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quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Tarô e bibliografia particular


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS QUE INSPIRAM A MINHA LEITURA DE TARÔ

Joseph Campbell: os 4 volumes da mitologia e o poder do Mito. O poder do mito (a longa entrevista).
Bachelard: todos da fase noturna do filósofo.
Warat: para quem tem uma formação mais burocrática, como eu, inicialmente pode precisar de uma leitura como as obras do Warat como “A ciência jurídica e seus dois maridos”, para se soltar, lembrar que o mundo pode ser mais desejante e voltar a sonhar, mesmo em lugares inóspitos.
Simbolismo e poesia em geral: se você pensar bem, suas aulas de simbolismo já davam uma dica que interpretar por analogia e associação, bem como deixar a imaginação vagar pode dar bons resultados. Particularmente o Cruz e Souza, poeta maranhense e o Da Costa e Silva, piauiense com seu Zodíaco, podem dar uma mão. Eu acrescentaria o Mario Faustino, que não é simbolista, mas inspira num sentido interessante para o tarô. Poesia em geral, quando você segue a regra da entrega absoluta ao autor, pelo menos na primeira leitura, é um meio muito eficiente de estimular a sensibilidade aos símbolos do jogo.
Jung: É o fundamento racional principal junto com o Campbell, no meu caso. Não gosto de usar esse tipo de justificativa, porque não é meu desejo transformar o tarô em uma pesquisa acadêmica. É uma prática intuitiva, de imaginação e de alteridade. Mas o Jung pesquisou tanta coisa que é ignorada pela academia desde a época dele, que quem trabalha com imaginário e sonhos pode muito bem aproveitar para usos práticos. O livro a respeito inconsciente coletivo e os arquétipos dele me ajudou bastante, porque traz vários desses modelos gerais da humanidade que surgem em fábulas, religiões, mitologia, sonhos e manifestações do inconsciente em termos vários, que se manifestam em técnicas como o tarô, também. Os livros deles a respeito de alquimia, que na minha opinião são os mais difíceis, são interessantes pelas imagens que sugerem e pela pesquisa histórica.
Clarissa Pinkolas Éstes: O livro Mulheres que Correm com os Lobos e suas histórias bem narradas e aprofundadas nos comentários da autora psicanalista e catadora de histórias ancestrais, ajuda-nos a projetar mais longe tanto os personagens que surgem nas cartas, como a própria narrativa da vida do consulente. Além de ser uma excelente ferramenta de auto descobrimento, especialmente para as mulheres, as grandes guardiãs da arte do tarô ao longo dos séculos.
Marion Zimmer Braddley: não vou negar a influência da Marion, apesar de algumas ressalvas atuais. Seu As Brumas de Avalon e as demais obras que narram a vida das sacerdotisas que aparecem em muitas versões do tarô ajudam-nos a imaginar a velha, a donzela, o velho, o sábio, a rainha, o rei e toda a sorte de imagens relacionadas a uma corte real envolvida com magia, que é, por exemplo um tema tradicional do tarô como o de Marselha. Passei anos encantada com a obra dela e sua versão da lenda do Rei Arthur.
Cecília Meirelles: eu entendo que a linguagem que a Cecilia Meirelles (neossimbolista) adota em muitos dos seus poemas, ajudam na leitura do simbólico contido no baralho. Ela me inspira na poesia, além do deleite- eu não leio poesia visando nada além de ler a poesia, mas que bom que veio esse bônus e posso compartilhar.
Por acaso, o meu estilo de poesia evoca o simbólico, a natureza e as emoções, todos artigos muito caros para quem lida com o tarô. Se você quiser dar uma olhada, é só correr os olhos no blog. Eu aposto que quase toda taróloga ou todo tarólogo é, no fundo uma poeta, um poeta.
Por falar em bônus e em natureza: livros que evoquem nosso contato com os elementos naturais são interessantes. Talvez o Bachelard ajude nisso, mas também o Walt Whitman, a Emily Dickinson e o Thoreau contribuam em construir uma boa atmosfera interior para quem não teve esse contato direto com a natureza, ou quem, como eu mencionei antes, está com uma formação mais enrijecida, meio “cartesiana”. Se você já tem um contato profundo com essa natureza não humana, aproveite, pois ela é uma biblioteca espontânea do imaginário e do sensível que importa para o tarô, a sensibilidade para perceber e ampliar essa percepção da vida em seus ciclos são fundamentais para essa arte.
A internet está cheia de sites com modelos de baralhos e de jogos, você pode recorrer a vários deles, como eu faço e aprender, treinando com o que mais se identificar.

Carta da Cavaleira, naipe de copas, tarô cigano.


terça-feira, 11 de julho de 2017

Seis anos atrás, num outro dia de insônia...

...eu escrevi esse textinho, compartilhando minhas angústia de tentar encontrar caminhos ainda dentro do direito. A conversa com as amigas sobre Warat certamente têm a ver com essa lembrança. De certo modo, esse movimento pendular de me perder nas exigências da academia e depois de me encontrar na alegria subversiva do erótico, do cômico, parece que se tornou um processo necessário. Talvez. Caso alguém que sofra com a falta de saídas de libertação de si por meio do direito, pode encontrar uma igual aí embaixo e quem, sabe, ultrapassá-la, encontrando seu próprio caminho.

Em meio a uma insônia, a triste constatação da dificuldade de (se) carnavalizar...


Estou aqui, em plena madrugada, com uma insônia já conhecida minha. Ao meu lado repousa Rubem Alves e seu “Variações sobre o Prazer”, marcado na última página do capítulo que acabei de ler. Minha insônia tem nome e sobrenome. A causa desta insônia e de outros mal-estares dos últimos dias me tem feito refletir seriamente, sofridamente, sobre minha postura em relação... ao direito. Interessante que a situação aparentemente não teria nada a ver com o direito. Tem a ver com o desejo. Mais especificamente com desejo reprimido.
Digo: não teria nada a ver com o direito, se eu não fosse uma leitora de Warat. Uma leitora que concorda com grande parte das idéias deste poeta do direito que nos deixou recentemente. Warat falava sobre a libertação dos desejos na vida. O desejo pela vida e na vida. E como o direito também é manifestação desta vida, ele também falava da libertação dos desejos no direito.
Enquanto eu estava imersa naquele mundo cinzento do jurídico, o direito sempre me pareceu sufocante e hostil. Contudo, depois de um tempo, com os encontros e desencontros certos da vida ( com pessoas, sempre, ainda por meio de seus escritos), eu passei a vislumbrar a saída. Passei a defender este caminho, a apontá-lo, a festejá-lo. Sim, era possível o ensino jurídico e a libertação dos desejos. Era possível a prática jurídica e a libertação dos desejos. Tudo isso era possível, porque...ora, porque somos humanos! É disso que somos feito: razão, consciência, mas também vontade e desejos. E o mais surpreendente desta lógica tem sido, até agora, o fato dela não ser aparente para nós, a não ser que se passe por estes encontros e desencontros, porque a “estrutura monolítica” do direito está tão bem montada, que chegamos a quase acreditar que não há vontade ou desejos no direito.
Era nisso que vim acreditando e praticando nos últimos dois anos, ou um pouco mais, na minha vida. Esta grande (re)descoberta do direito e de suas possibilidades. A carnavalização, a erotização focadas por Warat, meios e fins para o novo e a libertação, desde cedo, foram percebidas como suficientemente poderosos. Poderosos o suficiente para não conseguirmos nem de forma aproximada prever metade de suas consequências. As transformações, as revoluções, as mutações que provoca em cada um que se permite dentro destas propostas.
Quantos de nós estamos realmente preparados para aceitar as consequências de se viver este tipo de libertação? Agora me veio à mente dois exemplos deste dilema: Raskolnikov e Neo. Em “Crime e Castigo”, a personagem principal, Raskolnikov, grande admirador das “façanhas” napoleônicas, elabora uma teoria sobre o ordinário e o extraordinário, onde os seres humanos estariam divididos nestas duas categorias. Para ele, Napoleão, ousado e não submetido a quaisquer regras legais ou morais, a não ser as da sua própria vontade e desejos, era o grande nome do grupo dos extraordinários; os que não tinham força de vontade e desejo o suficiente, que viviam submetidos às regras religiosas, sociais, legais, morais e de toda ordem, estes eram os ordinários. Tentando testar sua teoria, o jovem decide matar uma velha usurária a quem devia. Ao conseguir realizar tal intento, livrando-se das suspeitas e continuando a viver sua vida de acordo com sua própria vontade, sem se abalar pelo ato que cometera, estaria provado que ele fazia parte do grupo dos extraordinários. Porém, as coisas não saem como ele esperava. Quando o dia do assassinato chega, uma série de fatos não previstos ( a vida!) ocorrem e ele, além de tirar a vida da usurária, também “precisa” matar a irmã dela, que chega sem que tenha sido esperado. Não me alongando muito mais neste spoiler do livro ( e peço desculpas), o restante das páginas mostra todo o sofrimento, angústia e medo que Raskolnikov passa, em decorrência do ato cometido. A vida se apresentou com toda a sua força e não previsibilidade e toda a racionalidade fria e bem assentada do jovem não foram suficientes para lhe livrar de todo o desespero provocado por seu crime e as consequências dele. Raskolnikov não conhecia sua própria humanidade. Seu tipo de humanidade.
O outro exemplo que me vem à mente é Neo, personagem principal do filme Matrix. Neo, até então um hacker, esbarra na “verdade” de seu mundo: nada existe do jeito que ele conhece, tudo é fruto da criação de máquinas que escravizam os seres humanos em um mundo de fantasia. Depois de tomar conhecimento disto, a ele é oferecido uma opção: esquecer tudo e continuar sua vida no mundo de fantasia criado pelas máquinas ou, encarar o novo, a recém-descoberta de um mundo totalmente diferente e, na história, o seu mundo real e lutar para mudar este mundo. Neo escolhe a pílula do conhecimento ( lembra uma velha história sobre um certo jardim) e aceita todas as consequências desta escolha, as boas e as ruins.
Estes dois exemplos me vieram à mente, porque talvez hoje eu me sinta um pouco como Raskolnikov e Neo no momento de suas escolhas. Com as devidas ressalvas quanto ao tipo de escolha de cada um, me sinto exatamente como eles: diante de um caminho que parecia retilíneo e de repente, se bifurca. Qual deles seguir? Eu encontrei o caminho da libertação dos desejos, da carnavalização, da erotização dentro do direito e, portanto, dentro da vida, mas esta mesma vida, hoje, bate à minha porta, tão maravilhosa e assustadora, tão bela e terrível, como só ela pode ser e me vi escolhendo o caminho sóbrio da pura racionalidade, negando o que venho apregoando a plenos pulmões, que pode ser resumido nisto que acabei de repetir: a libertação dos desejos, a carnavalização e a erotização.
Não sei se Raskolnikov e Neo, antes de fazerem suas escolhas, tinham dimensão das consequências que teriam que lidar. Da alegria que viveriam e das tristezas que padeceriam. Mas eles seguiram adiante quando se confrontaram com a face bela e terrível da vida e viveram suas consequências, as boas e as ruins. Não deram um passo atrás.
O que quero dizer com isto é que quando a vida bate à porta, ela não pede licença e nem quer saber se estamos preparados ou não ( e agora isto está parecendo com um livro de auto-ajuda). Ela simplesmente vem. E escolher defender idéias semelhantes ao que Warat propunha é ter que vivenciá-las e esta vivência vai mexer com o mundo de quem optou por elas e de quem convive com estas pessoas. As estruturas são abaladas. Todas elas, as internas, daquele que escolhe e as que têm manifestação no mundo. Estamos preparados para esta força? Eu pensei que estava. E realmente me surpreendi, tristemente, com a minha própria escolha e em perceber o quanto ainda preciso me libertar das minhas próprias amarras que me impedem de viver este tipo de crítica tão contundente.
Eu errei quando eu disse que a vida bate à porta. Ela não faz isso. Ou ela a arromba ou ela salta a janela sem que estejamos esperando. E viver a libertação, a carnavalização e a erotização dentro do direito e na vida ( que insisto, também tem no direito sua manifestação) é ter a coragem de suportar todas as consequências desta escolha. Não se voltando para o refúgio seguro da pura razão, da sobriedade, do mais do mesmo, do lugar-comum. Isto não pode servir a quem deseja viver esta crítica.
E estes escritos são um desabafo de uma pessoa com insônia, não têm um objetivo maior. Mas obrigada pela gentil atenção

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

As reservas, as casas e os proprietários das casas (mais uma desculpa para falar de amor)




Um dos autores que mais me marcaram na última década da minha vida foi Luis Alberto Warat. Warat foi provavelmente o argentino mais brasileiro que viveu pelas nossas terras quentes. Começou como especialista no positivismo e semiologia jurídica e descambou para um tango-samba-cabaret chamado Surrealismo Jurídico. Fez outras coisas mais, mas aí você vai ter que dar uma procurada. Sugiro o blog da CasaWarat.

Lembrei do Warat agora porque no livro dele mais famoso e o que eu mais gosto, “A ciência jurídica e seus dois maridos” ele fala um pouco da delicadeza e da força das relações humanas. O título do capítulo que me interessa aqui é “Uma raridade chamada amor”. Antes de tudo, eu discordo do Warat de que o amor seja assim tão raro. Penso que, na verdade, ele seja difícil de definir, mas, de todo modo, achei válida a tentativa dele. 

O Warat fala de reservas selvagens. Fala que, para o amor acontecer, é preciso que haja o encontro de duas reservas selvagens. Aquela parte sua que você não costuma abrir para ninguém e que às vezes mal conhece, ou tem vergonha, ou tem medo e onde, numa aparente contradição, tem também seu maior manancial de belezas em estado bruto, pronto para deixar o estado de potência e saltitar para o mundo. O encontro das duas reservas ativa as cores antes insondáveis, antes adormecidas, antes desacreditadas.

E é um estado tão delicado...

Tentei em vão, meu relógio vermelho comprado no camelô do sul do país não foi capaz de marcar o tempo. Nem acho que um rolex original e nem o Big Ben marcaria. O encontro das reservas cria um outro tipo de necessidade cronológica. O infinito no finito. Apenas corpos amantes marcam o infinito no finito.

Mas quando as reservas se encontram... Ah! As formas, os sons, os cheiros, as línguas, o tato do corpo, esticados pela matéria dos sonhos que têm suas raízes profundas ali. Muitos suspiros.

Segundo Warat, a maioria de nós prefere a periferia da reserva. Porque deixar nosso mundo selvagem disponível ao outro também dá espaço para a dor, sabe? Dor de alma. Por isso a periferia é tão frequentada. Mas Warat diz que não tem outro jeito já que na periferia não há amoor, amoor.

Eu não lembro de alguma vez ter ficado na periferia. O que obviamente me abriu para muita dor. Mais um suspiro profundo aqui.

O que Warat não diz, contudo, é que lá no meio da reserva, tem uma casinha que requer muito cuidado. A casinha, aliás, é o grande segredo. Você não sabe que móveis quebrados tem ali, que piso está solto, que parte do telhado está mais frágil para uma noite de tempestade. Pode ser, é claro, que você encontre uma casa quase nova, em bom estado. Até que ponto você vai querer uma casa sem rastros de que gente viveu e foi feliz (ou não)ali, fica a seu critério. A mim, sempre me interessaram objetos que já tem alguma história no mundo. 

Nesse caso, quando a porta da casa finalmente se abrir para você, o que já é um grande feito, é preciso pisar com cuidado, de preferência com pantufas de gatinho, falar com a suavidade de um passarinho azul, ouvir o silêncio dos cômodos, acostumar-se ao tipo de luz, a uma certa desorganização da cozinha e ao possível ciúme dos livros. A casa, que se manteve de porta aberta durante muitos anos, pode ser que esteja um pouco deteriorada pelo uso e pelo passar dos anos- mesmo com a reserva selvagem ao redor como proteção, nem sempre é possível escapar de algum dano mais previsível- por isso seu proprietário pode ter andado preferindo deixar a porta fechada, só abrindo mediante senha, o que quase nunca se vê nas casas das reservas.

Quando fiquei sabendo de um caso assim, fui atrás de saber mais e achei muito justa a medida tomada pelo proprietário. Lá estava ele a tentar consertar o que podia, mesmo com poucas ferramentas à disposição. Talvez levassem alguns anos para que ficasse ao seu gosto- definitivamente ele era muito auto exigente. 

Ainda tentei ajudar no conserto, mas não tinha muita experiência com martelos e pregos, terminei quebrando uma luminária e o proprietário não ficou lá muito satisfeito. Na verdade, ele estava chateado com o resultado do que vinha fazendo, até havia parado o trabalho naquele dia. Talvez por isso quis que eu fosse embora, não parecia do tipo que aceitava ajuda com facilidade. Me afastei um tanto quanto magoada pela minha ajuda não ter sido aceita, mas ainda fiquei dentro da reserva, quieta. Pude olhar assim de fora e fiquei pensando muita coisa. Eu conseguia ver o quanto já havia sido encaminhado. Logo a casa estaria com seus alicerces bem sólidos novamente. Talvez, no fundo, até mesmo o proprietário, um tanto quanto pessimista, notasse isso. 

Também tenho minha casa, no interior da minha reserva. É interessantíssimo notar como muitos dos cômodos da casa só se tornam acessíveis de fato quando finalmente um visitante atravessa a reserva, alcança a casa e entra nela. Alguns dos meus móveis estão meio riscados e as cortinas rasgadas em alguns pontos-  uns vasos de flores quebrados no chão, também. Tem um ou outro quarto que nunca consegui abrir. Outros que comecei a decorar e depois fui obrigada a abandonar. Apesar disso, eu tenho tentado deixar a porta aberta, mesmo sob o risco de algo mais se quebrar lá dentro. O infinito no finito vale a pena.

E eu esqueci de dizer que as casas sobrepõem-se assimetricamente. É uma irregularidade festiva bonita de se ver.

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