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sábado, 2 de março de 2024

A pintura de Georgina de Albuquerque

 

quadro de Georgiana Albuquerque

O Raio de Sol (entre 1920 e 1930), de Georgina, fez parte de uma colagem recente que produzi para meu diário de papel: nada de caso pensado. Eu queria uma imagem que combinasse com os materiais que eu dispunha e que tivesse facilidade de aceitar sobreposições. Mas enquanto eu artesanava meu brinquedo de papel, adesivos e strass, foi crescendo minha curiosidade sobre aquela mulher que pintou outra mulher nua ainda no início do século XX. Se a pintora fosse de outro país, não chamaria minha atenção, mas aqui tudo era muito ridiculamente carola, imagine naquela época. Obviamente eu estava completamente avoada esquecida que 1920 é bastante próximo de 1922 e que esses estremecimentos no tecido da realidade social (mesmo que pela arte, coitada da arte) não veem "do nada", ao contrário do que muitos gostam de pensar. ☕

Já antes, em 1917, havia acontecido a exposição que marcou o início do Modernismo brasileiro. Georgina nasceu em 4 de fevereiro, de 1885, ou seja, aquariana como eu. É uma piada. Não leve tudo aqui tão a sério. 

Mas sim ela já pintava na época dessa mostra de 1917 (um ano bastante marcante). Desde 1903 conseguiu expor como seu professor Rosalbino Santoro e, depois, mas sempre "escondida" por um nome masculino (como Bernadelli, mestre dela nessa época).

Bom, além do signo em comum e da afeição pelo impressionismo, vocês não vão acreditar no que mais percebi ter em comum com o a Georgina: ela casou-se com outro pintor modernista/pós impressionista, o Lucílio de Albuquerque, que era piauiense, como eu sou. 

Essas pequenas coisas chamaram minha atenção para essas figuras, com todo o respeito a elas, eu confesso que não me interessariam de outro modo- mas ninguém se interessa por todo mundo e o interesse muitas vezes vai surgir de algo de algo afetivo, não muito racional, que depois é racionalizado (ou não, esses que não são a gente costuma ter vergonha). Nesse caso, eu acho a primeira metade do século do Brasil, na história guiada pelas grandes cidades chatíssimo(no momento). Mas estou aqui para rever meus conceitos, também.

[Não adianta vir aqui me falar dos movimentos revolucionários da época. Meu cérebro desliga. Vai ser preciso desenhar. Ou apresentar um livro cheio de referências e argumentos bons, uma filosofia marota- mas é difícil, porque provavelmente vai ser machista e racista, me irritando no processo. Não estou nessa fase. Não faça isso comigo, por favor. 😢]

Em resumo, eu adorei saber que Georgina, além de ter o nome parecido com o da irmã mais nova do senhor Darcy, foi a primeira mulher diretora da Escola de Arte e que a influencia impressionista que ela recebeu foi indo lá para a França com o marido dela, ao estudar como ouvinte na principal escola de arte do país. Infelizmente ela e outras pintoras brasileiras que estudaram lá na época não tiveram seus registros conservados porque obviamente quem se importava com o que mulheres criam (além de filhos e nem isso direito). Hoje tudo é muito diferente 😒. E é claro que ela não produziu tanto quanto seu marido, porqueoraquemdiria o trabalho do cuidado dos filhos não ficava com ele. 👪


essa é Georgina pintando (obra do Lucílio 1910/1920)

A bixa ainda pintou um desses quadros que eram muito disputados: a pintura histórica brasileira. E em 1922 foi uma das primeiras mulheres a estabelecer sua perspectiva no meio dessas visões oficiais. Era uma disputa de poder e ela foi muito sagaz em ter aproveitado um evento que ficava muito próximo do marginal, mas ainda tinha figuras de destaque na tradição, para lançar o seu Sessão de Conselho de Estado. 

Maria Leopoldina ali na esquerda

Se não era revolucionário, pelo menos era provocadora o suficiente, dos mais machões. 💪

E pesquisando sobre a Georgina eu conheci outras artistas interessantes, mas aí é outra história.


Até mais!😊

cartaz de divulgação meu



Você ainda encontra Georgina de Albuquerque no

Masp: https://masp.org.br/acervo/obra/mulher-pensando-1 

 Wikipédia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Georgina_de_Albuquerque

Seleção de obras: https://www.elfikurten.com.br/2013/06/georgina-de-albuquerque-o.html



quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Dia de Ursula K. LeGuin

foto da ursula leguin já idosa

Hoje seria aniversário da grande escritora de fantasia, ficção científica e ensaios Ursula K LeGuin. Esse aí na fanart é Ged, maior mago de Terramar/Earthsea.


Ged e a dragão

Sabe Hogwarts, escola de bruxaria etc? Ce vai entender de onde vem a inspiração lendo a história de Ged. Existem algumas coisas datadas, talvez, mas são importantes para a fã da ficção científica acompanhar as diferenças nas épocas- no futuro, também seremos julgadas, rs. Ainda assim, há muito mais a aprender e se encantar com aquele mundo misterioso criado pela autora. [spoiler ou não] No meu caso, adoro a relação do protagonista com os dragões e mesmo o modo como ele vai amadurecendo e especialmente como não é perfeito; e ainda a existência de um outro tipo de vida e religião, quando Tenahu aparece [fim do spoiler]. Também me encanta acompanhar Ged desde muito jovem e a passagem do tempo até uma idade bem madura, os encontros que ele tem ao longo da sua jornada e os lugares que visita são sempre envoltos em uma aura que cativa quem lê.

Ursula k LeGuin jovem- foto preto e branco


Por falar nisso, existe uma adaptação dos studios Ghibli do Ged já maduro, onde na verdade ele não é o personagem principal, mas que talvez valha a pena assistir. Não ficou excelente- como é o costume das coisas que o estúdio produz-, mas dá pra aproveitar a beleza da animação e usufruir de elementos queridos da história em uma mídia diferente. (Tem na Netflix)

Ged e o futuro príncipe das ilhas


E aqui duas obras da Ursula, que nossa amiga Heci Candiani traduziu "Floresta é o nome do mundo" e "A curva do sonho" e que não estão esgotadas- sim, porque os Contos de Terramar não são facilmente encontrados em português, infelizmente. Você encontra circulando com facilidade também "A mão esquerda da escuridão" e "Os despossuídos", traduzidos por Susana l. de Alexandria (obrigada a Heci e a Fabi pela informação, no twitter).

a capa do livro: floresta é o nome do mmundo

E tem esse maravilhoso episódio do Podcast Benzina, sobre a mestra Ursula K LeGuin: "A literatura xamânica de Ursula K. LeGuin", no qual Orlando Calheiros e Stephanie Borges, apostando que os livros de Le Guin é capaz de nos lembrar que existem muitas vidas possíveis, para de um Brasil em escombros. Lá, como a própria chamada do episódio diz, eles vão "traçando relações entre a literatura, o xamanismo, os sonhos e a capacidade de criar outras realidades. Alienígenas andróginos e colônias anarquistas na lua rendem histórias maravilhosas e podem nos dizer muito sobre as pessoas e as vidas da Terra e outros futuros possíveis." É muito gostoso de ouvir, recomendo fortemente o episódio e o podcast (além dos demais trabalhos da dupla).

banner do podcast benzina em laranja no spotify


E é isso. Ainda não li tudo o que essa grande mestra produziu, mas é bom saber que existe tanto material ainda a percorrer. Espero ter conseguido convencer mais uma ou duas pessoas a ler a Ursula, também. 💜

sábado, 30 de janeiro de 2021

N. K. Jemisin: sobre agradecer e continuar

 

N. K. Jemisin de blusa amarela, em uma rua (Crédito da imagem: John D. & Catherine T. MacArthur Foundation)

Terminei hoje a trilogia Terra Partida da grandiosíssima, brilhante e importante N.K. Jemisen. Trata-se de ficção científica de alto nível e ao mesmo tempo é um tratado de tantos temas importantes e delicados para o hoje e para o amanhã. Mas aqui agora eu trago os Agradecimentos do terceiro e último livro "O céu de pedra" e o discurso que a autora fez quando finalmente foi receber o prêmio Hugo (ela ganhou 3, um para cada volume da trilogia, mas só apareceu no terceiro- o que eu compreendo). O Hugo é a principal premiação mundial nos gêneros Fantasia e Ficção Científica e vergonhosamente ela foi a primeira pessoa negra a ganhá-lo (com recordes). Eu chorei litros com o final da história e para completar, chorei mais com esses dois textos curtos que trouxe. Eis as palavras dela:

 

Agradecimentos

 

Ufa. Isso levou um tempo, não levou? O céu de pedra marca mais do que apenas o fim de mais uma trilogia para mim. Por vários motivos, o período durante o qual escrevi este livro acabou sendo o momento de mudanças tremendas na minha vida. Entre outras coisas, saí do meu emprego formal e me tornei escritora em tempo integral em julho de 2016. Bem, eu gostava do meu emprego formal, no qual eu podia ajudar as pessoas a fazerem escolhas saudáveis – ou, pelo menos, sobreviver por tempo suficiente para fazer isso – em um dos pontos de transição mais cruciais da vida adulta. Ainda ajudo as pessoas, eu acho, como escritora, ou pelo menos essa é a impressão que tenho daqueles de vocês que me mandaram cartas ou mensagens online me contando o quanto a minha produção literária os tocou. Mas, no meu emprego diurno, o trabalho era mais direto, assim como suas agonias e recompensas. Sinto muita falta dele. Ah, não me entendam mal: essa era uma transição de vida boa e necessária a fazer. Minha carreira como escritora explodiu da melhor forma e, afinal, eu amo ser escritora também. Mas é da minha natureza refletir em tempos de mudança e reconhecer tanto o que foi perdido como o que foi ganho. Essa mudança foi facilitada por uma campanha de Patreon (financiamento coletivo para artistas) que eu comecei em 2016. E, tocando em uma notícia triste... esse financiamento via Patreon também foi o que me permitiu me concentrar totalmente em minha mãe durante os últimos dias de sua vida, no final de 2016 e início de 2017. Eu não falo com frequência de coisas pessoais em público, mas talvez vocês consigam ver que a trilogia A terra partida é minha tentativa de lidar com a maternidade, entre outras coisas. Os últimos anos de minha mãe foram difíceis. Acho (tantos dos alicerces dos meus romances se tornam claros em retrospecto) que, de algum modo, eu suspeitava que a morte dela estava chegando; talvez eu estivesse tentando me preparar. Ainda assim, não estava pronta quando aconteceu... mas ninguém jamais está. Então sou grata a todos: à minha família, aos meus amigos, à minha agente, aos meus patrocinadores, ao pessoal da Orbit, inclusive a meu novo editor, a meus antigos colegas de trabalho, à equipe da casa de repouso, a todos, que me ajudaram a passar por isso. E foi por isso que trabalhei tanto para que O céu de pedra saísse no prazo, apesar das viagens e das hospitalizações e do estresse e de todas as mil indignidades burocráticas da vida após a morte de um dos pais. Eu definitivamente não estava no meu melhor momento enquanto trabalhava neste livro, mas posso dizer uma coisa: onde há dor no livro, é dor de verdade; onde há raiva, é raiva de verdade; onde há amor, é amor de verdade. Vocês vêm fazendo esta viagem comigo, e sempre terão a melhor parte do que eu tenho. É o que minha mãe ia querer.

 

 

 

 

DISCURSO DE N.K: JEMISIN CERIMÔNIA DE PREMIAÇÃO DO HUGO WORLD DE 2018

 

Eu comecei a cultivar toda uma superstição de que só ganho prêmios quando não apareço [na cerimônia]. [...] Este tem sido um ano difícil, não é? Alguns anos difíceis, um século difícil. Para alguns de nós, as coisas sempre foram difíceis e escrevi a trilogia A terra partida para falar dessa luta e do que é preciso para viver, quem dirá prosperar, em um mundo que parece determinado a quebrar você. Um mundo de pessoas que constantemente questionam sua competência, sua relevância, sua própria existência. Eu recebo muitas perguntas sobre de onde vêm os temas da trilogia A terra partida. Acho que é bem óbvio que tirei inspiração da história humana de opressão estrutural, assim como meus sentimentos sobre este momento na história americana. O que talvez seja menos óbvio é o quanto da história deriva dos meus sentimentos sobre ficção científica e fantasia. Por outro lado, ficção científica e fantasia são microcosmos do mundo mais amplo, de modo algum excluídos da mesquinharia e do preconceito do mundo. Mas outra coisa que eu tento abordar com a trilogia A terra partida é que a vida num mundo difícil não é nunca apenas uma luta. A vida é família, de sangue e encontrada; a vida são aqueles aliados que se provam dignos por ações e não apenas discursos; a vida significa celebrar cada vitória, não importa quão pequena. Então, enquanto estou aqui diante de vocês, sobestas luzes, eu quero que vocês se lembrem que 2018 é também um bom ano. Este é um ano em que recordes foram estabelecidos, um ano em que mesmo os privilegiados mais cegos entre nós foram forçados a reconhecer que o mundo está

quebrado e precisa de conserto, e isso é uma coisa boa, porque reconhecer o problema é o primeiro passo para consertá-lo. Eu olho para a ficção científica e fantasia como o ímpeto de ambições do zeitgeist. Nós, criadores, somos os engenheiros da possibilidade. E à medida que esse gênero finalmente, embora relutantemente, reconhece que os sonhos dos marginalizados importam e que todos nós temos um futuro, o mundo também fará isso. Em breve, espero. Muito em breve. E sim, haverá contraposiçõs. Eu sei que estou aqui neste palco aceitando este prêmio por basicamente o mesmo motivo que todos os vencedores de melhor romance anteriores: porque eu trabalhei para caramba. Eu verti minha dor no papel quando não podia pagar por terapia, eu estudei uma ampla gama de obras de literatura e me aprofundei nelas para aprender o que podia e refinar minha voz; escrevi um milhão de palavras de merda e provavelmente um milhão de palavras de meh. E, além disso, eu sorri e acenei enquanto editores de revistas bem-intencionados me aconselharam a moderar minhas alegorias e minha raiva. Não fiz isso. Eu cerrei os dentes enquanto um escritor profissional estabelecido me fez uma diatribe de 10 minutos, basicamente como uma representante de todas as pessoas negras, por mencionar a falta de representatividade nas ciências. Eu continuei escrevendo embora meu primeiro romance, The Killing Moon, tenha sido inicialmente rejeitado sob a suposição de que apenas pessoas negras iriam querer ler o trabalho de uma escritora negra. Eu ergui minha voz para rebater outros convidados em mesas que tentaram falar acima de mim sobre minha própria vida. Eu lutei contra mim mesma e a vozinha dentro de mim que constantemente, e ainda, sussurra que eu devia manter a cabeça abaixada e calar a boca e deixar os escritores de verdade falarem. Mas este é o ano em que eu posso sorrir para todos os contraditares; cada um deles, medíocres, inseguros, aspirantes, que abriram a boca para sugerir que eu não pertenço a este palco, que pessoas como eu não podem merecer tal honra, e que quando eles ganham é meritocracia, mas quando nós ganhamos é por política de minorias. Eu posso sorrir para essas pessoas e erguer um dedo enorme, brilhante, em forma de foguete na direção deles[1].Então, quantos de vocês viram Pantera Negra? Provavelmente, minha parte preferida é a canção tema de Kendrick Lamar, “All the Stars”. O refrão diz: “Esta pode será noite em que meus sonhos vão me dizer que as estrelas estão mais próximas”. Que 2018 seja o ano em que as estrelas ficaram mais próximas para todos nós. As estrelas são nossas. Obrigada. N.K. JEMISIN

 

 

[1] O troféu do prêmio Hugo tem o formato de um foguete

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Entrevista: Sérgia A.


E vamos a mais uma entrevista com uma escritora que gosto e que venho aqui compartilhar com vocês! A suavíssima e inspiradora Sérgia A, cujo lançamento do livro terminou sendo o último evento público do qual participei antes de entrarmos todos em quarentena: 


1. Sérgia A. você gostaria de se apresentar para as felizes leitoras, os felizes leitores que aqui aportarem?

R. Olá. Sou escritora... sou escritora... (digo isso como mantra porque foi um custo enorme me assumir como tal), mestra em Letras/Literatura, algumas palavras soltas por aí em Coletâneas e Antologias diversas, plataformas e revistas literárias, revistas acadêmicas  e dois livros em voo solo: Quatro Contos (editora Quimera, 2018)  e Adejo [poemas] (editora Venas Abiertas, 2019).

2. Cheguei a você por meio dos seus ensaios no blog da Revestrés e depois pelo seu último livro "Adejo", com lançamento imediatamente antes da quarentena, no Sebo Papiro. Fiquei encantada pelas imagens que você elabora com tanta sutileza, um adejo das asas de um passarinho. Você prefere a poesia mais sutil, que aquela que esbraveja? Ou vê caminhos em ambas?

R. Obrigada pela leitura. Penso que a arte exige sensibilidade para perceber detalhes em acontecimentos cotidianos e sutileza para reproduzir, mais insinuando do que dizendo, deixando espaço para o percurso do leitor. Ainda assim, a poesia que esbraveja tem o seu momento e, talvez, seu valor esteja exatamente na capacidade de perceber o momento.
O Adejo, pelo formato, exigiu a seleção de poemas curtos que evidenciam o que você percebeu como sutileza.

3. Você acredita que a formação acadêmica mais ajuda ou atrapalha a poesia? Ela não criaria um excesso de regras que podem prejudicar o ato criativo? Falo isso porque no meu caso eu sinto que preciso desmontar várias autoridades internalizadas para testar algumas coisas na escrita que combinam mais com o que gosto de criar- e eu nem sou das Letras, rs. Como acontece seu ato criativo?

R. É interessante isso. Muitas pessoas consideram que a academia engessa. Muitos chegam a dizer: quer escrever? não estude Letras. Para mim foi uma necessidade de autoafirmação. Precisei estudar autores e teorias, trilhar um caminho acadêmico que me oferecesse uma âncora. Como se eu precisasse de validação. Essa âncora fica lá no fundo mesmo, não emerge para intervir na criação. Mas essa é a minha história pessoal, que é carregada de nãos.  
Quanto ao ato criativo, eu não tenho um método. É meio caótico. Sempre se inicia por algo ou situação inesperada que me prende a atenção e faz surgir uma ideia. É um espanto mesmo diante do mundo. Dessa pequena semente, às vezes apenas palavras soltas ou pequenas anotações, nasce um poema, um conto, um texto trabalhado por horas, por dias ou por meses se o tema exigir uma pesquisa, por exemplo.

4. Existem versos em alguns dos seus poemas que se percebe algum engajamento em questões sociais graves do mundo (Assim Falou Caetano: II. Sobre a vida secreta das flores). Não parece ser seu tema recorrente, mas me parece bem evidente que isso não te passa batido como poeta. Como você encara escritores que fazem do seu trabalho uma negação completa dos conflitos do tempo que vivem?

R. Acho que cada um tem o seu caminho, e eu não devo julgar escolhas individuais. Quanto a mim, considero que não escapamos do fato de sermos seres sociais por natureza. Aprendemos a viver em grupo, tribo, sociedade. Tudo que nos cerca nos afeta. Tudo é política. Até a escolha de parecer apolítico. Minha escrita nasce da observação, portanto do tempo e do espaço ao meu redor.

5. Por fim, você pode dizer quais autoras e autores anda gostando de ler ultimamente ou cantoras e cantores que tem ouvido? E o que tem tocado a alma da poeta?

R. Gosto de diversificar as minhas leituras. Para citar alguns contemporâneos que me tocaram ultimamente: a indiana Arundhati Roy (O Ministério da felicidade absoluta), o americano Michael Cunningham (As horas, Uma casa no fim do mundo), o brasileiro Caio Fernando Abreu (contos completos), a canadense Alice Munro (contos)  a nigeriana Chimmanda Adichie (Americanah, Metade de um sol amarelo), a brasileira Maria Valéria Rezende (Outros Cantos, Vasto Mundo),  o angolano/português Valter Hugo Mãe (A Desumanização, Homens imprudentemente poéticos), poetas como Maya Angelou, Adélia Prado, Jussara Salazar, Tito Leite, Adriano Lobão, Nayara Fernandes e Manoel de Barros (sempre).
Quando cito, fico mal. Achando que cometi uma enorme injustiça... por isso a lista fica sem fim.
E ainda tem os clássicos, a quem volto sempre: Tolstoi, Gabriel Garcia Márquez,  Clarice Lispector, Cecília Meireles, Carlos Drummond, E.E. Cummings, Shakespeare, Faulkner, Fernando Pessoa, Florbela Espanca.
Gosto também de autores de outras áreas, como Ailton Krenak, Yuval Noah Harari, Marcelo Gleiser, Antônio Damásio.

Sobre música, gosto de blues e, como muitos da minha geração, escutei muito pop/rock. Mas a minha alma é mais tocada  por vozes marcantes como a da canadense Loreena Mckennitt, e pela música instrumental do cubano Rubén González e do jovem brasileiro Amaro Freitas (que fez clips belíssimos de um encontro com Milton Nascimento e Criolo)

Obrigada pela oportunidade de conversar com você! É sempre um prazer falar de literatura.


O prazer é todo meu, Sérgia A! Que venham novos adejos pela frente! 🐤🌈

Sérgia na varanda do apartamento com um sorriso


Assim Falou Caetano

II – Sobre a vida secreta das flores

elas seguem assim poderosas
sob o sol de quase setembro
ainda que nos portais
a luz se reparta em crimes
atentados terroristas
ameaça de guerras
ou charlottesvilles
há monalysas bonitas
alegria… alegria…





quarta-feira, 8 de abril de 2020

Entrevista: Heci Regina, tradução e Angela Davis


Heci Regina Candiani. Talvez você ainda não conheça esse nome, mas com certeza, já que você está aqui nesse blog, deve ter ouvido falar de Angela Davis, Ursula K. Le Guin, Octavia Butler, Magaret Atwood ou Nancy Fraser. A Heci, além de ser doutora em sociologia pela UNICAMP, é a incrível responsável pela tradução de muitas das obras dessas nossas autoras queridas. Por sorte minha, ela aceitou o convite para uma entrevista, que fiz lá na rede social do passarinho azul. Para não deixar a conversa muito dispersa, foquei mais no trabalho que ela desenvolveu com as obras da Angela Davis. Segue esse presente para todas e todos nós! <3

1.  Então, Heci, percebendo suas escolhas para tradução, notei que o conteúdo das obras parece quase sempre voltado para preocupações de justiça social, mesmo na literatura. Isso me fez pensar se, quando você está traduzindo, de algum modo sua formação em sociologia atravessa suas escolhas das obras ou até mesmo orienta suas escolhas por categorias, termos importantes para os livros? Ou você entende os dois como ofícios separados?

Acho que a sociologia e tradução são ofícios (gosto muito dessa palavra) que passam essencialmente pela pesquisa e, ainda que os métodos e objetivos dessa pesquisa sejam diferentes em cada atividade, existe sempre em comum a curiosidade, a investigação, a intenção de ir além do que está dado, do aparente, do superficial. Pela formação sociológica, tudo que leio, observo, me leva a pensar nas questões sociais e políticas envolvidas, nos discursos mobilizados, nas intenções que nem sempre estarão explícitas. Da mesma forma, a tradução me leva a estar atenta à escolha de um tempo verbal, de uma palavra e não de outra, da terminologia, da semântica. Todas essas ferramentas me servem tanto em uma atividade quanto na outra.

2.    Como foi que aconteceu seu encontro com a obra da Angela Davis? Você gostou da recepção do público à sua tradução?

Os textos da Angela Davis exigem uma abordagem feminista, conhecimento do marxismo e dos debates relativos a questões raciais, porque todos esses aspectos da obra têm reflexos na escolha de termos e no modo de apresentar as ideias. Quando comecei a trabalhar no primeiro livro de Angela Davis que traduzi, o Mulheres, raça e classe, eu fazia doutorado em estudos de gênero, então já estava envolvida com essas questões. Mas a obra que se sustenta em muitos detalhes da história e das relações sociais específicas dos Estados Unidos no momento do surgimento do movimento de mulheres e da luta abolicionista. Isso exigiu bastante pesquisa e a produção de muitas notas de rodapé para contextualização, tanto de termos como de informações que poderiam faltar para quem estivesse lendo o texto no Brasil, até porque mais de 30 anos separavam o lançamento do livro nos EUA e a tradução. E algumas pessoas que leram o livro comentaram justamente que consideraram importante a inclusão das notas e as escolhas de alguns termos, além da linguagem que problematiza a suposta neutralidade dos termos masculinos. Isso é muito gratificante para mim.  

3.    Na obra “Mulheres, Classe e Raça”, a Angela Davis desenvolve com muito respeito as críticas dela ao movimento para o voto feminino no século XIX, mas sem deixar de ser precisa em seus argumentos em apontar as graves falhas dele em diminuir a importância do movimento abolicionista que se tornaria o de maior destaque na época, ou ignorar as mulheres negras que também compunham o movimento, sendo esse seu principal ponto na primeira metade do livro. Você sentiu dificuldade em elaborar isso? Eu pergunto por que muitas vezes eu senti uma raiva absurda lendo as injustiças que os movimentos de mulheres negras sofriam (e sofrem) e eu acredito que raiva não deva ser um bom guia na hora de escolher as construções na hora da escrita. Como traduzir bem algo que dialoga com seus valores mais caros?

A própria Angela Davis, nas palestras que fez no Brasil no ano passado, comentou sobre a importância da raiva. A raiva é um chamado à ação, ela nos mobiliza, nos coloca em contato com a necessidade de transformar uma situação. (O que é totalmente diferente do ódio, que passa por um desejo de destruição do outro, presente na xenofobia, no racismo, no machismo, na exploração de uma classe pela outra). O que mais a raiva me dizia no momento de tradução desse livro é que quanto melhor eu pudesse fazer o meu trabalho, mais eu poderia colaborar para que o racismo, o machismo e a opressão de classe fossem compreendidos por mais pessoas e questionados.

4.    Você sente alguma diferença em traduzir autoras como Fraser e Davis e depois partir para obras literárias como as da Atwood? Pode falar um pouco sobre esse processo?

A obra literária coloca quem traduz diante de um número maior de questões estéticas, um cuidado diferente com a linguagem, experimentos linguísticos, recursos como rimas, aliterações, alguns aspectos formais do texto que precisam ser considerados porque, em geral, estão sendo usados para contar a história. Normalmente, isso exige, para mim, uma maior lentidão na leitura, na ponderação das escolhas, a exploração do vocabulário, é um processo mais demorado em cada frase. Já em um texto de não ficção, é mais raro que isso aconteça. Ao traduzir Davis, Fraser, Federici, as questões passam, em geral, mais por conceitos, termos, fatos históricos, referenciais teóricos. Há, claro, questões formais do texto, mas elas são menos presentes, as soluções exigidas passam mais pela pesquisa de dados, informações, a produção de uma nota de rodapé... É muito bom ter a possibilidade de lidar com esses aspectos diferentes de cada gênero, alternar entre obras diferentes, autoras e autores diferentes.

5.    Por último, você acredita que as tradutoras e tradutores devam se engajar mais em discussões públicas dos trabalhos que fazem ou não, devem ser profissionais discretos e distantes desse tipo de agitação?

Acredito que sim. Acho que os tradutoras e tradutores, por terem uma relação muito próxima com o texto, muitas vezes passando horas em uma só frase, dias tentando aprimorá-la, podem ter observações e percepções interessantes para compartilhar. Pensar o texto a partir da tradução traz mais elementos para compreendê-lo e analisá-lo.  



Heci, muito obrigada pela entrevista e já fica aqui o convite, desde já, para mais conversas sobre sua vivência no mundo da tradução!

terça-feira, 10 de setembro de 2019

Cynthia Osório: entrevista




A Cynthia já apareceu aqui antes com sua poesia, mas agora fiquei com vontade de ouvi-la em uma entrevista e fiquei muito contente em saber que ela me concederia essa honra. É uma conversa importante para quem escreve, para mulheres que escrevem e também para quem de alguma maneira encarna algum marcador social que se sobressai nas relações sociais. Eu gostei bastante, espero que vocês curtam as respostas da nossa poeta convidada:

1.O modo como você se percebe influencia sua poesia? Como?

Total. Eu escrevo sobre o mundo que esta dentro de mim, ou ao menos, a partir dele. Então cabe aí muitas doses de mim mesma. Acho até que seja uma escrita imatura por isso, mas ela é  o que é. Não sei se te respondi.

2. Você entende a questão racial como um eixo que interfere na sua sensibilidade e vida criativa?

A questão racial é uma questão relativamente nova pra mim, estou em processo de descoberta  construção, aprendizagem de mim como mulher negra. Inconscientemente pode ter interferido já que, como disse antes,  falo muito sobre mim. Agora, nesse processo de conscientização, por assim dizer,  o que transparecer na minha escrita é/será intencional.  Então, interfere sim. A escrita pode ser uma ferramenta de luta antirracista, eu sinto a necessidade de construir em mim essa responsabilidade. E de maneira mais pessoal: escrever um instrumento de resistência ou re-existência num ambiente racista. Agora com sua pergunta reflito que quando/se o racismo me esgota mental e fisicamente, ainda assim, ele não me impede de criar, porque ainda que não saia uma poesia, por exemplo, eu escrevo. Escrever é criar.

3.Você pensa no Outro ou Outra que vai ler seu poema quando está escrevendo?

Quando escrevo pra que vejam eu elaboro mais, busco palavras. Outras vezes escrevo pra escrever, e acabo querendo que vejam, ou não. Quando faço essa escolha é sinal de que penso sim nas reações de quem lê.

4. Pretende publicar um livro físico? Quando?

Óbvio que já pensei e penso muito nisso, mas não é um peso nem uma urgência, não sei quando. O que sei é que vou escrever sempre. Confesso que a burocracia envolvida me intimida e até me cansa.

5. O que você acha que falta para a poesia feita por mulheres ser valorizada tanto quanto a do homem poeta no estado do Piauí?

Não sei se é apenas isso o que falta, mas iniciativas como clubes de leituras como o "Leia mulheres", publicações independentes como o zine "Desembucha, mulher!", por exemplo, são belas demonstrações de que só nós fazemos por nós mesmas, sem esperar aprovação ou apoio de homens, e dá certo. Claro, que se homens quiserem sair da sua zona de conforto e subverter a lógica  patriarcal etc ajuda, mas "homens, o que tenho a ver". É continuarmos a fazer como sabemos e podemos! 


6. Você tem algum conselho para dar a quem quer se aventurar pelo mundo da escrita, dos versos


Sugestão: escrever, ler, e olhar o mundo ao redor.



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