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quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Histórias a serem (re) contadas: Victoria de Santa Cruz


 
Catálogos das exposições e folder.



Semana passada eu tive o privilégio de, andando por São Paulo, poder visitar algumas exposições. Histórias Afro-Atlânticas e Mulheres Radicais: Arte Latino-Americana (1960-1985), a primeira no MASP e no Museu Tomie Ohtake e a segunda na Pinacoteca. Das muitas comoções, surpresas, risos e abalos que sofri me detendo nas obras expostas, uma feliz e forte coincidência: em meio a uma variedade incrível de obras e artistas, em dois projetos independentes, o poema-dança de Victória Santa Cruz, de 1978, apareceu com destaque em ambas as exposições. Eu já trouxe uma vez aqui essa potência que nos foi legada em forma de vídeo. Permita-se, contemplar-participar, novamente, do texto, do balançar dos corpos e da firmeza das expressões dos artistas ali, que trazem a dor da rejeição pelo outro e do acolhimento de si por si, e de si no grupo antes rejeitado.

Volume 1 do catálogo das Histórias Afro-Atlânticas na página que menciona Victoria Santa Cruz (1922-2014). Três fotos da apresentação.




quinta-feira, 8 de março de 2018

Oito de março: dicas

Lou Andreas- Salomé, Carolina de Jesus e Alice Walker. Nomes imensos e ainda por serem devidamente conhecidos e reconhecidos.

A primeira, Lou Andreas- Salomé (1861-1937), psicanalista, romancista, filósofa e poeta. Interlocutora de muitos e inspiração para outros tantos, como Nietzsche, Rilke e Freud. Teve um filme sobre sua vida lançado ano em 2016 e que nos ajuda a compreender um pouco dessa brilhante mulher, que viveu o mundo de modo tão intenso. Assisti-lo não deixa de ser um exercício para que comecemos a tirá-la da sombra dos homens ao seu redor, colocando-a ao lado deles- no mínimo. Em português, há uma pequena biografia lançada pela LP&M pocket.



A segunda, Carolina de Jesus, é autora do primeiro livro que li numa das vezes que consegui participar do Leia Mulheres de Teresina. Quarto de despejo é sua obra mais conhecida, um marco na literatura brasileira, que apresenta, com crueza e realidade, o dia a dia numa favela brasileira na década de 1950, em forma de diário, com uma linguagem bastante característica. Testemunha que vive na pele de mulher negra e pobre, o esquecimento social e a luta para uma existência que lhe permita perceber em si uma dignidade inimaginada pelo meio literário da época. É daquelas leituras obrigatórias para nossa formação. Aqui embaixo segue um curta de 14 minutinhos sobre a autora:


A última, Alice Walker, escreveu o livro mundialmente aclamado "A cor púrpura" (1982), filmado por Steven Spielberg e estrelado por Whoopi Goldberg, Danny Glover e Oprah Winfrey. O livro, que é um romance epistolar, trata da separação de duas irmãs que se perdem ao longo de suas vidas, pelas violências que as acompanham desde o ambiente familiar. É uma obra chocante, especialmente em sua primeira metade e que trata da violência contra as mulheres, de misoginia, racismo e colonialismo. O livro ainda nos brinda com um ousado e inesperado casal de mulheres, que se unem para lidar com todas essas dores e aprender a criar alegrias no meio de tudo aquilo. Outro livro imprescindível. O canal "Curta!" já apresentou o episódio da série "Impressões do Mundo" com a autora. Se você puder, vale a pena conferir.












segunda-feira, 24 de julho de 2017

Apontamentos de uma fala de José Celso Martinez Corrêa sobre o amor

"O amor muda nossa cultura."
(O ser amado abre novos caminhos, traz uma nova linguagem, uma nova cultura se abre, me renova)

"O cérebro é uma víscera movida por afeto."

"Por isso, com um novo amor, você esquece o anterior."
(sobre uma nova cultura fundada sobre a anterior- dentro da pessoa)

"É muito perigoso as pessoas se encontrarem. Por isso os encontros precisam ser regulados."
(sobre corpos que se encontram)

"Apenas sociedades que lutaram pela sua liberdade têm o teatro forte."
(e liberdade chama amor)



 
Doc: Evoé- Retrato de um antropófago



sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Black lives matter: a 13ª terceira emenda

Hoje (ontem) eu finalmente assisti o documentário "A 13º emenda", que está disponível na NETFLIX. O doc trata basicamente de como a escravidão ao longo da história americana/estadunidense foi se metamorfoseando em uma continuidade de massacres da população negra do país, mesmo depois da libertação constitucional dos negros. A própria décima terceira emenda já surge como um problema em sua pretensão de generalidade e universalidade- a qual garantiria a liberdade de todos os cidadãos e cidadãs, com exceção dos criminosos. Não é difícil adivinhar qual população tornou-se vulnerável a essa exceção, depois de lançada no mundo "livre" sem dinheiro, sem terra, sem uma política responsável que lhes garantisse a sobrevivência em dignidade. Passando pelo imaginário reforçado do negro criminoso estuprador do cinema do início do século XX, simultaneamente à exaltação da idéia de superioridade racial, alcançando a luta pelos direitos civis, o doc chega ao século XXI, com a intensa discussão sobre a assustadora população carcerária dos Estados Unidos- a maior do mundo- e tenta traçar um encadeamento que deixa claro como o sistema prisional, aplicado sem considerar a questão racial e as questões sociais implicadas, só aprofundou o abismo entre aqueles que são considerados mais humanos e os que ainda não chegaram lá. O título que escolhi para a postagem "Vidas Negras Importam", é o lema de uma das campanhas que ganharam as ruas e as redes sociais, contra o extermínio dos negros, como vocês já devem ter acompanhado pelas redes sociais (caso Fergunson, por exemplo). Assistir esse documentário reforça a nossa constatação de que nosso problema aqui no Brasil é bem mais sério do que a maioria suspeita.


sexta-feira, 29 de abril de 2016

sábado, 6 de fevereiro de 2016

H. Dobal: innamorata e o documentário do Douglas Machado

Ela agora está morta e eu não sei se estava mesmo apaixonado por ela naquele tempo. Talvez estivesse. Era uma paixão que não derrubava as outras, que se acrescentava às outras. Não tomava o lugar de nenhuma outra.
Talvez estivesse mesmo apaixonado por ela e acho que ela correspondia com uma paixão igual à minha. Pelo menos houve um dia que ficou valendo como uma revelação.
Um dia que nunca se transformou numa data, que se perdeu num mês qualquer, num ano cada vez mais remoto e impreciso. Um dia nítido e, no entanto, insituável num tempo que se perdeu completamente.
Penso nela de repente durante a ginástica com que procuro combater essa paralisia que me agita o dedo da mão esquerda. Não interrompo os exercícios, o pensamento passa. O pensamento é mesmo uma cousa à toa.
Outras vezes suspendo a leitura do jornal para esfregar os olhos cansados e a lembrança dela fica comigo um momento.
Era um dia inútil, um domingo de tarde em que tínhamos pensado em ir ao cinema. Mas a tarde de cartão-postal se enchia de doçura. Paramos na beira da lagoa. Ficamos olhando os pedalinhos, que não tínhamos coragem de enfrentar.
Sonhamos o vôo das gaivotas, o silêncio das águas paradas. Aceitamos a paz das paisagens preparadas. Num momento aceitamos o sol, o vento, o fogo, os poderes da vida. Vimos na tarde os peixes saltadores e a morte da luz nas suas escamas. Mas logo desapareciam de novo nas águas da lagoa.
Tive uma grande vitória com ela. Vitória moral, bem entendido. O sexo entre nós seria tão natural que não procuramos antecipá-lo. Mas acho que ela romantizava um pouco, era um pouco ingênua sobre isto. Ficou muito espantada uma noite quando viu, saindo do escuro da praia, um casal que tinha acabado de completar as suas carências. Muito espantada porque o casal se separava sem uma palavra, sem uma carícia, indiferente na sua satisfação.
Há umas duas semanas alguém me telefonou para dizer que ela morreu. Pediu-me que avisasse aos outros amigos daquele tempo.
Não avisei a ninguém, me desagradava comunicar isto aos outros. Faço isto como se assim a protegesse contra a distância e a morte.
Acho que agora ela está mais perto de mim do que antes. Não preciso de fotografias, não preciso tentar despertar o passado. Não ouço os discos, não leio os livros que ela me deu. Como se isto ajudasse a não gastar a sua lembrança, a conservá-la intacta.
Dos poços da memória me volta às vezes a voz de Ella Fitzgerald cantando Cole Porter: so in love with you, my love, am I. Acho que estava mesmo apaixonado por ela. Nem eu nem ela sabíamos ao certo o que devíamos fazer. Preparamos sem pressa o silêncio entre nós. Perdoamos a nós mesmo pelo que não dissemos, nos enterramos pelo que não nasceu. A vida segue o seu curso separado.
Tudo separado. O nascer, o morrer, as dores do fogo da vida.
Foi só isto cara. E talvez tudo seja só isto: um brilho rápido e depois de novo o silêncio das águas paradas.

(H. Dobal. Prosa Reunida)

Procure aqui: https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=386651178021305&id=266010593418698 

Acima, o bom documentário "Um homem particular", do Douglas Machado, sobre o senhor Hindemburgo Dobal Teixeira. Recomendo fortemente.

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