quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Esther Greenwood

capa da edição mais recente- a mulher da capa é a autora


[resenha crítica com spoiler]

Nem de longe Esther Greenwood é das personagens mais queridas da literatura. Peca por um excesso de auto indulgência por saber possuir uma inteligência acima da média, além de apresentar uma moral mais próxima do egoísmo do que de algum sentimento elevado, o que não costuma ganhar a simpatia dos leitores. Pelo menos é o que se pode concluir em uma leitura mais simplista da personagem principal do romance: "A redoma de vidro" (1963), único romance da escritora  Sylvia Plath, mais conhecida por suas poesias.

Que tipo de horizonte uma moça do interior de Boston (EUA), de classe média baixa, na década de 1950, poderia ter além de se afundar em um casamento infeliz, cercada de filhos com um marido condescendente? Era desse modo que Esther via a vida à qual estava destinada, diante de uma sociedade que não admitia que mulheres tivessem uma vida autônoma levada a sério. Tentando adiar ao máximo o futuro que previa para si, pelo que via de suas vizinhas e mesmo do que via de sua mãe, viúva desde que a moça tinha 9 anos, confiou que sua mente sagaz lhe ofertaria sua única saída: os estudos. Já na universidade, ela se inscreve em todos os editais que ofereçam bolsas para mulheres estudantes, o que não são muitos, já que nem todas as universidades e nem todos os cursos estavam disponíveis para as mulheres na época, mesmo se tratando de cursos de verão e similares.

Conseguindo estágio de um mês em uma famosa revista feminina de Nova Iorque, Esther evita em parte a convivência com a mãe ou mesmo pensar em Buddy Willard, seu atlético e bem sucedido namorado. Um mês numa cidade grande é suficiente para causar um certo abalo na cabeça da estudante. Comida abundante, bebidas nunca antes experimentadas, uma sensualidade transbordante nas ruas da cidade, companhias ousadas como a de sua colega Doreen e uma chefe ambiciosa e exigente, jogam Esther em um tipo de angústia profunda que ela mesma só começa a ter noção da gravidade na volta para a casa, quando é tarde demais.

Em nenhum dos ambientes tão admirados da cidade grande a moça paira com maestria, quando decide deles participar- e ela tenta. Há uma certa esquiva que a mantém na defensiva à proximidade das pessoas e das experiências vibrantes que a cidade lhe oferece, apesar de suas ambições. Some-se a isso, o retorno à sua cidade e a notícia de que uma nova bolsa que acreditava seguir-se a esta que acabara de vivenciar, não viera. O peso de um mundo que ela tinha aversão tornara-se em sua mente, mais forte do que conseguia suportar. Tem-se início uma série de crises que vão caracterizar sua depressão, ou a redoma de vidro, como a descreve, incluindo aí algumas tentativas de suicídio. O restante da obra descreve todo o traumático processo de adoecimento e a cura de Esther.

O livro, parcialmente biográfico, é um dos melhores exemplares da literatura pré revolução sexual, onde as expectativas da vida das mulheres, eram simplesmente ignoradas para serem enquadradas em um modelo insuficiente da mulher mãe, da mulher esposa, provavelmente ocasionando uma série de fragilidades psíquicas naquelas sujeitas que resistiam a esse enquadramento. Foi impossível não lembrar do conto "O Papel de Parede Amarelo" (1891), de Charlotte Gilman Perkins, aqui já recomendado, onde também temos a descrição de um processo de "enlouquecimento" vinculado a uma alienação das mulheres em relação às suas próprias vidas e à imposição de modelos que empobrecem a experiência da mulher no mundo.

Talvez seja mais interessante ler o livro acompanhado de outras amigas, para que as ideias possam ser trocadas. A leitura compartilhada torna as páginas do tema delicado bem menos sofridas.




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