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quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Hoje você tocou na minha pele- Dani Marques

O texto hoje é de uma amiga. Convido-lhe a dar play e ouvir esse sensível monólogo, que trata sobre família, sentimentos, expectativas e outras coisas que você vai encontrar(-se):



 A Dany já apareceu AQUI no blog. 

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

O cometa da mamãe

Mapa Político do Maranhão

Eu fiquei tão feliz em ter descoberto o nome do cometa que a família tinha visto muitas décadas atrás no interior do Maranhão!

Vou contar a história.

Mamãe sempre falava que acordavam ela de noite para ver, depois notaram que pela manhã continuava a passar. Diziam que era o Cometa Halley, o que, depois que cresci, sempre me deixava confusa, porque esse era um cometa com data certa pra passar e não batia com os anos da década de 1960 quando teria provavelmente ocorrido o evento que mamãe descrevia- pela idade dela. 

O Cometa Halley havia passado em 1910, pode ser que alguém que estava vivo na época tenha achado que era o mesmo ou alguém que conviveu com quem havia visto o cometa mais famoso. É preciso lembrar que nem mesmo as capitais do país tinham um registro muito elaborado desses fenômenos na década de 1960. A coisa vinha de memoria, vivência e oralidade.

Da parte da minha família, esse momento ficou conhecido como os dias que vimos "o cometa Halley". Tentando entender a confusão de nome, sem desmerecer a memória transmitida, eu fiz a contagem de anos e umas pesquisas simples no google e achei o melhor candidato à substituir o nome do falso Cometa Halley. 

Um cometa muito brilhante que passou no ano de 1965 e foi visto no Brasil. Encontrei os arquivos de jornal da ilha de Florianópolis. Porque lembrando mais uma vez: era 1965, num Brasil que vivia seu primeiro ano de uma ditadura militar, então se antes as informações eram escassas por questões tecnológicas, some-se a isso a escassez provocada por questão de censura ou, no mínimo, de falta de incentivo à ciência- não ufanista. Pra nossa sorte, existe a memória popular a respeito desse fenômeno. Então, de certa forma, eu me senti redescobrindo esse cometa pra história da minha família, o que pra mim foi muito bom. 

Fiz o relato da minha "descoberta" para a pessoa que me relatou o fenômeno em primeira mão, minha mãe, explicando um pouco mais do que havia descoberto e porque aquele era um cometa Halley genérico. Compartilhei com ela o provável nome daquele visitante celeste, Ikeya-Seki e ela pareceu gostar de relembrar daqueles dias de alvoroço da sua infância e de saber que provavelmente aquele cometa tenha sido o mais luminoso do século XX!

o cometa caindo da direita superior para a esquerda inferior, em tom esverdeado



E não deixa de ser curioso o fato do material que eu encontrei a respeito desse cometa familiar, fosse ser seu justamente em relatos da cidade de Florianópolis, que foi uma outra cidade que morei- quando precisei continuar meus estudos. 

E você? Tem alguma memória de família que ajuda na memória coletiva? Talvez todas forneçam isso em algum grau, dependendo do que se procura. É mais um exercício de compreensão de si e do entorno, ao longo do tempo.


Informações extras: 

- O cometa Ikeya- Seki ou Cometa Jap-65 (21 de outubro de 1965); 
- Foi avistado primeiro no Japão, por isso o nome;
- Pode ser visto até o dia 10 de novembro do mesmo ano;
- Era do tipo que se dirige ao sol. Nome formal: C/1965 S1, 1965 VIII, e 1965f;
Era visível na luz do dia;

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Pecado Original

Sete seriguelas: cinco verdes, uma de vez e uma última madura



Se Gênesis tivesse sido escrito pela minha mãe, o fruto proibido jamais seria uma maçã ou similar. Que mal pode haver em uma fruta comestível? Pera, uva, bacuri, goiaba, guabiraba e até pequi, nenhuma delas haveria de ser o fruto proibido. Eu, habitante do jardim, com meus irmãos, jamais reclamaríamos de não podermos comer quaisquer daquelas frutas. O que nos custaria a imortalidade e a eterna distância do amor divino seria, isso sim, o acompanhamento da eventual fruta: o sal e a pimenta. Sim, amigos... aquela manga verde temperada, aquela seriguela com sal e pimenta, ou só com sal, isso sim provocaria a fúria da manda-chuva do jardim. O medo imposto em mim de comer a mistura proibida, até uma certa idade, era o equivalente ao temor de ter que sofrer as consequências de uma mordida no fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Dá o que pensar esse medo de que adquiríssemos uma gastrite numa época tão dura, nos idos anos 1990. Então, na minha cabeça infantil, manga com sal e pimenta senão era o maior, era um dos maiores pecados no nosso jardim do éden.

Daí que hoje, estando em casa de mamãe, peguei uma seriguela que estava ali no saco para amadurecer. Aproveitei que estava sozinha e decidi pegar a pimenta-do-reino e o sal para saborear a fruta. “Ora, já comi manga temperada em salada de self-service dezenas de vezes!”. Preparei o pires, misturei com o dedo indicador o branco e o preto; mergulhei a seriguela mordida lá. Comi a frutinha toda. Uma delícia. A sensação engraçada de burlar uma regra doméstica não tinha mais peso, já tenho mais de trinta anos, mas a agitação que se deu em mim para realizar um feito tão simples, em vez disso, provocou uma saudade do desemparo da infância, em que as regras mais inusitadas se fazem necessário, uma sensação de arrependimento de não ter sido uma criança desobediente, um imenso carinho pelo cuidado da minha mãe e uma alegriazinha de desafiar, novamente, meu paladar adulto acostumado. E um certo alívio de não ter havido nenhuma expulsão com direito a anjo com espada de fogo[1]. Logo, convido quem está lendo esse texto, ao pecado original com sua fruta favorita: sabor, ardor, amor.[2]






[1] Certamente as imagens de “Belas maldições”, série da Amazon baseada em homônimo do Neil Gaiman, estão em mente, avivando a metáfora bíblica.
[2] Referência ao musical “Ardor, Amor”, que esteve em cartaz em Teresina, no mês de Maio de 2019.

terça-feira, 4 de junho de 2019

Inventário de bichos da casa


Criança de 3 anos
Dois jovens velhinhos
Três velhos adolescentes
Um bichando caolho
Dois cachorros gordos
Trinta baratas mortas numa pá
Dois grilos invisíveis
50 muriçocas
Um par de lagartixas pastoreiras
Quinze embuás descascados
Cinco carambolos
Uma família de joaninhas vermelhas sem pintinhas
Talvez duas famílias
Uma abelha perdida.



sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Flores do meu subúrbio



- Pai, por que não ensinam pra gente o nome das flores na escola? Eu ando por aí e me sinto uma ignorante na primavera. 

Macêdo coçou a cabeça. Sua filha de treze anos sempre vinha com essas perguntas fora de contexto. No momento, estavam indo buscar a mãe com as compras pesadas, lá na estação do metrô.

-Não sei, filha. Talvez porque achem que isso não é útil. Não serve para o sustento.

Um suspiro:

- Tem muita coisa inútil naquelas aulas e ainda assim preciso fazer prova sobre elas. Por que não incluir aí as flores?

Macêdo já estava sem muita paciência naquela manhã de sábado. Acordara atrasado e sabia que não seria bem recebido pela esposa, que madrugou para conseguir as coisas boas da feira a um preço justo. Decidiu apenas concordar com a filha com um sorriso cansado, enquanto tentava apressar o passo.

- Aquela ali saindo da mureta chama gardélia.- insistiu a mocinha, querendo mostrar que, a despeito das regras que comandam a escola, havia aprendido por si só, como amostra de uma nascente rebeldia quanto a uma utilidade fria do conhecimento.

Por um momento, seu Macêdo escapou de suas preocupações conjugais e fixou o olhar na flor branca, logo ali adiante:

- É Gardênia que fala, querida.- corrigiu com uma vinda de um outro país, quicá de um outro mundo.

-A filha, levemente constrangida, repetiu:

- Gardênia... Mas do cartão que caiu da sua carteira, outro dia, estava escrito Gardélia e tinha o desenho dessa flor.

Macêdo olhou para a filha, sua recordação mais vívida de seu outro rebento, deixado no outro mundo e que soubera, recentemente, que partira para mais além...

- É que seu pai nunca escreveu muito bem. Sempre confundo os nomes das coisas como flores, das pessoas...- Disse, sem olhar a filha, enquanto colhia a florzinha fugida do muro de um jardim semi-abandonado. Colocou no cabelo de Yasmim.

Quando encontraram a mãe, já estavam com trinta minutos de atraso, mas a cara dela dizia que era bem mais.



N.B. Sousa

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