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sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Mais uma noite esperando uma chuva de estrelas

À noite esperando uma chuva de estrelas e nenhuma única! Nenhumazinha- zica- nada! Quer dizer, teve uma hora que achei que captei um rastro de uma, mas talvez tenha sido o reflexo de alguma lâmpada terrestre na lente dos meus óculos. Eu sugiro que os astrônomos criem uma outra nomenclatura para as pessoas leigas que ficam horas e horas de pescoço duro olhando para cima, em busca de uma sequência de estrelas cadentes, com um intervalo bem curto entre uma outra- de preferência, segundos. Uma. Chuva. Chuva é coisa muito séria pra quem nasce e vive no semi-árido, no cerrado, no meio-norte. Não tive nem sequer chuvisco de estrelas, nem uns pingos estelares. Só as mesmas estrelas lá fixas (como antes se achava), que são lindas, mas não eram o que eu estava procurando naquela noite, no escuro, enquanto o resto da casa dormia, exceto eu, os dois cachorros e minha mãe, terminando de assistir na tv um campeonato de vôlei espremido e encurtado, pelo temor da pandemia. 

Depois fiquei sabendo que essa chuva de meteoros vai "estar acontecendo" até o início de novembro e que essa noite que fiquei esperando era supostamente o "ápice", ou seja, por aqui terei -1 de chuva de meteoros nos dias seguintes. Mas vai que você tenha mais sorte: é só olhar para a região das três Marias, que são o cinturão Órion- quem diria-, mais ou menos até o dia de 7 de novembro (do ano corrente). Diz-se que essas estrelas são resíduos da cauda do famoso cometa Halley. 

Se por um lado fiquei frustrada, por outro pude constatar, que a vida noturna dos céus é bastante agitada. Um avião tão distante e de luz avermelhada que poderia facilmente passar por um OVNI (se eu fosse criança, com certeza daria essa classificação), morcegos maiores que aqueles miudinhos do final da tarde (que eu gosto de chamar de andorinhas), uma cantoria desavergonhada dos gatos nos telhados vizinhos, um casal de corujas voando longe, lindamente. 

Então, pensei que precisamos valorizar esses pequenos rituais domésticos que não foram ainda catalogados pela obsessão capitalista, ou do modo de produção dominante, nossos desejos e capacidade de imaginar novos caminhos estão lá. E criar novos, também.

 

Imagem feita da passagem do cometa Halley em 1986- tirada em Americana-SP

 

sexta-feira, 27 de março de 2020

O conceito de humanidade em tempos de pandemia


Esses dias a noção de humanidade foi renovada. Não é todo dia que isso acontece. No dia a dia somos pouco coesos, tanto pela pluralidade como pela divergência. Uma historiadora que costumamos utilizar na especialização em direitos humanos Esperança Garcia (PI), chamada Lynn Hunt, defende a ideia de que a auto evidência (a obviedade, digamos) desses direitos foi algo construído com o tempo, às custas de um trabalho intenso do exercício de empatia e solidariedade, estimulado na esfera pública: mercados, cafés, ou qualquer local que as pessoas se reunissem para contar histórias e se condoer com as personagens delas, sendo reais ou não, sendo da sua classe social ou de outra, de seu gênero ou de outro, de sua raça e etnia ou outra- aí eu incluo até a fofoca de boa fé. O Rorty, que é um cara que eu estudei na filosofia, vai dizer que a humanidade não existe. A leitura que eu faço é que, nesse sentido, a humanidade não existe a não ser que você diga que grupo de humanos é esse- brasileiros ou chineses? Sempre achei um pouco pobre essa saída do Rorty. Não sendo a humanidade uma abstração permanente e distante, ela é, contudo, uma REALIDADE manifesta em nossa contiguidade como espécie. E eu invoco a pandemia do coronavírus como fundamento para essa afirmação. Se havia alguma dúvida de que havia uma humanidade entre todas e todos nós, o vírus veio tirá-la da frente. A característica da sua aleatoriedade, ainda que tomemos muitas precauções, exige que seja repensado a absurda continuidade da aplicação do neoliberalismo nas economias dos países: eu preciso salvaguardar a todos, já que não sei quem poderá ser atingido (um desconhecido, ou meu pai?). Basicamente um véu da ignorância de John Rawls, liberal que faz muita falta aos liberais do Brasil. Pensar cada ser humano como parte dessa humanidade nos ajuda a levar adiante iniciativas que mitigam os efeitos danosos dessa aleatoriedade da doença (que, contudo, afeta mais gravemente pessoas já debilitadas), como a renda básica universal, que está em vias de aprovação no congresso nacional, uma da poucas medidas de amplo alcance que estão sendo aplicadas. Infelizmente, o líder da nação e as pessoas que o seguem, não se reconhecem nessa noção de humanidade compartilhada. Acreditam pertencer a uma casta superior aos meros mortais, por isso não se protegem e ainda atrapalham quem tenta se proteger da pandemia. Acreditam-se inatingíveis. Eu suspeito que o COVID-19 não foi avisado a respeito dessa pretensa blindagem e vai continuar lendo “humanidade” escrito na testa deles. Muitos serão forçados a lembrar da nossa contiguidade como espécie. E não vai ser bonito.

Harmonia Rosales- Mulher vitruviana [uma outra humanidade é possível]


segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Não te esqueci, Cláudia...

Apesar de sempre me abalar com os crimes hediondos (tipificados ou não) que fico sabendo, infelizmente, não lembro de todos os nomes e muito menos de todos os rostos das vítimas. Talvez uma maldição da mente humana, talvez uma bênção. Não sou capaz de decidir isso ainda. 

Só posso dizer que da Cláudia Ferreira da Silva eu me lembro. Cláudia Ferreira da Silva que, dois anos atrás, ao sair à padaria para comprar pão, como fazia todos os dias, naquele dia, especificamente, não conseguiu comprar o pão. Nem o leite, ou o bolo de sal, da listinha que provavelmente trazia no bolso de trás. Ou talvez não trouxesse, já que poderia ter sido agraciada com um memória melhor que a minha, com um dom comum de acontecer com as donas de casa e mães. Talvez pensasse no aniversário dos gêmeos que seria daqui uns dias. Não tenho como saber, mas imagino assim. 

Cláudia Ferreira da Silva levou um tiro quando ia comprar o pão. Bem perto de casa, como eu mesma faço aqui no meu bairro de periferia. Levou um tiro da violenta polícia militar do RJ, que também são outros seres humanos barbarizados- pela sua própria instituição. O que alguém barbarizado faz? Torna-se bárbaro. É óbvio.

Não fosse o bastante, além de ter levado um tiro por ser um corpo negro em uma favela no momento errado (?), Cláudia Ferreira da Silva foi jogada no porta-malas da viatura. Como um bicho morto. Não, menos. Como um corpo negro morto, segundo nossa historiografia passada e recente. O corpo de Cláudia Ferreira da Silva não quis seguir assim. Não coube na viatura, parecia querer ganhar a liberdade. Quem dera. O corpo de Cláudia Ferreira da Silva, mal arranjado no camburão, escorregou e foi arrastado por cerca de 350 metros. TREZENTOS E CINQUENTA METROS. Até que os policiais dessem conta.

A dolorosa cena foi gravada por um cinegrafista amador e veiculada nos portais dos jornais. 

Passaram-se dois anos (março) e fico sabendo que sequer houve julgamento de algum dos 6 acusados do crime. Ainda que eu tenha minhas críticas à ideia do encarceramento como punição, essa é uma saída que a sociedade exige. O Estado exige. Curiosamente, este não parece ser o tipo de caso que os agentes estatais se sentem à vontade de julgar. E não me parece ser por conta corpo arrastado de Cláudia Ferreira da Silva. Penso que é algo mais vil como: negligência, a burocracia relegada aos pobres, algum corporativismo estatal e provavelmente até medo de cumprir o dever e sofrer algum tipo de perseguição. Divago. Mas divago dentro de mundos possíveis do desenrolar da tragédia brasileira sofrida por uns mais que por outros.

Cláudia Ferreira da Silva, não te esqueci.

Filosofia: as máximas

A filosofia não pode ter medo de pensar a partir de máximas, em um mundo de discurso tão veloz.
O choque também é instrumento filosófico. Há, depois, que se descobrir e interpretar o lastro do grito.

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