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sexta-feira, 20 de junho de 2025

Exames Aleatórios de Imagem - Laís Romero

 

Exames Aleatórios de Imagem (2024), Laís Romero, Coleção Diabo na Aula, Ed. Mórula

Com mais um livro da Laís em mãos, fui sossegada de que encontraria algo bom naquelas páginas. Páginas aliás muito bem editadas, com um papel de qualidade, nome ousado na coleção (diabo na aula), páginas de cores alternadas em cinza e um amarelado. A capa, não sei se será um padrão da série, ou coincidência, lembra, de fato, as propagandas geométricas dos anos 2000, dos laboratórios de imagens da cidade. 

O título já nos avisa que encontraremos algumas imagens anatômicas e aí eu devo dizer que fui corajosa, posto que anatomia foi a primeira disciplina do curso de biologia, priscas eras atrás, que me recusei a cursar (a escusa de consciência como dilema ético não era levado em questão na prática, como pode ser levada hoje). Daí foi a porta de entrada para abandonar o curso. Eu havia tido alguma experiência com as feiras de ciência e de anatomia da escola e levei a serio minha reação. Mas que bom que um grande número de pessoas não vê problema nenhum nisso, seja para exercer as áreas de saúde, pesquisa e também a escrita literária, que no caso da autora, é tudo isso ao mesmo tempo.

folha interna com trecho do poema

Mas do jeito que escrevo, fica parecendo que tenho um livro gore em mãos. Ainda que a tragédia da vida e da morte estejam lá, a ironia, o humor e o simbólico, permitem que tenhamos acesso aos corpos, inteiros ou despedaçados, dos temas que Laís nos chama à atenção. O rio, a guerra, a criação, o feminicídio, a notícia, o sonho, a história, a maternidade, o amor e o tarô- e outros mais que surgem do desdobramento destes. O poema que dá nome ao livro, é um itinerário pela memória de alguém que não é ouvida.

O tema da guerra é um dos novos inspiradores da escrita da Laís, pelo menos desde que venho acompanhando seu trabalho, há mais de 10 anos. A violência sempre apareceu aqui e ali, como não é surpreendente quando a escritora é um ser humano mulher (dentre outros marcadores, estudei isso muito tempo, peço desculpas pela recorrência), sensível à certa categoria de sofrimento justamente por sê-la, ainda que caiba a cada uma porção dessas intercessões únicas,  mas... a dimensão da guerra, que é trazida até nós pela internet e pelo noticiário da tv e que contamina as mais variadas formas de arte, mesmo a feita em uma terra que insiste em permanecer longínqua, como a nossa, sobre uma terra que tornaram longínqua, como a Palestina. No nosso caso pelo menos há dúvida a respeito de uma possível escolha.

Se a Susan Sontag vem puxando o fio do novelo das possibilidades éticas de estarmos expostos a essas imagens terríveis de sofrimento distante, a arte surge como uma linguagem (lato sensu), com vocabulários próprios de aproximação ou distanciamento desse horror. E mesmo o Piauí, sempre tão distante da atenção do próprio país e até de si mesmo (estou fazendo aqui uma espécie de apelo), é capaz de abrigar escritoras sensíveis ao genocídio, ao ponto de escrever coisas de uma terrível beleza, como os poemas abaixo, num momento em que grande parte do jornalismo responsável pela divulgação daquelas mesmas imagens, é incapaz de emitir as palavras exigidas para descrevê-las: massacre, genocídio, assassinato de crianças. Se não o fazem por questões ideológicas, religiosas ou de patrocínio, também é algo muito sério. Mas no nosso caso, talvez a nossa complexa distância, herdada da colonização, permita, em uma consequência não desejada, uma liberdade de expressão que precisaria ser mais aproveitada*. Eis os poemas:

poesia de guerra

sem virar o rosto
à fúria do vazio
criado pelo explosivo
ali se calam os gritos 
tantos grudados à margem
do tecido burocrático
aquele lugar errante
onde os nomes
não fazem falta

a poeta palestina

o tempo todo a vida
está só começando
ainda no choro
de abertura pulmonar
alvéolos e brônquios 
árvores e troncos 
só começando
em cada instante

apartar e refazer
descosturar o verso
e remendar o rasgo

um último poema
antes do crime
de guerra

O assunto não é novo entre nós aqui, então seria im-pos-sí-vel que eu não me exaltasse (sim, aqui estou agitada). O pequeno livro de 90 páginas traz outros tesouros, como a jornada de um corpo que você vai acompanhando entre outros poemas que se intercalam com ele e, dentre os poemas dos arcanos do tarô, temos o belo "a temperança" em 4 versos e ainda os estranhos personagens que se arrastam pelo fundo do mar desde o início do livro, que vão ressurgindo. E para quem é do simbólico, há uma conversa a partir do tarô de Marselha que espelha vários dos temas que já apareceram e outros interesses da alma.

Termino esse pequeno texto comentando que já li três vezes o "Exames Aleatórios de Imagem" e ainda digo que, apesar de ser uma pessoa da releitura, não é sempre que um livro me entretém, como ele está fazendo. Como se eu estivesse conferindo o estado atual do imaginário de uma amiga e conversando com ele.

mais um trecho, poema "liquidado"


O que saiu sobre a obra e que pode te interessar!

Geleia Total (2025), "Exames Aleatórios de Imagem" citado entre os lançamentos da Laís. 

Entrevista recente na Revestrés.

Notícia do lançamento do livro no site da Revista Acrobata.

Site Pauta Cultural relaciona os últimos lançamentos da autora (2024/2025).

Fotos do bate-papo na Livraria Entrelivros, site literatura piauiense.

Nossa última postagem com ela foi sobre seu outro livro de poesias "Mátria".

*Eu deixei de fora a coerção social local sobre tantos assuntos políticos nas esferas públicas.

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Humor Myiazakiano


Não sei quem mais faz barulho: a máquina revirando o concreto lá fora ou o cio dos pardais escandalosos no meu quintal.

 

O cio é força mais potente que máquinas humanas, mesmo que vindo das menores criaturas!


É o grito de guerra da vida! Ou grito de vida da vida!

 

Afasto-me de ambos: um porque me irrita, o outro, porque me constrange o coito alheio. Não tenho talento para voyer. Pode chamar-me de velha, só peço que seja gentil ao evitar mencioná-lo na minha frente.


Baseado em "Castelo no céu"- arte de Celine Kim


sexta-feira, 27 de outubro de 2023

A dor da separação - Yuan Zhen

Poema

É um poema de um mestre chinês, que viveu durante a dinastia Tang. É um dos muitos que escreveu para a esposa morta. Também é mencionado na literatura contemporânea em Tian Gian Ci Fu (livro 3), em uma situação adequada, que é reforçada pelo contexto original do texto antigo.

trecho da abertura de heaven official's blessing



A dor da separação

Depois de ver o vasto mar, nenhum veio d'água pode se comparar
Dispersas, perto do topo do Monte Wu, não há iguais nuvens
Muitas vezes passei pelas flores e não lhes poupei um olhar
Pois metade do meu destino está no cultivo e, a outra metade, em você.


_________________________________________________________________________________________

Versão em inglês (de onde veio a tradução)

 After seeing the vast sea, no water can compare;

Scattered from the peak of Mount Wu, there are no other clouds;

Many times I've passed through the flowers, yet I spare them no glance;

For half my fate is in cultivation, and the other half in you.


*Original (eu conferi nas páginas de nativos):

离思 - 元稹
曾经沧海难为水,除却巫山不是云。 取次花丛懒回顾,半缘修道半缘君。


Aqui tem um blog comentando o trabalho de tradução dos poemas chineses para o português e nele tem algumas dicas. É claro que nele aprendemos com profissionais, o que não é o meu caso, que consigo brincar com o inglês, mas até a presente data, não com o mandarim.

=>  https://www.germinaliteratura.com.br/2011/literatura_mar11_ricardoportugal.htm

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Mátria - Laís Romero

🐳 Cachalotes - a foto sobre o belo poema

Por muito tempo, eu desejei ter um livro de uma das escritoras que me inspirou a ser poeta. Apesar de aparecer em publicações diversas, Laís Romero decidiu trabalhar com muito cuidado e durante muitos anos, o seu primeiro livro de poesias, pouco tempo depois do lançamento do seu primeiro conto. O que escrevo aqui são as impressões que eu tive ao ler o livro pela primeira vez e também as que tive ao conviver com Laís ao longo dos anos- ela pode me culpar de qualquer leitura controversa dos fatos e da vida, hehe! 🌻

Acredito que apesar da grande agência que uma mulher como minha amiga pode ter, o atraso, com algumas aspas, daquilo ao que tanto dedicou a alma, diz muito de uma estrutura capenga e rota, que é tão difícil atravessar e, sempre que acontece, saímos sempre muito adoecidas e pior, sem esperança. Mas como disseram Victoria Santa Cruz e Maya Angelou, não retrocedemos e nos levantamos sempre que conseguimos acessar nossa rede de cuidados. 💪

Então, eu acredito que esse livro, como um livro escrito daqui do Piauí, por uma mulher negra, parda, de origem indígena- resultado de violência e apagamento das nossas ancestralidades, sobram-nos os fenótipos e o resto de memória oral, mas a terra conta sua história e ela existia antes de nós, com os nossos-, eu acredito que esse livro e os demais que vem saindo dessa mente sensível e criativa, fazem um grande movimento geral, dentro de mais um grau de liberação das mulheres, tão heterogêneas. 👩‍👩‍👧

Mas se eu fosse escolher um poema para ilustrar Laís, seria justamente Mátria, onde acompanhamos abrigo e percurso, onde nele ela insiste na coragem. Mesmo maquiando olheiras. Além dele, escolhi alguns dos meus favoritos, contudo, a verdade é que cada um deles mereceria uma postagem própria. Por enquanto, são esses: 📚

Alguns dos meus poemas favoritos de Mátria:



Percurso do silêncio


O nervo nu lambido

nervo nu tocado

vibrato

corda do acaso


o nervo nu imposto

nervo da margem

nervo açoite

nervo automático


mais dia 

menos dia

o nervo nu combate

...................................................

Credo


Eu acredito na poesia


Coisas incontornáveis e inúteis

Creio na palavra

Nos tambores versos guiados

Espelhos da realidade


Flecha

do gesto ancestral

............................................................


Antes de ser mulher,

meu amor,

nada era meu


............................................................

Debaixo dos meus pés

as mortas falam

amenidades e comentam

tantos prejuízos


Confundem meus segredos

com as belezas do passado

trançam iniciais da família

nas raízes das árvores


Uma madrugada suada

me abordam nos sonhos

acariciam meus cabelos

e me acordam mais um dia.


......................................................

Esta poesia tacanha se arrisca:

vai sozinha às ruas

metafísica de garagem

feito irresponsável de mulher


Uma poesia tímida e vadia

que se arrisca


Há fogo e valsa nestas linhas



- Convido a todes, todas e todos a ler essa belezura! 😊

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Nós já trouxemos antes a Laís Romero aqui: 📑

https://diariocriativopassarim.blogspot.com/2018/01/lais-romero.html

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Onde encontrar a produção efervescente da Laís Romero? ❤️‍🔥


🔴 MÁTRIA: https://www.lojadaclara.com.br/produto/matria-lais-romero.html

▪️ Amora https://www.amoralivros.com.br/post/novas-autoras-contos-ineditos

▪️ O instagram da diva: https://www.instagram.com/l4isromero/

▪️ Blog http://humanahumana.blogspot.com/

▪️ Poemas https://www.yumpu.com/pt/document/view/13051477/6-poemas-de-lais-romero-desenredos

▪️ Mais poemas https://revistaacrobata.com.br/demetrios/poesia/2-poemas-de-lais-romero/

▪️ Memória: https://poesiatarjapreta.blogspot.com/search/label/La%C3%ADs%20Romero


segunda-feira, 19 de junho de 2023

Laura Gilpin: poesia

Como alguém que gosta de poesia, a emoção que ela traz, é sempre algo que me captura primeiro. A ironia dessa constatação, é ter entendido que isso é a coisa mais difícil do mundo: encontrar uma poesia que caiba exatamente na minha capacidade de me comover e empatizar com os versos. Além disso, eu nunca tive pressa para buscar essas pequenas preciosidades. Mas, ontem, no lugar menos propício, eu ganhei esse presente: (seguem 3 versões: em inglês, português e em quadrinho)


O bezerro de duas cabeças 

Amanhã, quando os rapazes da fazenda encontrarem essa aberração da natureza,
Eles vão enrolar seu corpo em um jornal e carregá-la para um museu.
Mas hoje à noite ela está viva e com sua mãe, no norte do pasto.

É uma perfeita noite de verão: a lua nascendo sobre o pomar,
o vento sobre a grama,
e como ela admira o céu
existem duas vezes mais estrelas que o normal.

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Two-Headed Calf
Laura Gilpin

Tomorrow when the farm boys find this
freak of nature, they will wrap his body
in newspaper and carry him to the museum.

But tonight he is alive and in the north
field with his mother. It is a perfect
summer evening: the moon rising over
the orchard, the wind in the grass. And
as he stares into the sky, there are
twice as many stars as usual.

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Essa imagem ilustra o poema acima. Há um bezerrinho deitado no campo e sua mãe próxima. A lua no céu e estrelas nos olhos negros do filhote.
Poema de Laura Gilpin e Desenho de @adamtotscomix

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Ps. Talvez eu tenha chorado lendo esse poema. Pensei muitas coisas e tive que falar dela para algumas pessoas da minha família que tem alguma paciência com essas minhas coisas, rs. Eu a encontrei em um meme artístico do twitter, ontem. 

Eu fiz algumas escolhas pessoais nessa tradução, sempre pensando no original. Depois eu vi que existem outras em português, claro, que essa postagem seja pelo menos uma placa de indicação para a obra da autora. =)

terça-feira, 8 de novembro de 2022

Declarações De Uma Alquimista Sensível: por aí


Por aí...


Sábado, dia 05 de novembro, meu livro de poemas "Declarações De Uma Alquimista" foi discutido no Leia MULHERES Teresina. Achei uma experiência importante, com uma troca boa com quem pode estar presente. Inclusive expliquei um pouco como usei a alquimia nos meus versos. 😉

cartaz de divulgação do leia mulheres com minha foto no meio


Por falar nisso, dois dias antes, 03 de novembro, o livrinho também deu às caras no site NOISE LAND. A escritora Sérgia A. compartilhou sua crítica, tecendo considerações muito sensíveis, que tocaram o coração desta autora. Muito bom ser lida e entendida. Você pode clicar na imagem para ter acesso ao texto. 📝🎀


E, caso queira adquirir o e-book, é só clicar AQUI, ele está gratuito pelo Kindle Unlimited, como também está com um preço acessível ( 20 reais, até a data da publicação desta postagem) se você não tiver o K.U. e queira ajudar a autora de um modo mais direto. Quem sabe uma hora dessas ele não ganha uma versão física, não é mesmo? 💗



quarta-feira, 9 de março de 2022

Notícias do BREU



 

● EU Sou Uma Livraria: Dani Marques, com seu sebo e livraria, divulga todos os dias no Instagram, ótimos livros que você pode adquirir para ler e também dar uma força para o pequeno negócio. Dani também colabora no site "Noise Land", falando sobre música, livros e shows; 


● CINTHIA Osório continua num produtivo momento com suas poesia, que ela compartilha com seu público também no Instagram "Gosto de Letras". Segue uma delas, resgatada do ano de 2014:

 


Medida

 

o tamanho da minha espera

celebra sua presença exagerada

quando você é tudo o que couber de saudade

mas não me ame sem rumo

decore as imediações dos meus lábios

não me ame à espreita

percorra a distância dos meus braços abertos

me queira com hora marcada

e faça um acerto com a hora errada

não asfixie declarações na sua boca de cigarro

nem cuspa o chão como ruído do que não é

possível dizer

não esteja presente se não puder dê-lo

 Cynthia Osório, 19/06/2014.


 



● SAIU o mais novo texto da Laís Romero no site d'O Estado Do Piauí. Lá ela retorna ao primeiros passos do ato de escrever, que seria compreender como se escreve, ou como escrevem nossas inspirações. O metatexto sugere leituras muito ricas em suas margens, vindos da diversa experiência da Laís com a escrita; 

 

● LARA Matos está concluindo seu novo trabalho em poesia, "Os Santos Dias". Logo teremos um belo zine para ler;

● NAYARA (eu) logo menos estarei divulgando aqui novos poemas, talvez acompanhados por alguns dos seus experimentos: desenhos simples, inspirados por flores, Pinterest e seus diários. Continuo atendendo tarô. 



quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Os labirintos [estudo]: duas versões para o mesmo poema

Poema sobre o mito do Minotauro

o labirinto em que me encontro
não tem soluções felizes
ao acaso
e todos os dias que me restam 
pergunto: qual será o dia da minha liberdade?

se dependo de teseu e não
de ariadne,
sei que metade de mim é
herói em apuros e a outra metade,
príncipe amaldiçoado.

se dependo de ariadne e não de teseu
morreria esperando por um fio que fosse da sua roca.


domingo, 17 de outubro de 2021

ipepoca- em construção

Ipê branco florido não calçada de uma casa grande
foto tirada pela amiga Jeany


                                                     Pequeno ipê

Pipoca estourada

Perto do seu apê.

 

Pequeno ipepoca

Pede pipoca

Vai de doce ou salgada?


Ipepoca, fabuloso dente-de-leão,

boca gigante

te assopra.

 

Ipê encanecido

esmago com os pé

os seus brancos cabelos caídos.


[e segue o cardápio]

Ipê florido

Cuscuz de arroz

Ou cuscuz de milho?





Para a Malú e para a Jeany.

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

A bruxa pragmatista: Emily Dickinson e convidadas

O Suplemento Pernambuco foi uma dessas boas descobertas dos anos recentes. Já falei dele antes nas recomendações aqui. Consegui assiná-lo por cerca de um ano e tenho um carinho imenso pelas edições de papel, com aquelas colagens feitas por talentosos artistas no período (2016-2017 ou 2017-2018). Ele tem ainda seu pdf  gratuito.

Lembrei disso, porque uma postagem no Instagram do periódico ontem, me fez rir sozinha. Lá dizia: "toda feiticeira, no fundo, é pragmática", o que me remeteu ao tema da minha dissertação que fala de pragmatismo e traz um pouco de Emily Dickinson, poeta que escreveu dos meus versos favoritos de todos:

Longos anos de distância - não podem fazer
Romper um segundo não podem sequer preencher -
A ausência da Feiticeira não
Anula o feitiço—

As brasas de mil anos
Descobertas pela mão
Que as acariciava quando eram Fogo
Vai se agitar e compreender—

 (tradução minha)

 No original, aqui.

O pragmatismo não é lá benquisto na filosofia, talvez pelo excesso de ceticismo nos fundacionalismos, sem oferecer uma resposta dura e talvez por isso mesmo, ele pareça menos interessado em respostas definitivas. Mas pelo menos ele me permitiu ter bons encontros com autoras e autores interessantes. A gente se diverte com o que pode nesse meio esquisitão.

 No que toca ao que motivou essa postagem, eu acho que as feiticeiras precisavam ser mais pragmáticas, por questão de sobrevivência, ainda que pareçam sempre estar a evocar as essências do mundo. Que mundo, não é mesmo? E aí está um outro segredo da feiticeira: ela parte do mundo em que está, mas quando precisa, assume outro e outro. Até porque eles nascem e morrem, como nós.

Quanto a Louise Glück, eu tinha esquecido que ela foi a ganhadora do Nobel desse ano quando comecei essa postagem, mas não é descaso, foi só esquecimento de gente distraída para conhecimento recém adquirido. Espero que ela seja traduzida logo para o nosso português, daí, quem sabe, quando eu lê-la com mais contexto, esse tipo de gafe não me ocorra. Mas não tenho pressa. O feitiço sabe esperar.

Essa postagem eu dedico à minha amiga Kelly, minha bruxinha favorita. Eu sei que de vez em quando, ela lê esses meus textos.


Aquarela da Malévola feita por mim num papel próprio A5
Malévola, bruxa redimida na cultura pop. Um dos meus estudos de aquarela.



segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Livro: O corpo dos meus sonhos e outros poemas - Lara Matos

Esses dias minha amiga Lara organizou seus poemas em um livro (editora Entretrópicos) que tratei de obter, assim que aparecesse algum dinheiro e, bom, apareceu. Não que seja caro o livro, 20 reais está um ótimo valor, acessível, mesmo que você tenha que contar as moedas, não são tantas assim e a leitura vale muito a pena.

Como mencionei outro dia no twitter, Lara escreveu um livro de amor que não é romântico e muito sintonizado com transmutações afetivas geracionais, eu diria. Se o movimento feminista luta pela emancipação em vários aspectos sociais, eu diria que o resultado emocional e psicológico de suas conquistas e perdas pode ser percebido de modo bastante privilegiado nas escritoras que captam o espírito do tempo que coube ao movimento nas suas várias ondas, mesmo que não seja explicitamente a eles vinculadas. O que não é o caso da Lara Matos, é claro, tendo em vista que além de poeta é especialista em direitos humanos e mestranda em sociologia. 

Mas os versos da Lara não se resumem a isso, é claro. Não vou cometer o mesmo erro de reduzir a autora a um tema, ao tema "feminino" ou agora "feminista", erro que gerações e gerações de "críticos" de autoras mulheres, como Sylvia Plath, poeta lembrada por Lara, aliás, continuam a cometer. Que o digam seus metapoemas, poemas que tratam de poemas, que nos dão uma pausa enganadora.

Se o sofrimento nenhum um pouco disfarçado ou embelezado do seu eu-lírico parece lembrar o sofrimento de todas as mulheres, em todos os livros e mesmo no dia-a-dia, é melhor ler de novo, porque esse sofrimento é localizado. Não é qualquer corpo, é um corpo de mulher negra de um país que fala português. Se vire aí no mapa e viaje nas possibilidades. 

Gosto particularmente da acidez com que desdenha dos homens. Não parece que é qualquer homem, parece um homem típico de algum lugar que o eu-lírico foi obrigada a estar. Gosto que também como os momentos de felicidade que encontra, se com algum deles ou sozinha, o eu-lírico é bastante econômico em deixar revelar esse estado, como que para não agourarem ou para deixa bem evidente que sua vida é mais que isso. Bem mais. E quando o amor surge, é em meio ao mormaço.

É isso. O belo livro da Lara Matos é um oferecimento às leitoras, especialmente aquelas com raiva sub representada das províncias de todos os tamanhos deste país, continente, quiçá mais. Um dobrar-se e desdobra-se de um corpo que se alterna entre ruínas e êxtase.


EXPOSIÇÃO

Nunca tive pseudônimos, sequer
Eus- líricos falando por mim
Carregando minha música em voz falsa,
É minha cara que exibo para os tapas
Que pode muito bem ser aplausos
Meu corpo é todo verso sem saída.

O livro tem a capa de kraft com o título e nome da autora e alguns arabescos




segunda-feira, 29 de junho de 2020

mitologia arrancada de um fim de tarde (e de um tuíte)

o corpo de um deus tem um amplo espectro de células
com diferentes tamanhos,
mas se você procurar pela maior e pela menor delas,
seus melhores exemplares constituirão a pipa e o sol,
cujas respectivas proporções relativas
são verdadeiramente notáveis
por isso, é justo afirmar
que a poeta faz seu registro com acurácia:

"hoje eu vi uma pipa
fecundando o pôr-do-sol"



sexta-feira, 20 de março de 2020

Copernicia prunifera

Sabe como um pé de carnaúba cresce?
Como se junta aos outros irmãos e irmãs
Para compor uma paisagem
Altaneiro e coroado
Habitando os campos?

Diz-se que à noite
Num céu sem lua e anuviado
Uma mão gigantesca, grossa pele, puxa-lhe pelos cabelos
de uma vez só! Copernicia prunifera!

Ocorre que, às vezes, o espécime é tímido...
Ou teimoso...
e esperneia debaixo da terra, fincando mais fundo as fasciculadas raízes...
e consegue mais uns dias enfurnado
e, então, você vê: só parte do tronco, uma coroa quebrada, as folhas meio enterradas
o que já intrigou mais de uma trupe de viajantes

pelas bandas de Campo Maior.



 Destacam-se carnaubeiras e uma silhueta que se banha num rio 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Conversa com Blake

Toda noite e toda manhã
Algo de miserável nasce bom
Cada manhã e cada noite
Algo de bom nasce da doce pernoite
Algo de bom que nasce da eterna noite*



*Tradução adaptada e alterada de propósito, como é de praxe aqui.

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Faísca- eu e sylvia plath

Compartilho com as amigas e os amigos a versão virtual do meu zine Faísca, que criei, na vontade de me misturar um pouco com uma escritora que curto, que é a Sylvia Plath. Um brinquedo meu.

Quem sabe ele aparece por aí na versão de papel, para além do original, que está aqui guardado. rs

É só clicar no link que segue ou na imagem: https://issuu.com/naybsousa/docs/fa_sca-_pdf

https://issuu.com/naybsousa/docs/fa_sca-_pdf
print da página da ISSUU, site que publica revistas online

terça-feira, 5 de novembro de 2019

Caminhante

Caminhar
mesmo sob o sol escaldante
caminhar.

Caminhar
mesmo o passo retido pelo lixo das ruas
caminhar.

Caminhar
mesmo arrastando a vontade
caminhar.

Caminhar
sob a lei da inércia:
perecer ou caminhar.



terça-feira, 10 de setembro de 2019

Cynthia Osório: entrevista




A Cynthia já apareceu aqui antes com sua poesia, mas agora fiquei com vontade de ouvi-la em uma entrevista e fiquei muito contente em saber que ela me concederia essa honra. É uma conversa importante para quem escreve, para mulheres que escrevem e também para quem de alguma maneira encarna algum marcador social que se sobressai nas relações sociais. Eu gostei bastante, espero que vocês curtam as respostas da nossa poeta convidada:

1.O modo como você se percebe influencia sua poesia? Como?

Total. Eu escrevo sobre o mundo que esta dentro de mim, ou ao menos, a partir dele. Então cabe aí muitas doses de mim mesma. Acho até que seja uma escrita imatura por isso, mas ela é  o que é. Não sei se te respondi.

2. Você entende a questão racial como um eixo que interfere na sua sensibilidade e vida criativa?

A questão racial é uma questão relativamente nova pra mim, estou em processo de descoberta  construção, aprendizagem de mim como mulher negra. Inconscientemente pode ter interferido já que, como disse antes,  falo muito sobre mim. Agora, nesse processo de conscientização, por assim dizer,  o que transparecer na minha escrita é/será intencional.  Então, interfere sim. A escrita pode ser uma ferramenta de luta antirracista, eu sinto a necessidade de construir em mim essa responsabilidade. E de maneira mais pessoal: escrever um instrumento de resistência ou re-existência num ambiente racista. Agora com sua pergunta reflito que quando/se o racismo me esgota mental e fisicamente, ainda assim, ele não me impede de criar, porque ainda que não saia uma poesia, por exemplo, eu escrevo. Escrever é criar.

3.Você pensa no Outro ou Outra que vai ler seu poema quando está escrevendo?

Quando escrevo pra que vejam eu elaboro mais, busco palavras. Outras vezes escrevo pra escrever, e acabo querendo que vejam, ou não. Quando faço essa escolha é sinal de que penso sim nas reações de quem lê.

4. Pretende publicar um livro físico? Quando?

Óbvio que já pensei e penso muito nisso, mas não é um peso nem uma urgência, não sei quando. O que sei é que vou escrever sempre. Confesso que a burocracia envolvida me intimida e até me cansa.

5. O que você acha que falta para a poesia feita por mulheres ser valorizada tanto quanto a do homem poeta no estado do Piauí?

Não sei se é apenas isso o que falta, mas iniciativas como clubes de leituras como o "Leia mulheres", publicações independentes como o zine "Desembucha, mulher!", por exemplo, são belas demonstrações de que só nós fazemos por nós mesmas, sem esperar aprovação ou apoio de homens, e dá certo. Claro, que se homens quiserem sair da sua zona de conforto e subverter a lógica  patriarcal etc ajuda, mas "homens, o que tenho a ver". É continuarmos a fazer como sabemos e podemos! 


6. Você tem algum conselho para dar a quem quer se aventurar pelo mundo da escrita, dos versos


Sugestão: escrever, ler, e olhar o mundo ao redor.



segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Há uma raiva de fundo


Há uma raiva de fundo
Como o clarão de um incêndio ao horizonte
A substituir a aquosa angustia
Lembra um sol velho
Que já se ergueu e se deitou tantas vezes
E que faz uma última aparição.



sexta-feira, 30 de agosto de 2019

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Benedita Onírica


Lembro de muito me espantar
a miragem da Igreja sobre a colina
que Teresina escolheu como altar

e tenho meus sonhos desde então
povoados de igrejas sobre colinas

não importa quantas cidades eu visite
há uma onírica essência invocada
no acúmulo daquelas literalidades:
colina, igreja, altar.

Paradoxalmente
                               propõe-me:  
                                                    prosopopeias,
                                                                              perífrases,
                                                                                                   paronomásias,

sorvidas pelo inconsciente
sustentando meu iceberg-self.

É à primeira Igreja sobre à colina que regresso:
A lapidada pelo sol, memórias de mãos e coxas negras,
De pedra, de pinguins musicais,
De degraus cansativos e de saias brancas
De chão amarelo setembrino
De um velho de vestido
que toca um piano invertido
Sob o sol.


parte detrás da igreja São Benedito contra um fundo de céu azul- gostei de ter feito essa foto

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