Mais conhecida pelo sucesso do livro e da série "O conto da aia" (Handmaid's Tale), Margareth Atwood elaborou essa pequena obra de arte: "A Odisséia de Penélope: o mito de Penélope e Odisseu". Se você, como eu, já estava cansada dos mitos gregos serem apresentados sempre pelo viés do herói, a imaginação de Atwood nos empresta a possibilidade de refletir a respeito da condição de Penélope, a esposa deixada solitária em Ítaca por anos, esperando seu esposo retornar de suas aventuras em alto mar.
Tendo que cuidar do reino e da família em um mundo já ostensivamente patriarcal, destaca-se a relação de Penélope com sua prima Helena, bem como e, principalmente, com suas escravas. Particularmente, o coro com as vozes das escravas e as cenas finais da história são de uma potência que reinaugura a interpretação de que a Odisseia representaria o marco ocidental do fim do que restava do matriarcado.
Melancólico demais, bonito demais o coral das mulheres esquecidas- e somos muitas ao longo da história.
Semana passada fiz uma das melhores coisas desses meses de crise depressiva: participei da "Oficina de Narrativas Breves", do escritor, promovedor cultural (agitado cultural, segundo ele), criador da Balada Literária: Marcelino Freire.
Numa sala com algumas participantes pela manhã e muitas pela tarde (sim, a maioria mulheres), durante uma terça e uma quarta, Marcelino contou suas histórias com Millôr Fernandes, Manoel de Barros, Raduan Nassar, deixando esta aqui que vos escreve en-can-ta-da. Depois nos propôs uma série de exercícios criativos, individuais e em dupla, para que soltássemos a imaginação e a escrita. Num dos jogos, inclusive, terminei ganhando um livro com o selo que Marcelino promove: Edith (adouro). É uma obra de contos, chamada: "Sem vista para o mar", de Carol Rodrigues, nascida no ano de 1985, por acaso, meu ano de nascimento. Sentir nisso uma deliciosa coincidência.
Durante a oficina, o pernambucaníssimo Marcelino, mesmo tendo saído da sua terra aos 3 anos de idade para viver em São Paulo, falou bastante de sua Sertânia. Defende que o escritor e a escritora precisam falar do seu próprio lugar, não importa sobre o que fosse falar. O lugar dele é a Sertânia que grudou no corpo dele, ainda criança e nos muitos retornos ao lar.
Disso e de outras coisas que ele disse, eu estendo que a escrita precisa ter alma e não só ser um amontoado de palavras gramaticalmente bem organizadas e rimadas. E alma musicada, heim! A música, eu acho que ela vem do nosso caminhar nas ruas, do sol da nossa cidade; tá na comida, nos cheiros da comida, das pessoas, dos lugares. A alma musicada parte da gente em relação com o mundo, que é única, o poeta, o escritor, é resultado de se querer apresentar essa relação única. Mesmo que se vá falar de outros lugares nunca pisados, de fantasias aparentemente distantes do nosso cotidiano, a alma musicada está sempre engajada com as vivências. É isso que contamina a palavra.
"Contamina" é uma palavra que eu aprecio. Marcelino começou seus dois dias de provocação lúdica, fazendo uso de uma expressão bem melhor: o poeta inaugura o olhar. Eu gostei disso: o poeta inaugura o olhar.
Uma pessoa que tem Manoel de Barros como inspiração, só pode construir esse tipo de coisa bonita, né?
Obrigada pela troca, Marcelino! Qualquer dia apareço na sua Balada Literária. ;)
Aqui o Marcelino proseando com a turma, no SESC-PI. (A Lara no primeiro plano)
E aqui o sarau na livraria Anchieta, pelo lançamento da Revestrés número 26. Marcelino Freire era um dos homenageados. Aproveitei e comprei o livro dele "Contos Negreiros", que foi prontamente autografado- já devidamente lido e, agora, recomendado.
Ps. Depois posto alguma coisa que comecei a produzir na oficina. =]
Quando fui à exposição da Frida Kahlo em Brasília, alguns meses atrás, tive a oportunidade de conhecer os trabalho de outras artistas mexicanas, algumas contemporâneas da pintora. Além de quadros, haviam uma ou duas instalações e também fotografias e fotomontagens. Fiquei de ir atrás de conhecer melhor o trabalhos delas e a oportunidade surgiu hoje, quando meus sobrinhos encontraram o folder da exposição, por acaso (ou não), enquanto derrubavam meus livros. rs
Hoje apresento a Lola Álvarez Bravo, que era próxima de Frida e de Diego Rivera, tendo fotos dos dois em seu imenso acervo (para a época), inclusive foto da pintora em seu leito de morte.
Em geral as fotos variam entre uma sensibilidade social, algo de surrealismo, mas um surrealismo imediatamente vinculado aos temas do mundo cotidiano. Surgem desde as pessoas mais simples, como os maravilhosos nus, todas em P&B. As fotomontagens, como esse trabalho que tá aí em cima do meu texto, foram uma das coisas mais especiais que encontrei nela.
Estamos comemorando 60 anos do "Grande Sertão: Veredas". Guimarães Rosa conseguiu coser caminhos no invisível dos rincões do sertão; do mato, das veredas, dos pássaros, dos outros bichos e do bicho homem; desvirou as palavras conhecidas, as esquecidas e as inventadas para encher de sentimento e beleza a dureza dos sertões do país. Uma sapiência brutadelicada de se beber em delírio de tanta lindeza.
Aí embaixo o link da reportagem da EBC sobre a comemoração na cidade de Três Marias, nas Minas Gerais. Ainda vou lá e volto vestida de bordado rosiano das bordadeiras de André Quicé, que também aprenderam a coser o visível invisível do Sertão.
E, também,segue um trecho do final da obra, lido por Maria Bethânia.
O filme que me abraçou num período difícil e que me foi mostrado por um amigo, anos atrás, tem uma trilha sonora que é tão fundamental ao bom andamento da estória, quanto a presença das atrizes e dos atores. E é Yann Tiersen, responsável por essas belezuras de melodia. Olha o que a Wikipedia traz sobre o músico:
"Yann Pierre Tiersen la pierre (sic) (Brest, 23 de junho de 1970) é um músico de vanguarda, multiinstrumentista e compositor francês de origem judaica com raízes belgas e norueguesas. Compondo para piano, sanfona e violino, sua música aproxima-se de Erik Satie e do minimalismo de Steve Reich, Philip Glass e Michael Nyman. Tornou-se internacionalmente conhecido ao compor trilhas sonoras de filmes como O fabuloso destino de Amélie Poulain e Good Bye, Lenin!.
Passou sua infância em Rennes, também na Bretanha, onde estudou violino, piano e regência orquestral. De formação clássica, encaminhou-se para o rock já na idade adulta. Nos anos 1980,
junta-se a vários grupos de rock em Rennes. Em seguida, começa a
escrever trilhas sonoras para peças teatrais e filmes como "A vida
sonhada dos anjos Giovanni" (1998), de Erick Zonca, "Alice e Martin" (1998), de André Téchiné e "O que a Lua Revela" (1999), de Christine Carrière."
Aqui a página oficial dele http://yanntiersen.com/. Lá tem um monte de informação sobre o trabalho do músico.
E na noite de hoje ele traz o fundo musical aqui em casa. ;)
Lá pelos idos dos meus 20 e poucos anos eu passei um tempo me refugiando em alguns blogs e fóruns. Alguns bem revolucionários, como o blog da Assessoria Jurídica Popular, outros mais aleatórios que revelam meu gosto por anime como o Armazém Clamp, ou de coisinhas de "menina" que a criança e a adolescente de mim jamais admitiria gostar, como o lindinho blog Jane Austen em Português, e o blog/site com mostruário de artesanato em geral da Elo7. E o mais grave, blogs de moda bem elaborados, como o da Rita Prado.
Na verdade eu recomendo todos. Por isso a postagem. Inclusive já dá para achar boa parte dessas indicações no facebook, instagram e tals.
Na próxima trago mais algumas das minhas páginas queridas, mais do presente ou do passado recente.
Ela agora está morta e eu não sei se estava mesmo apaixonado por ela
naquele tempo. Talvez estivesse. Era uma paixão que não derrubava as
outras, que se acrescentava às outras. Não tomava o lugar de nenhuma
outra.
Talvez estivesse mesmo apaixonado por ela e acho que ela
correspondia com uma paixão igual à minha. Pelo menos houve um dia que
ficou valendo como uma revelação.
Um dia que nunca se transformou
numa data, que se perdeu num mês qualquer, num ano cada vez mais remoto e
impreciso. Um dia nítido e, no entanto, insituável num tempo que se
perdeu completamente.
Penso nela de repente durante a ginástica com
que procuro combater essa paralisia que me agita o dedo da mão esquerda.
Não interrompo os exercícios, o pensamento passa. O pensamento é mesmo
uma cousa à toa.
Outras vezes suspendo a leitura do jornal para esfregar os olhos cansados e a lembrança dela fica comigo um momento.
Era um dia inútil, um domingo de tarde em que tínhamos pensado em ir ao
cinema. Mas a tarde de cartão-postal se enchia de doçura. Paramos na
beira da lagoa. Ficamos olhando os pedalinhos, que não tínhamos coragem
de enfrentar.
Sonhamos o vôo das gaivotas, o silêncio das águas
paradas. Aceitamos a paz das paisagens preparadas. Num momento aceitamos
o sol, o vento, o fogo, os poderes da vida. Vimos na tarde os peixes
saltadores e a morte da luz nas suas escamas. Mas logo desapareciam de
novo nas águas da lagoa.
Tive uma grande vitória com ela. Vitória
moral, bem entendido. O sexo entre nós seria tão natural que não
procuramos antecipá-lo. Mas acho que ela romantizava um pouco, era um
pouco ingênua sobre isto. Ficou muito espantada uma noite quando viu,
saindo do escuro da praia, um casal que tinha acabado de completar as
suas carências. Muito espantada porque o casal se separava sem uma
palavra, sem uma carícia, indiferente na sua satisfação.
Há umas duas semanas alguém me telefonou para dizer que ela morreu. Pediu-me que avisasse aos outros amigos daquele tempo.
Não avisei a ninguém, me desagradava comunicar isto aos outros. Faço
isto como se assim a protegesse contra a distância e a morte.
Acho que
agora ela está mais perto de mim do que antes. Não preciso de
fotografias, não preciso tentar despertar o passado. Não ouço os discos,
não leio os livros que ela me deu. Como se isto ajudasse a não gastar a
sua lembrança, a conservá-la intacta.
Dos poços da memória me volta
às vezes a voz de Ella Fitzgerald cantando Cole Porter: so in love with
you, my love, am I. Acho que estava mesmo apaixonado por ela. Nem eu
nem ela sabíamos ao certo o que devíamos fazer. Preparamos sem pressa o
silêncio entre nós. Perdoamos a nós mesmo pelo que não dissemos, nos
enterramos pelo que não nasceu. A vida segue o seu curso separado.
Tudo separado. O nascer, o morrer, as dores do fogo da vida.
Foi só isto cara. E talvez tudo seja só isto: um brilho rápido e depois de novo o silêncio das águas paradas.