Muito bom quando você sai de casa esperando ver um amigo e encontra mais amigos. Semana passada fui conferir a publicação do primeiro livro de poesia do professor José Elielton, amigo da filosofia e de coletâneas e saí de lá não com um livro de poesia, mas com dois e uma atmosfera familiar com amigas e amigos que eu não via, tinha muito tempo. Uma menção mais que especial ao Luizir, mestre e amigo querido, que levei para além das aulas do mestrado, há muitos anos atrás- ainda que atualmente eu não seja a amiga mais presente do mundo.
Enquanto eu lia Malinação, fui surpreendida por uma virada no tom da poesia que eu não esperava. Se na primeira parte do livro eu intui um Elielton admirador de Manoel de Barros e até das metáforas do Rosa, sabendo que todos os três falam de sertões- sim, estou incluindo Manoel de Barros- tirando desse sertão a atmosfera, a fonte original de comparações, temas, a sua própria biografia e nosso eterno presente no interior do Brasil, depois, fui lançada a um cenário de sangue e pesadelos, alguns muito reais.
Já no caso do livro do oeirense Rogério Newton (mesma cidade natal da poeta Cynthia Osório, que já apareceu aqui), conhecido dos leitores da revista Revestrés, nos deparamos com "Dez Poemas Desesperados Sobre o Riacho Mocha". Não sendo seu primeiro livro de poesia, essa pequena obra vem cheia de um sentimento de indignação quanto ao descaso público a um dos marcos da da cidade. Rogério, que também estará esses dias na COP30, aproveitou a época do lançamento do livro, para reunir-se a outras pessoas preocupadas com a situação do veio d'água, nas ruas de Oeiras, com um microfone, uma manifestação-denúncia, na falta de um cuidado do riacho, que o próprio poeta testemunha há décadas. Quem nunca ficou com o coração partido de ver parte de sua história desrespeitada, especialmente uma viva (o riacho é vivo), como são quaisquer águas numa terra tão carente dela.
Em uma época de aquecimento global, que piora toda a situação de calor e seca do estado do Piauí, tornando mais irresponsável, quiçá perverso, esse descaso e outros que cada um de nós pode relatar de sua própria cidade, no que diz respeito ao aprofundamento de políticas ambientais que foquem na interação dos sistemas vivos e não-vivos de modo equilibrado, com o hiperfenômeno em foco.
E é claro que aproveitei para indicar as aulas gratuitas do professor Alexandre, que deixou disponível para quem quisesse entender melhor nosso nível de unidade com o planeta e as partes mais importantes dessa unidade, desde a formação da Terra, até um pouco depois da pandemia de 2020, destacando os limites planetários que estávamos ultrapassando quando do lançamento das aulas. Vale a pena parar para assistir.
A poesia do José Elielton é cheia dessas preocupações e apesar da construção de muitas imagens que evocam quase a um hermetismo simbólico, especialmente na parte que trata das profecias, elas, como os textos apocalípticos, falam mais do presente do que do futuro. Os iniciados na tradição poética do estado entendem, no mínimo, que o que parece a repetição da tradição, é simplesmente um cotidiano persistente e muitas vezes doloroso, não só no Piauí.
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dez poemas desesperados sobre o riacho mocha
2
o urubu enfia as unhas sujas
no coração imundo da galeria
sob o manto negro e a carne dura
presa de lodo e mau agouro
a água podre não se esquiva
ao olhar circunspecto de rapina
quer o bico fedido e voraz
sem luz alguma que ilumina
a não ser a fúria de roubar
bosta e detritos que há em cima
e dentro da água mais podre
que a consciência que o anima
pois alma há nesse mundo escuro
penada de urubu faminto e truvo
tão sujo como o dinheiro que fez
galeria de fezes te esconjuro
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Malinação
matutos meninos
com suas barrigas d´água
desandam destinos traçados
no corpo destroços expostos
presságios precários em vista
indicam futuros minguados
no fim carregado dos dias
e rotos de tanto abismo
recusam a morte inventada
Observação: Clique nos links! ❤

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