Estamos passando por um momento
crítico de intensificação da nossa capacidade de polarização. A política, má
conduzida, termina por ser desculpa para a expressão do que cada uma e cada um
temos de não tão bom. Um amigo em uma rede social, lembrou do que na
academia chamamos de Princípio da Caridade: numa discussão, ouvir o outro e
admitir que existe um sentido e importância na fala desse outro, por mais
diverso que esse discurso seja das nossas crenças atuais. É um exercício
difícil, ainda mais em tempos do governo das paixões (no sentido de pathos,
doença). Contudo, se realmente queremos mostrar que aprendemos alguma coisa com
os erros que cometemos ao longo da nossa história ao acharmos que a nossa lente
de percepção do mundo é absolutamente correta (vide comportamento prévio da
população, incluindo partidos, mídia, sociedade civil organizada em geral dos
vários regimes autoritários, de todas as cores, espalhados pelo mundo por toda
a história humana recente), é preciso apostar nesse esforço.
O germe do que chamamos de
fascismo, aquele que não ouve, que está sempre certo e que para isso não hesita
em negar a existência do outro discordante, seja por meio de um discurso do
tipo “Morra Dilma” “Morra Aécio” “Morra Lula” “Morra Moro”, seja por meios
sutis ou ainda mais agressivos, esse germe, caras e caros, não está só no
outro. A intolerância do fascismo está em nós também, habita como potência cada
um e cada uma. É preciso estar atenta e atento e perceber que antes de vigiar
tão ferrenhamente o que o colega fala, é preciso ser crítica quanto ao nosso próprio
comportamento. Tomar partido não pode querer significar a destruição da nossa
capacidade de empatia e se realmente queremos continuar como uma sociedade
democrática e plural (friso o plural), vamos ter que ser capazes de ir muito
além do que a polarização do presente dá a impressão de nos obrigar.
Lembrar da complexidade humana na
teia afetiva que cada uma e cada um de nós foi capaz de construir ao longo da
vida, por exemplo, ajuda a desinflacionar a questão a um tamanho com o qual
possamos lidar. Tenho pessoas que eu amo, pessoas que eu admiro, do “outro lado”
quanto às questões da política presente, mas isso não pode querer significar a
redução do meu afeto(ainda que seja um desafio), ou da minha vontade de tê-las
na minha vida. Ainda que por um momento a distância exista, é preciso ampliar e
perceber que existem outros valores, outros âmbitos que ainda compartilhamos
com aquelas pessoas. Mas nesse ponto, não quero falar só daquelas que
conhecemos. O exercício de empatia é vitorioso principalmente quando alcançamos
a capacidade do que mencionei no Princípio de Caridade para aquele desconhecido.
Sempre fomos capazes de estender nossos círculos de empatia e é nisso que a
democracia se pauta, a meu ver, muito mais do que em abstrações racionais.
Vamos mesmo permitir que essa singularidade política nos afaste da pessoa que
somos? Que destrua nossa humanidade? Que leve embora os valores de um sonho
democrático que agora parece ameaçado?
O tempo também é para palavras
que podem soar ingênuas. Mas acreditem, elas não são. Eu precisei ter muita
coragem para escrever esse texto, sabendo que sou eventualmente cobrada por mim
mesma e por outras pessoas, sobre minhas convicções políticas.
Quem conhece o que pesquiso sabe
que está tudo aí diluído nesse textão de rede social. Quem me conhece além da
academia, entendeu mais ainda. Se por acaso, diante da dinâmica do contexto eu
fraquejar e ceder ao germe do fascismo (e estou trabalhando minhas contradições
para que isso não ocorra), espero que pelo menos essa mensagem inspire outras
pessoas a não fraquejarem onde eu porventura vier a fraquejar.