome parecido com o da irmã mais nova do senhor Darcy, foi a primeira mulher diretora da Escola de Arte e que a influencia impressionista que ela recebeu foi indo lá para a França com o marido dela, ao estudar como ouvinte na principal escola de arte do país. Infelizmente ela e outras pintoras brasileiras que estudaram lá na época não tiveram seus registros conservados porque obviamente quem se importava com o que mulheres criam (além de filhos e nem isso direito). Hoje tudo é muito diferente 😒. E é claro que ela não produziu tanto quanto seu marido, porqueoraquemdiria o trabalho do cuidado dos filhos não ficava com ele. 👪


essa é Georgina pintando (obra do Lucílio 1910/1920)

A bixa ainda pintou um desses quadros que eram muito disputados: a pintura histórica brasileira. E em 1922 foi uma das primeiras mulheres a estabelecer sua perspectiva no meio dessas visões oficiais. Era uma disputa de poder e ela foi muito sagaz em ter aproveitado um evento que ficava muito próximo do marginal, mas ainda tinha figuras de destaque na tradição, para lançar o seu Sessão de Conselho de Estado. 

Maria Leopoldina ali na esquerda

Se não era revolucionário, pelo menos era provocadora o suficiente, dos mais machões. 💪

E pesquisando sobre a Georgina eu conheci outras artistas interessantes, mas aí é outra história.


Até mais!😊

cartaz de divulgação meu



Você ainda encontra Georgina de Albuquerque no

Masp: https://masp.org.br/acervo/obra/mulher-pensando-1 

 Wikipédia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Georgina_de_Albuquerque

Seleção de obras: https://www.elfikurten.com.br/2013/06/georgina-de-albuquerque-o.html



quinta-feira, 27 de outubro de 2022

por que fazer arte em um diário? (com easter egg)

journaling/escrevinhando*



Por que escrevinhar um diário? Aqui appresento alguns dos meus motivos!

1. A gente estabelece uma nova relação com aquele caderno onde anotamos fatos e datas memoráveis;

donotmicrowavecraft- lindsey- perfil journal


2. É mais atraente para o seu eu do futuro se interessar em rever as próprias anotações. Eu era a pessoa que queria fugir das próprias ideias e memórias escritas, nunca mais folheando o que escrevia por lá. Tornar meu diário mais artístico, mudou completamente isso;


luv.asxce- perlita- perfil journaling



3.Aprender novas habilidades. Como a internet já tem uma memória considerável de artistas de diários ensinando muitas técnicas diferentes para enfeitar a caderneta cotidiana. Eu passei  a me interessar mais por colagem, graças a esses vídeos. Nem todas as técnicas que vejo me interessam ao fim, mas essa é uma das graça do processo de aprendizado;

nette.journals- anett- perfil journaling



4.Treinar caligrafias diferentes. Testá-las nos títulos, nos termos e frases mais marcantes, em alguma citação solta. Existem muitos modos de treiná-las e um modo de aprendê-las pode ser usando sites que oferecem fontes gratuitas como o DAFONT, ou em páginas de caligrafia imprimíveis no PINTEREST- tem outros modos, mas aqui estou tentando lembrar do que está mais à mão.

Foto de página do meu diário com lettering do slonga da campanha do PT 13 LULA
Lula Lá! Brilha Nossa Estrela!Lulá Lá! Fontes: Lemon Milk e Celebrate


5.Relaxar. O diário nem sempre é um exercício relaxante. Às vezes você está realmente descrevendo um evento ou um sentimento mais difícil e, ainda que uma maior clareza venha disso, o relaxamento só vem depois. Então colocar no mesmo caderno e até na mesma página seus exercício de criatividade pode ajudar a dar uma amenizada no que você lê. O restante do relaxamento vem com a busca pelo layout mais interessante, se com um padrão de cores ou se totalmente caótico (é o meu favorito, porque não tenho paciência)  com o que foi dito nos itens anteriores;

workde.art- modelo journal


6. Aprender a desenhar. Em vez de colar imagens, você pode rascunhar algumas. Pegue alguns modelos no instagram, no próprio pinterest ou em objetos e pessoas ao seu redor. Se você tem vergonha de praticar essa habilidade, é só lembrar que NINGUÉM, isso mesmo NINGUÉM vai ver o que você fizer, a não ser que você mostre, porque essa é a lei do diário. Então, lápis e pincel à obra!

Temi Manning- @livingletterplans 


7. Saúde mental. Pense no diário como uma espécie de terapia ocupacional. Todo mundo precisa de momentos só para si para se revitalizar as ideias, as emoções e toda essa arte ajuda exatamente nisso. Palavra de quem pratica!


flying_psyche e psyches_journal


9. Adesivos! O diário é o local ideal para colocar todos aqueles adesivos que você guardou da graduação, escola, de filhes e sobrinhes ou que você compra até hoje, sem saber muito pra quê.  Fica lindo!

stickerrific- modelo journal adesivos




10. É simplesmente uma sensação incrível rever, tempos depois, as páginas que você se deu ao trabalho de cuidar. Algumas vão parecer meio feinhas, outras vão te surpreender tanto que você nem vai crer que é uma arte sua, no final das contas, todas serão queridas e marcantes, porque vão estar mergulhadas nos seus registros preciosos, de coisas banais e de coisas fundamentais.




página  do meu diário
página do diário - meu



* Pedi ajuda para uma tradutora ao pensar um termo que pudesse ser usado no subtítulo junto com "journaling" e Heci sugeriu algumas palavras, dentre as quais decidi por "escrevinhando". Fica aí a dica.

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Nunca há

 
por-do-sol sobre o telhado de casa e os fios da cerca elétrica


 

Nunca há horizonte suficiente 

Pr’onde meu peito aponta 

Por isso ele é triste 

Ele é bonito e é triste.

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Hoje você tocou na minha pele- Dani Marques

O texto hoje é de uma amiga. Convido-lhe a dar play e ouvir esse sensível monólogo, que trata sobre família, sentimentos, expectativas e outras coisas que você vai encontrar(-se):



 A Dany já apareceu AQUI no blog. 

quarta-feira, 7 de julho de 2021

Fim da estação de chuvas

O equívoco das derradeiras águas

Esse ventriloquismo do teu peito

afoga

numa poça

meu frágil ventrículo 

zumbindo por nada.



uma imagem em preto e branco de um balão cheio de água até a metade com uns peixinhos
Eu perdi a autoria da imagem


terça-feira, 18 de maio de 2021

Romances & Fantasias que saem da caixinha

 

bandeira do orgulho lgbtqi+
Arte da Bandeira do Arco-Íris

Depois de muuuito tempo, senti vontade de escrever uma postagem longa. Chega mais! 😉

Aproveitando o dia internacional de combate à lgbtqi+ fobia (17 de maio!), cumpro um desejo de fazer essa postagem falando de alguns livros queridos que andei lendo ultimamente. Lembrando que aboli quase todas as leituras distópicas e que tirem o pouco de esperança que me resta- vocês entendem, né? Talvez viver sob pandemia e no Brasil tenha algo a ver com isso. Infelizmente, ainda não consigo cobrir toda a bandeira, mas, ao final, tem uns links de outros blogs muito mais avançados nesse quesito. Bora lá!

Os três livros da trilogia as peças infernais
As peças infernais. Por acaso os três personagens das capas são representações jovens Will, Jem e Tessa, que você conhece logo de cara na obra

No meio das minhas leituras de romances e históricos e livros de fantasia (escrito por mulheres), que tem sido meu foco de leitura desde o ano passado- tipo, exclusivamente MESMO- terminei esbarrando na trilogia PEÇAS INFERNAIS, da maravilhosa escritora estadunidense, mas nascida no Irã, Cassandra Clare*. A história é envolvente, os personagens são adoráveis e mesmo se tratando de adolescente, são poucos os momentos em que eu perdi a paciência com as teimosias que as escritoras de ficção fantástica impõem às heroínas e heróis para darem a impressão de que tem a personalidade forte. É um mundo cheio de figuras fantásticas como lobisomens, vampiros, fadas, feiticeiros e os Caçadores das Sombras, quase sempre o foco de suas trilogias. É curioso o modo como um triângulo amorosos (mas eu confesso que detesto livros com triângulos amorosos em um mundo em que existem outras possibilidades de relacionamento) é desenvolvido lá, além disso, não me escaparam a percepção de que a classe que tem o digamos “Poder estatal dos anjos”, pode ser sim um tanto fascista.

As Crônicas de Banes, que já está traduzida para o Brasil 😋

Bom, mas não sendo esse o meu foco, passo adiante, no meio de toda a confusão desta trilogia, conhecemos o poderosíssimo feiticeiro indonésio Magnus Bane! E foi ele que me cativou e me chamou a atenção para as obras que indico a seguir. Tudo isso porque Magnus Banes é um imortal bissexual que tende a tragicamente a se apaixonar por mortais. 

Magnus, com seus olhos de gato em destaque e uma chama azul nas mãos- olhando de lado
O feiticeiro maravilhindo Magnus Bane. Sim, eu gosto muito dele

Fui completamente arrebatada por ele! Mais uma prova do poder de gerar empatia da literatura. A série de TV na Netflix cumpre bem o papel de apresentar o personagem, ainda que peque em outras coisas (efeitos, simplificação de tramas mais densas etc), é fato que Harry Shum Jr., valeu à pena demais a audiência que eu dei, não me arrependo de NADA!

uma sala com um sofá escuro, flores no canto esquerdo, Alec, um homem branco alto, beijando um homem moreno com traços asiáticos (Magnus Bane), nesse sofá
Nenéns- Sim, nosso ship MALEC, no início da relação dos dois 😍

O melhor de tudo é que ao mesmo tempo que fui assistindo a série fui descobrindo (e lendo!), que a autora também é fã de Magnus Bane- inclusive lutando para sua permanência nas bibliotecas escolares dos EUA. Ela escreveu um livro que é mencionado na mais famosa trilogia INSTRUMENTOS MORTAIS, convertido n’As CRÔNICAS DE BANE, e, como o nome diz, trata da episódios da vida do feiticeiro cheio de malemolência, glitter e um maravilhoso topete. Também está saindo no Brasil (até a data desta postagem) a trilogia AS MALDIÇÕES ANCESTRAIS, com ele e seu par romântico mais popular, o Caçador das Sombras Alexander Gideon Lightwood, tendo dos livros já traduzidos. Enquanto tentam se acertar na relação, os dois lutam pela aceitação no meio da resistência da Clave (a entidade que manda nos Caçadores das Sombras) e até entre os ditos “submundanos”, além de enfrentarem a resistência ao fato de serem de “grupos” diferentes (feiticeiro, portanto filho do demônio e caçadores das sombras, filhos do Anjo Raziel), precisam enfrentar a homofobia até de pessoas próximas, como a família de Alec. E autora não se esquiva de tornar isso uma questão. E tem mais casais lgbtqi+ lá, mas ainda não terminei a leitura de todas as trilogias da Cassandra (confesso que meu foco vinha sendo o ship MALEC- com as melhores fanarts e fanfics, procurem aí, não tem erro). Eu comentei no Clube de Profecias, que "Instrumentos Mortais" e seus derivados são "Harry Potter" com diversidade (Dumbledore adoraria Magnus). 

Capa do livro- os pergaminhos da Magia, volume 1 da trilogia mencionada
A capa do volume 1

Eu achei esses dois tão queridinhos, fiquei tão encantada, que fui atrás de mais livros, de outras autoras, com uma pegada parecida- sempre lembrando que não fosse tão horrivelmente pesado. Então achei mais dois (na verdade três), mais românticos, pois agora sou dessas. Um deles foi o “Vermelho, Branco, Sangue Azul”, que é muito adolescente ou jovem adulto e tão incrível, o casal lá é simplesmente o filho mais velho da presidenta dos EUA e... o príncipe da Inglaterra! Tem uns trechos sobre a pragmática da política estadunidense que acontece lá que me entendiou um pouco, mas a história deles é simplesmente fofa. No caso do príncipe, ele já havia assumido para si que era homoafetivo, o problema que ele enfrenta é parte da sua família (novidade), e o “primeiro filho” americano, ainda passando pelo processo de se compreender como lgbtqi+. E o percurso que eles fazem, cheio de altos e baixos, é muito cativante e a gente vira facilmente uma torcida desse casal. Fica aí minha dica! 💙💓

A capa do livro Vermelho, Branco e Sangue Azul- um desenhp de um rapaz moreno bonito e despojado e um príncipe loiro
Uma capa bonita dessas no meio da nossa biblioteca heteronormativa né meninas 👑💘👬

E, por último, mas não menos importante, uma duologia que também achei que merecia estar nessa postagem, chama-se ELE e NÓS, conta a história de dois amigos jogadores de hockey que, enfim, tinham tudo para ser um casal desde muito cedo, na adolescência, mas um mal entendido, ou mal conversado fato, atrasa esse encontro. O desenvolvimento do reencontro e do tempo que perderam foi bem escrito e eu adorei acompanhar- entre deliciosas cenas para maiores de 18 anos- estão de parabéns, aliás. ⛄💥👬

Capa (que capa!) do primeiro livro 


Como eu tinha prometido, aqui estão colegas blogueiras que são muito melhores que eu e com muito mais dicas de livros de romance LGBTQI+. Inclusive agradeço a elas abrir mais essa portinha para que eu pudesse diminuir minha defasagem nisso. Tenta ai! Quem sabe alguma dessas histórias de surpreende e você nota que amor é amor e a resistência é só manifestação da nossa ignorância. FORA QUE VOCÊ AMA LIVROS COMO EU E ATÉ MAIS, NÃO É MESMO?? 📚

Ps. Eu ia colocar na lista "A quinta estação", mas eu achei que precisava de uma postagem só para ele, porque aquilo ali é uma tratado brilhante! 

https://www.reviewbox.com.br/livros-lgbt/

https://www.laoliphant.com.br/resenhas/resenha-radio-silencio-alice-oseman

http://leitoracretina.blogspot.com/2020/08/new-adult-com-personagens-gays-lesbicas.html

https://lgbteca.com.br/gratuitos

https://blog.estantevirtual.com.br/2019/03/12/os-melhores-livros-com-tematica-lgbt/


sábado, 30 de janeiro de 2021

N. K. Jemisin: sobre agradecer e continuar

 

N. K. Jemisin de blusa amarela, em uma rua (Crédito da imagem: John D. & Catherine T. MacArthur Foundation)

Terminei hoje a trilogia Terra Partida da grandiosíssima, brilhante e importante N.K. Jemisen. Trata-se de ficção científica de alto nível e ao mesmo tempo é um tratado de tantos temas importantes e delicados para o hoje e para o amanhã. Mas aqui agora eu trago os Agradecimentos do terceiro e último livro "O céu de pedra" e o discurso que a autora fez quando finalmente foi receber o prêmio Hugo (ela ganhou 3, um para cada volume da trilogia, mas só apareceu no terceiro- o que eu compreendo). O Hugo é a principal premiação mundial nos gêneros Fantasia e Ficção Científica e vergonhosamente ela foi a primeira pessoa negra a ganhá-lo (com recordes). Eu chorei litros com o final da história e para completar, chorei mais com esses dois textos curtos que trouxe. Eis as palavras dela:

 

Agradecimentos

 

Ufa. Isso levou um tempo, não levou? O céu de pedra marca mais do que apenas o fim de mais uma trilogia para mim. Por vários motivos, o período durante o qual escrevi este livro acabou sendo o momento de mudanças tremendas na minha vida. Entre outras coisas, saí do meu emprego formal e me tornei escritora em tempo integral em julho de 2016. Bem, eu gostava do meu emprego formal, no qual eu podia ajudar as pessoas a fazerem escolhas saudáveis – ou, pelo menos, sobreviver por tempo suficiente para fazer isso – em um dos pontos de transição mais cruciais da vida adulta. Ainda ajudo as pessoas, eu acho, como escritora, ou pelo menos essa é a impressão que tenho daqueles de vocês que me mandaram cartas ou mensagens online me contando o quanto a minha produção literária os tocou. Mas, no meu emprego diurno, o trabalho era mais direto, assim como suas agonias e recompensas. Sinto muita falta dele. Ah, não me entendam mal: essa era uma transição de vida boa e necessária a fazer. Minha carreira como escritora explodiu da melhor forma e, afinal, eu amo ser escritora também. Mas é da minha natureza refletir em tempos de mudança e reconhecer tanto o que foi perdido como o que foi ganho. Essa mudança foi facilitada por uma campanha de Patreon (financiamento coletivo para artistas) que eu comecei em 2016. E, tocando em uma notícia triste... esse financiamento via Patreon também foi o que me permitiu me concentrar totalmente em minha mãe durante os últimos dias de sua vida, no final de 2016 e início de 2017. Eu não falo com frequência de coisas pessoais em público, mas talvez vocês consigam ver que a trilogia A terra partida é minha tentativa de lidar com a maternidade, entre outras coisas. Os últimos anos de minha mãe foram difíceis. Acho (tantos dos alicerces dos meus romances se tornam claros em retrospecto) que, de algum modo, eu suspeitava que a morte dela estava chegando; talvez eu estivesse tentando me preparar. Ainda assim, não estava pronta quando aconteceu... mas ninguém jamais está. Então sou grata a todos: à minha família, aos meus amigos, à minha agente, aos meus patrocinadores, ao pessoal da Orbit, inclusive a meu novo editor, a meus antigos colegas de trabalho, à equipe da casa de repouso, a todos, que me ajudaram a passar por isso. E foi por isso que trabalhei tanto para que O céu de pedra saísse no prazo, apesar das viagens e das hospitalizações e do estresse e de todas as mil indignidades burocráticas da vida após a morte de um dos pais. Eu definitivamente não estava no meu melhor momento enquanto trabalhava neste livro, mas posso dizer uma coisa: onde há dor no livro, é dor de verdade; onde há raiva, é raiva de verdade; onde há amor, é amor de verdade. Vocês vêm fazendo esta viagem comigo, e sempre terão a melhor parte do que eu tenho. É o que minha mãe ia querer.

 

 

 

 

DISCURSO DE N.K: JEMISIN CERIMÔNIA DE PREMIAÇÃO DO HUGO WORLD DE 2018

 

Eu comecei a cultivar toda uma superstição de que só ganho prêmios quando não apareço [na cerimônia]. [...] Este tem sido um ano difícil, não é? Alguns anos difíceis, um século difícil. Para alguns de nós, as coisas sempre foram difíceis e escrevi a trilogia A terra partida para falar dessa luta e do que é preciso para viver, quem dirá prosperar, em um mundo que parece determinado a quebrar você. Um mundo de pessoas que constantemente questionam sua competência, sua relevância, sua própria existência. Eu recebo muitas perguntas sobre de onde vêm os temas da trilogia A terra partida. Acho que é bem óbvio que tirei inspiração da história humana de opressão estrutural, assim como meus sentimentos sobre este momento na história americana. O que talvez seja menos óbvio é o quanto da história deriva dos meus sentimentos sobre ficção científica e fantasia. Por outro lado, ficção científica e fantasia são microcosmos do mundo mais amplo, de modo algum excluídos da mesquinharia e do preconceito do mundo. Mas outra coisa que eu tento abordar com a trilogia A terra partida é que a vida num mundo difícil não é nunca apenas uma luta. A vida é família, de sangue e encontrada; a vida são aqueles aliados que se provam dignos por ações e não apenas discursos; a vida significa celebrar cada vitória, não importa quão pequena. Então, enquanto estou aqui diante de vocês, sobestas luzes, eu quero que vocês se lembrem que 2018 é também um bom ano. Este é um ano em que recordes foram estabelecidos, um ano em que mesmo os privilegiados mais cegos entre nós foram forçados a reconhecer que o mundo está

quebrado e precisa de conserto, e isso é uma coisa boa, porque reconhecer o problema é o primeiro passo para consertá-lo. Eu olho para a ficção científica e fantasia como o ímpeto de ambições do zeitgeist. Nós, criadores, somos os engenheiros da possibilidade. E à medida que esse gênero finalmente, embora relutantemente, reconhece que os sonhos dos marginalizados importam e que todos nós temos um futuro, o mundo também fará isso. Em breve, espero. Muito em breve. E sim, haverá contraposiçõs. Eu sei que estou aqui neste palco aceitando este prêmio por basicamente o mesmo motivo que todos os vencedores de melhor romance anteriores: porque eu trabalhei para caramba. Eu verti minha dor no papel quando não podia pagar por terapia, eu estudei uma ampla gama de obras de literatura e me aprofundei nelas para aprender o que podia e refinar minha voz; escrevi um milhão de palavras de merda e provavelmente um milhão de palavras de meh. E, além disso, eu sorri e acenei enquanto editores de revistas bem-intencionados me aconselharam a moderar minhas alegorias e minha raiva. Não fiz isso. Eu cerrei os dentes enquanto um escritor profissional estabelecido me fez uma diatribe de 10 minutos, basicamente como uma representante de todas as pessoas negras, por mencionar a falta de representatividade nas ciências. Eu continuei escrevendo embora meu primeiro romance, The Killing Moon, tenha sido inicialmente rejeitado sob a suposição de que apenas pessoas negras iriam querer ler o trabalho de uma escritora negra. Eu ergui minha voz para rebater outros convidados em mesas que tentaram falar acima de mim sobre minha própria vida. Eu lutei contra mim mesma e a vozinha dentro de mim que constantemente, e ainda, sussurra que eu devia manter a cabeça abaixada e calar a boca e deixar os escritores de verdade falarem. Mas este é o ano em que eu posso sorrir para todos os contraditares; cada um deles, medíocres, inseguros, aspirantes, que abriram a boca para sugerir que eu não pertenço a este palco, que pessoas como eu não podem merecer tal honra, e que quando eles ganham é meritocracia, mas quando nós ganhamos é por política de minorias. Eu posso sorrir para essas pessoas e erguer um dedo enorme, brilhante, em forma de foguete na direção deles[1].Então, quantos de vocês viram Pantera Negra? Provavelmente, minha parte preferida é a canção tema de Kendrick Lamar, “All the Stars”. O refrão diz: “Esta pode será noite em que meus sonhos vão me dizer que as estrelas estão mais próximas”. Que 2018 seja o ano em que as estrelas ficaram mais próximas para todos nós. As estrelas são nossas. Obrigada. N.K. JEMISIN

 

 

[1] O troféu do prêmio Hugo tem o formato de um foguete

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

A bruxa pragmatista: Emily Dickinson e convidadas

O Suplemento Pernambuco foi uma dessas boas descobertas dos anos recentes. Já falei dele antes nas recomendações aqui. Consegui assiná-lo por cerca de um ano e tenho um carinho imenso pelas edições de papel, com aquelas colagens feitas por talentosos artistas no período (2016-2017 ou 2017-2018). Ele tem ainda seu pdf  gratuito.

Lembrei disso, porque uma postagem no Instagram do periódico ontem, me fez rir sozinha. Lá dizia: "toda feiticeira, no fundo, é pragmática", o que me remeteu ao tema da minha dissertação que fala de pragmatismo e traz um pouco de Emily Dickinson, poeta que escreveu dos meus versos favoritos de todos:

Longos anos de distância - não podem fazer
Romper um segundo não podem sequer preencher -
A ausência da Feiticeira não
Anula o feitiço—

As brasas de mil anos
Descobertas pela mão
Que as acariciava quando eram Fogo
Vai se agitar e compreender—

 (tradução minha)

 No original, aqui.

O pragmatismo não é lá benquisto na filosofia, talvez pelo excesso de ceticismo nos fundacionalismos, sem oferecer uma resposta dura e talvez por isso mesmo, ele pareça menos interessado em respostas definitivas. Mas pelo menos ele me permitiu ter bons encontros com autoras e autores interessantes. A gente se diverte com o que pode nesse meio esquisitão.

 No que toca ao que motivou essa postagem, eu acho que as feiticeiras precisavam ser mais pragmáticas, por questão de sobrevivência, ainda que pareçam sempre estar a evocar as essências do mundo. Que mundo, não é mesmo? E aí está um outro segredo da feiticeira: ela parte do mundo em que está, mas quando precisa, assume outro e outro. Até porque eles nascem e morrem, como nós.

Quanto a Louise Glück, eu tinha esquecido que ela foi a ganhadora do Nobel desse ano quando comecei essa postagem, mas não é descaso, foi só esquecimento de gente distraída para conhecimento recém adquirido. Espero que ela seja traduzida logo para o nosso português, daí, quem sabe, quando eu lê-la com mais contexto, esse tipo de gafe não me ocorra. Mas não tenho pressa. O feitiço sabe esperar.

Essa postagem eu dedico à minha amiga Kelly, minha bruxinha favorita. Eu sei que de vez em quando, ela lê esses meus textos.


Aquarela da Malévola feita por mim num papel próprio A5
Malévola, bruxa redimida na cultura pop. Um dos meus estudos de aquarela.



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