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quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Os favoritos de 2024!


Essa postagem é dedicada a Nayara do futuro, que pode querer lembrar que fez essas leituras. Fica também de sugestão, caso você se interesse. 😊

As leituras que mais me marcaram ao longo do ano de 2024! Para uma lista quase completa, é só acessar meu skoob nos lidos do ano passado.

Vamos lá!

💠Memórias de Adriano- Marguerite Yourcenar (março):

Aqui o trabalho excepcional de pesquisa e ambientação histórica e emocional da autora me conquistou quase que imediatamente. Antes, a história de Antinoo brevemente contada por um turista me chamou a atenção do fato de uma pessoa comum, talvez até um servo ou escravo, ter sido elevado à categoria de divindade pelo homem mais poderosos da sua época, tendo seu culto sobrevivido a este imperador. Apesar de ser a peça principal do livro, várias outras características da obra me cativaram. Comentei um pouco a respeito em uma das newsletter de 2024. 

Capa do livro Memórias de Adriano, com uma estátua do imperador

                                            


💠O Som do Rugido da Onça- Micheliny Verunschk (maio/junho):

Esse outro livro que, em poucas páginas, tenta imaginar a jornada e o destino de duas crianças indígenas separadas de seu povo séculos atrás e enviadas como "presente" à nobreza europeia. O fato terrível é apresentado do ponto de vista de uma das crianças e de sua própria cultura. Apesar de tudo, o final coincidiu com meu sentimento ao longo do livro.


A Micheliny ganhou o Jabuti por esse querido aí e ainda o prêmio Oceanos em 2024, pelo Caminhando com os Mortos.

💠Eu que nunca conheci os homens- Jacqueline Harpman (julho):

Eu que não gosto de distopias terminei lendo esta e gostando. É uma ficção científica que propõe alguns exercícios de imaginação sobre um tipo específico de fim do mundo, conduzido pela ótica de um pequeno grupo de mulheres.

Capa do livro: Eu que nunca conheci os homens


💠Admirável Novo Mundo- Bernardo Esteves (agosto/setembro):

Esse eu li simultaneamente ao "Um naturalista no antropoceno" e foi uma decisão feliz. No livro de Bernardo Esteves, conheci mais a respeito da América desde as várias chegadas dos seres humanos, bem antes que qualquer europeu. Os antepassados dos povos indígenas atuais, deixaram marcas e muitas pistas dos desafios que precisaram enfrentar para se adaptarem a esse continente que ficou isolado para humanos por tanto tempo, sendo que já era habitados por inúmeros seres vivos, inclusive a macrofauna famosa dos períodos glaciais. Uma das coisas mais belas que aprendi com essa leitura (e foram muitas), foi que o pequi e nossas palmeiras provavelmente eram semeadas por mamutes, em um processo que você encontra sendo mencionado nos dois livros. 

Capa do livro, editora Companhia das Letras



💠O profeta- Khalil Gibran (fevereiro):

Fiquei feliz de encontrar esse livro do Khalil Gilbran, meio por acaso e bem no início do ano. É o tipo de mensagem poético-profética que cabe bem o espírito dos inícios. Mas também caberia em momentos onde a gente pensa que nada está dando certo. Tenho para mim que é possível visualizar sua abordagem cristã vinda de uma matriz diferente das que estamos acostumadas aqui no Brasil. São tão bonitos paradoxos desafiados, pessoas que não são muito ligadas em religiões organizadas ou mesmo em qualquer uma.

capa de O Profeta, editora mantra


💠Wind And Truth- Brandon Sanderson (novembro/dezembro):

Esse aqui foi meu queridinho altamente esperado. Eu tirei dois anos para me atualizar de todos os livros da Cosmere (ou quase todos, eu nem tenho essa pretensão) para conseguir acompanhar o lançamento do último livro da primeira parte da série de fantasia que mais me entreteve com bastante dignidade. 

O livro é imenso, como 4 anteriores, mas valeu à pena mais uma vez a leitura: construção e expansão de mundo continua sendo a maior marcado autor, as personagens andaram nas jornadas que cabiam  cada uma (fiquemos satisfeitas ou não com isso), momentos engraçados, críticas coloniais disfarçadas, à escravidão e aos abusos de poder, crítica à destruição da natureza, crítica à falta de respeito com povos originários e à relação dos povos com o divino/natureza, crítica aos reis, rainhas e seres divinos quando não assume suas responsabilidades, defesa do amor, da amizade, do sacrifício pelo que é o certo, a preocupação com os traumas sofridos por quem vive de guerra ou em ambiente familiar tóxico, ou a dificuldade de se encaixar em qualquer cultura quando se é um imigrante etc. São muitos temas nessas mais de 1200 páginas (não sei como vai ficar em português).

E se você é fã de O Senhor dos Anéis: vale à pena. Nem que seja aos pouquinhos.

Capa de Wind and Truth, com Dalinar em destaque



💠A série Tudo Pelo Jogo- Nora Sakavic (julho):

Essas duas últimas leituras representam o meu momento: nunca prometi que sempre indicaria literatura certinha e adequada (já passei dessa fase, aliás, lá nos primeiros livros você encontrou uma parte daquela fase que ainda se manifesta...). 😂

Antes de mais nada, vamos aos avisos de gatilho: apesar de ser uma obra +18, e que é avisado lá, é importante saber que em cada um dos 4 livros da série lançados até agora, existem pelo menos 1 ou 2 cenas bastante fortes em termo de violência física, sexual e psicológica, além do uso de drogas lícitas e ilícitas. Afinal de contas, todos os personagens da história vieram de famílias problemáticas e uma boa parte foi abandonado às instituições que deveriam ter cuidado deles, o que não aconteceu. A histórica começa quando eles são recebidos por um técnico de um time, que usa o esporte como forma de recuperação social desses jovens adultos e o foco é o desenvolvimento da relação entre todos, enquanto buscam jogar no pior time de Exy.

É basicamente viciante.

Box com os três primeiros livros

💠Destaque dos quadrinhos: Semantic Error - J. Soori (maio):

Esse aqui eu peguei para ler pela fama: tem anime e uma novelinha curtinha. É romântico, mas não muito (eu ainda tenho um coração) mostra a amizade entre duas pessoas de personalidade completamente opostas: um desses clichês, mas que me divertiu principalmente porque um deles é completamente sem capacidade de trato com as pessoas.

Esse aqui é o livro. O manhwa está em inglês ou em português nas plataformas que você encontra por aí.


Então é isso! Eu poderia fazer mais algumas menções honrosas, mas se você chegou até aqui, bem que você poderia ir lá na página do skoob e conferir os 88 livros que consegui registrar no site. Faltaram alguns, mas poucos, está praticamente tudo lá. Aproveita e me adiciona!

Como meta para 2025 eu só queria ler mais fantasia chinesa. Mas isso vai depender das minhas autoras favoritas liberarem os próximos filhos.👀

Ah! E mais um ano com predominância de mulheres no saldo total. ^^


Feliz 2025, pessoas bonitas! 💗


Ps. Se quiser ajudar o blog ou minha newsletter é só usar os links que aparecem na postagem para adquirir qualquer coisa na amazon, não acrescenta em nada no valor da compra, mas pode vir a me ajudar. 


sábado, 2 de março de 2024

A pintura de Georgina de Albuquerque

 

quadro de Georgiana Albuquerque

O Raio de Sol (entre 1920 e 1930), de Georgina, fez parte de uma colagem recente que produzi para meu diário de papel: nada de caso pensado. Eu queria uma imagem que combinasse com os materiais que eu dispunha e que tivesse facilidade de aceitar sobreposições. Mas enquanto eu artesanava meu brinquedo de papel, adesivos e strass, foi crescendo minha curiosidade sobre aquela mulher que pintou outra mulher nua ainda no início do século XX. Se a pintora fosse de outro país, não chamaria minha atenção, mas aqui tudo era muito ridiculamente carola, imagine naquela época. Obviamente eu estava completamente avoada esquecida que 1920 é bastante próximo de 1922 e que esses estremecimentos no tecido da realidade social (mesmo que pela arte, coitada da arte) não veem "do nada", ao contrário do que muitos gostam de pensar. ☕

Já antes, em 1917, havia acontecido a exposição que marcou o início do Modernismo brasileiro. Georgina nasceu em 4 de fevereiro, de 1885, ou seja, aquariana como eu. É uma piada. Não leve tudo aqui tão a sério. 

Mas sim ela já pintava na época dessa mostra de 1917 (um ano bastante marcante). Desde 1903 conseguiu expor como seu professor Rosalbino Santoro e, depois, mas sempre "escondida" por um nome masculino (como Bernadelli, mestre dela nessa época).

Bom, além do signo em comum e da afeição pelo impressionismo, vocês não vão acreditar no que mais percebi ter em comum com o a Georgina: ela casou-se com outro pintor modernista/pós impressionista, o Lucílio de Albuquerque, que era piauiense, como eu sou. 

Essas pequenas coisas chamaram minha atenção para essas figuras, com todo o respeito a elas, eu confesso que não me interessariam de outro modo- mas ninguém se interessa por todo mundo e o interesse muitas vezes vai surgir de algo de algo afetivo, não muito racional, que depois é racionalizado (ou não, esses que não são a gente costuma ter vergonha). Nesse caso, eu acho a primeira metade do século do Brasil, na história guiada pelas grandes cidades chatíssimo(no momento). Mas estou aqui para rever meus conceitos, também.

[Não adianta vir aqui me falar dos movimentos revolucionários da época. Meu cérebro desliga. Vai ser preciso desenhar. Ou apresentar um livro cheio de referências e argumentos bons, uma filosofia marota- mas é difícil, porque provavelmente vai ser machista e racista, me irritando no processo. Não estou nessa fase. Não faça isso comigo, por favor. 😢]

Em resumo, eu adorei saber que Georgina, além de ter o nome parecido com o da irmã mais nova do senhor Darcy, foi a primeira mulher diretora da Escola de Arte e que a influencia impressionista que ela recebeu foi indo lá para a França com o marido dela, ao estudar como ouvinte na principal escola de arte do país. Infelizmente ela e outras pintoras brasileiras que estudaram lá na época não tiveram seus registros conservados porque obviamente quem se importava com o que mulheres criam (além de filhos e nem isso direito). Hoje tudo é muito diferente 😒. E é claro que ela não produziu tanto quanto seu marido, porqueoraquemdiria o trabalho do cuidado dos filhos não ficava com ele. 👪


essa é Georgina pintando (obra do Lucílio 1910/1920)

A bixa ainda pintou um desses quadros que eram muito disputados: a pintura histórica brasileira. E em 1922 foi uma das primeiras mulheres a estabelecer sua perspectiva no meio dessas visões oficiais. Era uma disputa de poder e ela foi muito sagaz em ter aproveitado um evento que ficava muito próximo do marginal, mas ainda tinha figuras de destaque na tradição, para lançar o seu Sessão de Conselho de Estado. 

Maria Leopoldina ali na esquerda

Se não era revolucionário, pelo menos era provocadora o suficiente, dos mais machões. 💪

E pesquisando sobre a Georgina eu conheci outras artistas interessantes, mas aí é outra história.


Até mais!😊

cartaz de divulgação meu



Você ainda encontra Georgina de Albuquerque no

Masp: https://masp.org.br/acervo/obra/mulher-pensando-1 

 Wikipédia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Georgina_de_Albuquerque

Seleção de obras: https://www.elfikurten.com.br/2013/06/georgina-de-albuquerque-o.html



quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Dia de Ursula K. LeGuin

foto da ursula leguin já idosa

Hoje seria aniversário da grande escritora de fantasia, ficção científica e ensaios Ursula K LeGuin. Esse aí na fanart é Ged, maior mago de Terramar/Earthsea.


Ged e a dragão

Sabe Hogwarts, escola de bruxaria etc? Ce vai entender de onde vem a inspiração lendo a história de Ged. Existem algumas coisas datadas, talvez, mas são importantes para a fã da ficção científica acompanhar as diferenças nas épocas- no futuro, também seremos julgadas, rs. Ainda assim, há muito mais a aprender e se encantar com aquele mundo misterioso criado pela autora. [spoiler ou não] No meu caso, adoro a relação do protagonista com os dragões e mesmo o modo como ele vai amadurecendo e especialmente como não é perfeito; e ainda a existência de um outro tipo de vida e religião, quando Tenahu aparece [fim do spoiler]. Também me encanta acompanhar Ged desde muito jovem e a passagem do tempo até uma idade bem madura, os encontros que ele tem ao longo da sua jornada e os lugares que visita são sempre envoltos em uma aura que cativa quem lê.

Ursula k LeGuin jovem- foto preto e branco


Por falar nisso, existe uma adaptação dos studios Ghibli do Ged já maduro, onde na verdade ele não é o personagem principal, mas que talvez valha a pena assistir. Não ficou excelente- como é o costume das coisas que o estúdio produz-, mas dá pra aproveitar a beleza da animação e usufruir de elementos queridos da história em uma mídia diferente. (Tem na Netflix)

Ged e o futuro príncipe das ilhas


E aqui duas obras da Ursula, que nossa amiga Heci Candiani traduziu "Floresta é o nome do mundo" e "A curva do sonho" e que não estão esgotadas- sim, porque os Contos de Terramar não são facilmente encontrados em português, infelizmente. Você encontra circulando com facilidade também "A mão esquerda da escuridão" e "Os despossuídos", traduzidos por Susana l. de Alexandria (obrigada a Heci e a Fabi pela informação, no twitter).

a capa do livro: floresta é o nome do mmundo

E tem esse maravilhoso episódio do Podcast Benzina, sobre a mestra Ursula K LeGuin: "A literatura xamânica de Ursula K. LeGuin", no qual Orlando Calheiros e Stephanie Borges, apostando que os livros de Le Guin é capaz de nos lembrar que existem muitas vidas possíveis, para de um Brasil em escombros. Lá, como a própria chamada do episódio diz, eles vão "traçando relações entre a literatura, o xamanismo, os sonhos e a capacidade de criar outras realidades. Alienígenas andróginos e colônias anarquistas na lua rendem histórias maravilhosas e podem nos dizer muito sobre as pessoas e as vidas da Terra e outros futuros possíveis." É muito gostoso de ouvir, recomendo fortemente o episódio e o podcast (além dos demais trabalhos da dupla).

banner do podcast benzina em laranja no spotify


E é isso. Ainda não li tudo o que essa grande mestra produziu, mas é bom saber que existe tanto material ainda a percorrer. Espero ter conseguido convencer mais uma ou duas pessoas a ler a Ursula, também. 💜

sábado, 30 de janeiro de 2021

N. K. Jemisin: sobre agradecer e continuar

 

N. K. Jemisin de blusa amarela, em uma rua (Crédito da imagem: John D. & Catherine T. MacArthur Foundation)

Terminei hoje a trilogia Terra Partida da grandiosíssima, brilhante e importante N.K. Jemisen. Trata-se de ficção científica de alto nível e ao mesmo tempo é um tratado de tantos temas importantes e delicados para o hoje e para o amanhã. Mas aqui agora eu trago os Agradecimentos do terceiro e último livro "O céu de pedra" e o discurso que a autora fez quando finalmente foi receber o prêmio Hugo (ela ganhou 3, um para cada volume da trilogia, mas só apareceu no terceiro- o que eu compreendo). O Hugo é a principal premiação mundial nos gêneros Fantasia e Ficção Científica e vergonhosamente ela foi a primeira pessoa negra a ganhá-lo (com recordes). Eu chorei litros com o final da história e para completar, chorei mais com esses dois textos curtos que trouxe. Eis as palavras dela:

 

Agradecimentos

 

Ufa. Isso levou um tempo, não levou? O céu de pedra marca mais do que apenas o fim de mais uma trilogia para mim. Por vários motivos, o período durante o qual escrevi este livro acabou sendo o momento de mudanças tremendas na minha vida. Entre outras coisas, saí do meu emprego formal e me tornei escritora em tempo integral em julho de 2016. Bem, eu gostava do meu emprego formal, no qual eu podia ajudar as pessoas a fazerem escolhas saudáveis – ou, pelo menos, sobreviver por tempo suficiente para fazer isso – em um dos pontos de transição mais cruciais da vida adulta. Ainda ajudo as pessoas, eu acho, como escritora, ou pelo menos essa é a impressão que tenho daqueles de vocês que me mandaram cartas ou mensagens online me contando o quanto a minha produção literária os tocou. Mas, no meu emprego diurno, o trabalho era mais direto, assim como suas agonias e recompensas. Sinto muita falta dele. Ah, não me entendam mal: essa era uma transição de vida boa e necessária a fazer. Minha carreira como escritora explodiu da melhor forma e, afinal, eu amo ser escritora também. Mas é da minha natureza refletir em tempos de mudança e reconhecer tanto o que foi perdido como o que foi ganho. Essa mudança foi facilitada por uma campanha de Patreon (financiamento coletivo para artistas) que eu comecei em 2016. E, tocando em uma notícia triste... esse financiamento via Patreon também foi o que me permitiu me concentrar totalmente em minha mãe durante os últimos dias de sua vida, no final de 2016 e início de 2017. Eu não falo com frequência de coisas pessoais em público, mas talvez vocês consigam ver que a trilogia A terra partida é minha tentativa de lidar com a maternidade, entre outras coisas. Os últimos anos de minha mãe foram difíceis. Acho (tantos dos alicerces dos meus romances se tornam claros em retrospecto) que, de algum modo, eu suspeitava que a morte dela estava chegando; talvez eu estivesse tentando me preparar. Ainda assim, não estava pronta quando aconteceu... mas ninguém jamais está. Então sou grata a todos: à minha família, aos meus amigos, à minha agente, aos meus patrocinadores, ao pessoal da Orbit, inclusive a meu novo editor, a meus antigos colegas de trabalho, à equipe da casa de repouso, a todos, que me ajudaram a passar por isso. E foi por isso que trabalhei tanto para que O céu de pedra saísse no prazo, apesar das viagens e das hospitalizações e do estresse e de todas as mil indignidades burocráticas da vida após a morte de um dos pais. Eu definitivamente não estava no meu melhor momento enquanto trabalhava neste livro, mas posso dizer uma coisa: onde há dor no livro, é dor de verdade; onde há raiva, é raiva de verdade; onde há amor, é amor de verdade. Vocês vêm fazendo esta viagem comigo, e sempre terão a melhor parte do que eu tenho. É o que minha mãe ia querer.

 

 

 

 

DISCURSO DE N.K: JEMISIN CERIMÔNIA DE PREMIAÇÃO DO HUGO WORLD DE 2018

 

Eu comecei a cultivar toda uma superstição de que só ganho prêmios quando não apareço [na cerimônia]. [...] Este tem sido um ano difícil, não é? Alguns anos difíceis, um século difícil. Para alguns de nós, as coisas sempre foram difíceis e escrevi a trilogia A terra partida para falar dessa luta e do que é preciso para viver, quem dirá prosperar, em um mundo que parece determinado a quebrar você. Um mundo de pessoas que constantemente questionam sua competência, sua relevância, sua própria existência. Eu recebo muitas perguntas sobre de onde vêm os temas da trilogia A terra partida. Acho que é bem óbvio que tirei inspiração da história humana de opressão estrutural, assim como meus sentimentos sobre este momento na história americana. O que talvez seja menos óbvio é o quanto da história deriva dos meus sentimentos sobre ficção científica e fantasia. Por outro lado, ficção científica e fantasia são microcosmos do mundo mais amplo, de modo algum excluídos da mesquinharia e do preconceito do mundo. Mas outra coisa que eu tento abordar com a trilogia A terra partida é que a vida num mundo difícil não é nunca apenas uma luta. A vida é família, de sangue e encontrada; a vida são aqueles aliados que se provam dignos por ações e não apenas discursos; a vida significa celebrar cada vitória, não importa quão pequena. Então, enquanto estou aqui diante de vocês, sobestas luzes, eu quero que vocês se lembrem que 2018 é também um bom ano. Este é um ano em que recordes foram estabelecidos, um ano em que mesmo os privilegiados mais cegos entre nós foram forçados a reconhecer que o mundo está

quebrado e precisa de conserto, e isso é uma coisa boa, porque reconhecer o problema é o primeiro passo para consertá-lo. Eu olho para a ficção científica e fantasia como o ímpeto de ambições do zeitgeist. Nós, criadores, somos os engenheiros da possibilidade. E à medida que esse gênero finalmente, embora relutantemente, reconhece que os sonhos dos marginalizados importam e que todos nós temos um futuro, o mundo também fará isso. Em breve, espero. Muito em breve. E sim, haverá contraposiçõs. Eu sei que estou aqui neste palco aceitando este prêmio por basicamente o mesmo motivo que todos os vencedores de melhor romance anteriores: porque eu trabalhei para caramba. Eu verti minha dor no papel quando não podia pagar por terapia, eu estudei uma ampla gama de obras de literatura e me aprofundei nelas para aprender o que podia e refinar minha voz; escrevi um milhão de palavras de merda e provavelmente um milhão de palavras de meh. E, além disso, eu sorri e acenei enquanto editores de revistas bem-intencionados me aconselharam a moderar minhas alegorias e minha raiva. Não fiz isso. Eu cerrei os dentes enquanto um escritor profissional estabelecido me fez uma diatribe de 10 minutos, basicamente como uma representante de todas as pessoas negras, por mencionar a falta de representatividade nas ciências. Eu continuei escrevendo embora meu primeiro romance, The Killing Moon, tenha sido inicialmente rejeitado sob a suposição de que apenas pessoas negras iriam querer ler o trabalho de uma escritora negra. Eu ergui minha voz para rebater outros convidados em mesas que tentaram falar acima de mim sobre minha própria vida. Eu lutei contra mim mesma e a vozinha dentro de mim que constantemente, e ainda, sussurra que eu devia manter a cabeça abaixada e calar a boca e deixar os escritores de verdade falarem. Mas este é o ano em que eu posso sorrir para todos os contraditares; cada um deles, medíocres, inseguros, aspirantes, que abriram a boca para sugerir que eu não pertenço a este palco, que pessoas como eu não podem merecer tal honra, e que quando eles ganham é meritocracia, mas quando nós ganhamos é por política de minorias. Eu posso sorrir para essas pessoas e erguer um dedo enorme, brilhante, em forma de foguete na direção deles[1].Então, quantos de vocês viram Pantera Negra? Provavelmente, minha parte preferida é a canção tema de Kendrick Lamar, “All the Stars”. O refrão diz: “Esta pode será noite em que meus sonhos vão me dizer que as estrelas estão mais próximas”. Que 2018 seja o ano em que as estrelas ficaram mais próximas para todos nós. As estrelas são nossas. Obrigada. N.K. JEMISIN

 

 

[1] O troféu do prêmio Hugo tem o formato de um foguete

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Entrevista: Sérgia A.


E vamos a mais uma entrevista com uma escritora que gosto e que venho aqui compartilhar com vocês! A suavíssima e inspiradora Sérgia A, cujo lançamento do livro terminou sendo o último evento público do qual participei antes de entrarmos todos em quarentena: 


1. Sérgia A. você gostaria de se apresentar para as felizes leitoras, os felizes leitores que aqui aportarem?

R. Olá. Sou escritora... sou escritora... (digo isso como mantra porque foi um custo enorme me assumir como tal), mestra em Letras/Literatura, algumas palavras soltas por aí em Coletâneas e Antologias diversas, plataformas e revistas literárias, revistas acadêmicas  e dois livros em voo solo: Quatro Contos (editora Quimera, 2018)  e Adejo [poemas] (editora Venas Abiertas, 2019).

2. Cheguei a você por meio dos seus ensaios no blog da Revestrés e depois pelo seu último livro "Adejo", com lançamento imediatamente antes da quarentena, no Sebo Papiro. Fiquei encantada pelas imagens que você elabora com tanta sutileza, um adejo das asas de um passarinho. Você prefere a poesia mais sutil, que aquela que esbraveja? Ou vê caminhos em ambas?

R. Obrigada pela leitura. Penso que a arte exige sensibilidade para perceber detalhes em acontecimentos cotidianos e sutileza para reproduzir, mais insinuando do que dizendo, deixando espaço para o percurso do leitor. Ainda assim, a poesia que esbraveja tem o seu momento e, talvez, seu valor esteja exatamente na capacidade de perceber o momento.
O Adejo, pelo formato, exigiu a seleção de poemas curtos que evidenciam o que você percebeu como sutileza.

3. Você acredita que a formação acadêmica mais ajuda ou atrapalha a poesia? Ela não criaria um excesso de regras que podem prejudicar o ato criativo? Falo isso porque no meu caso eu sinto que preciso desmontar várias autoridades internalizadas para testar algumas coisas na escrita que combinam mais com o que gosto de criar- e eu nem sou das Letras, rs. Como acontece seu ato criativo?

R. É interessante isso. Muitas pessoas consideram que a academia engessa. Muitos chegam a dizer: quer escrever? não estude Letras. Para mim foi uma necessidade de autoafirmação. Precisei estudar autores e teorias, trilhar um caminho acadêmico que me oferecesse uma âncora. Como se eu precisasse de validação. Essa âncora fica lá no fundo mesmo, não emerge para intervir na criação. Mas essa é a minha história pessoal, que é carregada de nãos.  
Quanto ao ato criativo, eu não tenho um método. É meio caótico. Sempre se inicia por algo ou situação inesperada que me prende a atenção e faz surgir uma ideia. É um espanto mesmo diante do mundo. Dessa pequena semente, às vezes apenas palavras soltas ou pequenas anotações, nasce um poema, um conto, um texto trabalhado por horas, por dias ou por meses se o tema exigir uma pesquisa, por exemplo.

4. Existem versos em alguns dos seus poemas que se percebe algum engajamento em questões sociais graves do mundo (Assim Falou Caetano: II. Sobre a vida secreta das flores). Não parece ser seu tema recorrente, mas me parece bem evidente que isso não te passa batido como poeta. Como você encara escritores que fazem do seu trabalho uma negação completa dos conflitos do tempo que vivem?

R. Acho que cada um tem o seu caminho, e eu não devo julgar escolhas individuais. Quanto a mim, considero que não escapamos do fato de sermos seres sociais por natureza. Aprendemos a viver em grupo, tribo, sociedade. Tudo que nos cerca nos afeta. Tudo é política. Até a escolha de parecer apolítico. Minha escrita nasce da observação, portanto do tempo e do espaço ao meu redor.

5. Por fim, você pode dizer quais autoras e autores anda gostando de ler ultimamente ou cantoras e cantores que tem ouvido? E o que tem tocado a alma da poeta?

R. Gosto de diversificar as minhas leituras. Para citar alguns contemporâneos que me tocaram ultimamente: a indiana Arundhati Roy (O Ministério da felicidade absoluta), o americano Michael Cunningham (As horas, Uma casa no fim do mundo), o brasileiro Caio Fernando Abreu (contos completos), a canadense Alice Munro (contos)  a nigeriana Chimmanda Adichie (Americanah, Metade de um sol amarelo), a brasileira Maria Valéria Rezende (Outros Cantos, Vasto Mundo),  o angolano/português Valter Hugo Mãe (A Desumanização, Homens imprudentemente poéticos), poetas como Maya Angelou, Adélia Prado, Jussara Salazar, Tito Leite, Adriano Lobão, Nayara Fernandes e Manoel de Barros (sempre).
Quando cito, fico mal. Achando que cometi uma enorme injustiça... por isso a lista fica sem fim.
E ainda tem os clássicos, a quem volto sempre: Tolstoi, Gabriel Garcia Márquez,  Clarice Lispector, Cecília Meireles, Carlos Drummond, E.E. Cummings, Shakespeare, Faulkner, Fernando Pessoa, Florbela Espanca.
Gosto também de autores de outras áreas, como Ailton Krenak, Yuval Noah Harari, Marcelo Gleiser, Antônio Damásio.

Sobre música, gosto de blues e, como muitos da minha geração, escutei muito pop/rock. Mas a minha alma é mais tocada  por vozes marcantes como a da canadense Loreena Mckennitt, e pela música instrumental do cubano Rubén González e do jovem brasileiro Amaro Freitas (que fez clips belíssimos de um encontro com Milton Nascimento e Criolo)

Obrigada pela oportunidade de conversar com você! É sempre um prazer falar de literatura.


O prazer é todo meu, Sérgia A! Que venham novos adejos pela frente! 🐤🌈

Sérgia na varanda do apartamento com um sorriso


Assim Falou Caetano

II – Sobre a vida secreta das flores

elas seguem assim poderosas
sob o sol de quase setembro
ainda que nos portais
a luz se reparta em crimes
atentados terroristas
ameaça de guerras
ou charlottesvilles
há monalysas bonitas
alegria… alegria…





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