Nunca morei no interior e
nem estive por mais que alguns minutos em uma roça. Apesar disso, fui uma
criança e uma adolescente sempre próxima de plantas, animais e outros reinos. Eu
sabia sem saber, que me fazia muito bem estar perto desse mundo. Tantas foram as
vezes que me imaginei como alguém próximo ao natural que, a uma certa altura, tive
a certeza de que queria ser bióloga.
Fui aprovada no
vestibular de biologia: primeiro lugar da turma. Uma festa! Mas como é até bastante
comum na vida, nem tudo se segue como nos nossos primeiros planos- e isso pode
ser muito bom, inclusive. Minha experiência com a biologia acadêmica se encerrou
cedo, por volta do terceiro ano do curso, que não cheguei a concluir. Foi uma
rica vivência que até hoje rende bons frutos distintos e distantes de
certificados e diplomas e à qual sou grata. Mas de algum modo, a aparente
suspensão desse primeiro caminho, não foi suficiente para extinguir um certo
tipo de necessidade: a necessidade do mundo natural.
Por isso, esse texto nasce
da necessidade de um resgate ativo e afetivo ao que nasce, ao que brota, ao que
germina ao meu redor. Certamente estar morando na verdíssima ilha de Florianópolis
teve sua quota nisso. Estar lá, reforçou o desejo, já meu discreto amigo, de me
sentir cultivadora de alguma planta, de flores, de ervas, de alimentos, uma
necessidade que entendi como tal desde os já longínquos dias da minha infância
em Teresina, em que travava uma disputa silenciosa- e às vezes nem tão
silenciosa- com minha mãe, pela permanência do meu canteiro de quebra pedras ao
lado da casa, a“florestinha”, com o tempo tão espertamente cultivado, mesmo às
escondidas, com as sementes jogadas aos montes por cima da terra, a cada vez
que ela o condenava à capina.
Eu me agarrava àquelas
ervas. Elas eram as grandes amigas da criança tímida que eu era, por muito
tempo.
Recentemente, terminei de
ler um livro que descobri ser uma referência da psicanálise voltada para os
arquétipos femininos associados aos mitos e fábulas transmitidos pela história
oral. É este “As mulheres que correm com os lobos”, da psicanalista junguiana
Clarissa Pinkola Estés, de 1992 e que ganhou uma nova edição brasileira pela
Rocco, em 2014. Compartilho com vocês o alívio que me foi encontrar uma autora
que fizesse um uso tão pedagógico do melhor dos estudos de Jung sobre
arquétipos e a experiência das mulheres, porque não é de hoje a crítica aos
marcos da área e uma certa misoginia que os cerca. Eu diria que Estés-Jung
trouxeram para mim um dos melhores diálogos interiores para o cuidado de si enquanto conhece-te a ti mesmo, segundo aprendi
com Sócrates, com os estoicos e suas reverberações modernas- nas aulas do professor Luizir.
Estés proporciona essa
reaproximação da mulher que eu chamo aqui de suas primeiras experiências
histórico-arquetípicas e corpóreo- arquetípicas. A mulher que faz nascer, a
mulher que cria enquanto ser criativo, a mulher astuta, a mulher que renasce
todos os meses. Para mim, tão próxima academicamente do pragmatismo, corrente
que se não nega, pelo menos evita o vocabulário essencialista, ou do eterno, me
senti pragmaticamente convencida da utilidade desta obra para a minha vida.
Plantar, de algum modo, ativa
uma memória coletiva em mim guardada e não ensinada na esfera prática
individual. As mulheres foram as primeiras agricultoras, sabemos disso. E existem
muitos bônus ao nosso bem estar no cultivo: a germinação da planta tem seu
tempo próprio. Ela me obriga a desacelerar minha ansiedade. Ela precisa de
cuidados, sol, terra e água, numa certa medida. E ela é vulnerável: pode ser
que algum fungo a ataque, ou um sol mais forte a resseque em demasia (e esse é
um risco sempre possível em Teresina). É manifestação da vida-morte-vida,
seguindo a linguagem de Estés. Numa outra linguagem: é terapêutica, palavra
derivada do grego therapeutike,
aquela que cura. Lá na minha infância eu já sabia onde procurar a cura.