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sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Livros-alertas

Motivada por uma sombra que insiste em permanecer sobre as instituições brasileiras, dei uma olhada na estante e lembrei de algumas aulas que dei sobre o assunto. Aí estão cinco leituras que ajudam a situar algum jovem leitor desavisado, de qualquer idade, a respeito do crime contra a humanidade de maior reconhecimento e grande motivo de vergonha coletiva, durante século XX,  o nazismo. Ajuda inclusive, a olharmos bem para nossa historia enquanto povos humanos e as várias atrocidades que cometemos e que precisamos reconhecer para não repetir:


Lista para aprender porque nazismo é ruim

Educação e emancipação- Adorno
Hannah Arendt (biografia da Hannah Arendt)- Laure Adler
Maus- Spielgelman
Sonhos no terceiro Reich- Charlotte Beradt
O diário de Anne Frank- Anne Frank
 Modernidade e Holocausto- Bauman 
Aspectos do drama contemporâneo- Jung

A lista não é grande, porque sou otimista de que a pessoa que lê-los vai entender rapidamente a identificar o perigo logo. Logo!

Anne Frank com um lápis na mão

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Inominado


É um perigo esticar palavras
Diante do Inominado
Ele aprende o ofício
Rouba os corações pelo lado errado
E em vez do zumbido de abelhas
Soergue-se o passo arrastado de zumbis
Avessos a Palmares.



segunda-feira, 18 de julho de 2016

Átomos do anjo de Paul Klee




Vez ou outra eu passo uns momentos meditando sobre alguma pintura, uma frase que me chamou a atenção de um autor que eu gosto. Ontem foram os rabiscos do André, obra que acompanho e que em geral, gosto. Rabiscos de sombra e de luz. Obra de arte é boa para se perder em devaneios e fazer conexões.

Olhando os rabiscos lembrei do anjo do Paul Klee.O anjo do Paul Klee que Benjamin tanto gostava. Aquele Angelus Novus era um anjo feio. Cabeça grande, braços/asas pequenos, pele amarelada. Será que era um anjo? Eu lembrei de Fabiano, das Vidas Secas de Graciliano. Fabiano quase não falava. O anjo do Klee também não fala. Parece que têm algo em comum. Mas isso fica para depois. Por enquanto: o anjo do Klee. O anjo afastava-se de algo que lhe capturava o olhar, olhava assim de soslaio, parecia com medo. As asas tesas, os pés, que mais parecem pés de galinha que cisca. O anjo de Klee viu algo que fez com que se sujasse de uma lama que ressecou suas asas e seus pés de galinha que não ciscam mais. Não era uma lama irmã da sujeira que Manoel de Barros me fez amar, era a lama que se formou de uma tempestade futura. A lama agora compunha a pele e as asas não mais funcionais do anjo bidimensional. Seus olhos se fixaram eternamente na tempestade que viria a lhe constituir. Klee era o profeta de Benjamin (e Benjamin se tornou o de muitos).
 
Das fotos do André, eu me detive na série mais recente #selfie e nas últimas d'[os rostos]. Fiquei pensando na ironia da sugestão. Não há selfie, não há o rosto do fotógrafo ou de quem quer que seja. Se a selfie deve mostrar o rosto de quem fotografa, a série [os rostos] poderia mostrar: rostos. Pelo menos é o que o tema leva a supor. Por trás da selfie não há rosto e na [os rostos] também não há rosto.
Imagino-me realizando o seguinte processo. Abro o instagram, viro a câmera para o módulo de selfie e, pronta para a próxima hashtag que me garanta algumas visualizações: tiro a foto. Mas não há um rosto, o meu rosto. Pele negra, traços de uma mistura indígena, negra e de algum carcamano renegado, algum europeu periférico, olhos grandes e castanho escuros, cabelos ondulados, da mesma cor. Foi assim que acostumei a me ver. E maquiagem, quando quero. Mas o que tenho de mim é um borrão, como no filme “O chamado”. Ou algo que derrete na horizontal como o rosto dos "Os amantes" de Magritte. Penso que é um problema da câmera ou do aplicativo (app). Retorno ao módulo normal da câmera e decido ir a um espelho tirar uma estilo old school do insta. Sim, já se sabe. Não há rosto. Eu duvido muito que estaria aqui digitando tranquila se isso tivesse acontecido. Estaria desesperada.
Benjamin também escreveu sobre as primeiras décadas da descoberta mais amada das nossas tecnologias atualmente compartilhadas: a fotografia. Falou também sobre fotografias em velocidade que viraram o nosso cinema e que deram ideia para outras tantas coisas depois. Meditou sobre a perda da “aura” da obra de arte com o efeito quantidade e velocidade da fotografia em relação ao quadro pintado, à escultura e até em relação à arquitetura. Estávamos começando uma relação intensa com o mundo agora fixado em objetos e seres fotografados. Com a revolução trazida pelo smartphone, cada uma e cada um passou a uma relação ainda mais próxima. Eu havia escrito simbiose aqui na versão anterior do texto, para descrever o processo, mas simbiose é uma troca positiva. Algo próximo ao parasitismo talvez nos explicasse melhor. E, bom, não é o parasitismo do celular em relação a nós.
Volto ao anjo do Klee. O anjo não é anjo: não é belo, está sujo, olhar vidrado, não voa mais, não canta "hosana nas alturas". É a sombra de um anjo. Mas foi meditando sobre o anjo que Benjamin achou que Klee antecipou algo do século que passou: a tempestade de areia era um certo tipo desastroso de progresso. No meu caso, eu acho que essas duas séries do André não antecipam nada. Não depois do século XX. Não nesse meu texto. Agora não há mais o passado, o presente e o futuro como no tempo de Benjamin. São todos simultâneos, misturados, sobrepostos, escorrem entre si. Fractais de tempo. Detox de tempo. A selfie some na #selfie, justo ela, que parecia ser nosso aconchego, nossa marca. Tentativa de segurar nas bordas da roda louca que gira. Que sobe, que desce, que revolve o fundo de coisas que pareciam esquecidas. As duas séries que nada dizem estão plenas do vazio que a arte pede, mas um vazio que já está imediatamente atravessado por aquelas fractais. Parece que gera um eco que carrega átomos fantasmagoricamente rearranjados daquele anjo de Klee.
[continua]


sábado, 19 de março de 2016

Texto para um sábado de manhã em tempos sombrios



Estamos passando por um momento crítico de intensificação da nossa capacidade de polarização. A política, má conduzida, termina por ser desculpa para a expressão do que cada uma e cada um temos de não tão bom. Um amigo em uma rede social, lembrou do que na academia chamamos de Princípio da Caridade: numa discussão, ouvir o outro e admitir que existe um sentido e importância na fala desse outro, por mais diverso que esse discurso seja das nossas crenças atuais. É um exercício difícil, ainda mais em tempos do governo das paixões (no sentido de pathos, doença). Contudo, se realmente queremos mostrar que aprendemos alguma coisa com os erros que cometemos ao longo da nossa história ao acharmos que a nossa lente de percepção do mundo é absolutamente correta (vide comportamento prévio da população, incluindo partidos, mídia, sociedade civil organizada em geral dos vários regimes autoritários, de todas as cores, espalhados pelo mundo por toda a história humana recente), é preciso apostar nesse esforço.

O germe do que chamamos de fascismo, aquele que não ouve, que está sempre certo e que para isso não hesita em negar a existência do outro discordante, seja por meio de um discurso do tipo “Morra Dilma” “Morra Aécio” “Morra Lula” “Morra Moro”, seja por meios sutis ou ainda mais agressivos, esse germe, caras e caros, não está só no outro. A intolerância do fascismo está em nós também, habita como potência cada um e cada uma. É preciso estar atenta e atento e perceber que antes de vigiar tão ferrenhamente o que o colega fala, é preciso ser crítica quanto ao nosso próprio comportamento. Tomar partido não pode querer significar a destruição da nossa capacidade de empatia e se realmente queremos continuar como uma sociedade democrática e plural (friso o plural), vamos ter que ser capazes de ir muito além do que a polarização do presente dá a impressão de nos obrigar.

Lembrar da complexidade humana na teia afetiva que cada uma e cada um de nós foi capaz de construir ao longo da vida, por exemplo, ajuda a desinflacionar a questão a um tamanho com o qual possamos lidar. Tenho pessoas que eu amo, pessoas que eu admiro, do “outro lado” quanto às questões da política presente, mas isso não pode querer significar a redução do meu afeto(ainda que seja um desafio), ou da minha vontade de tê-las na minha vida. Ainda que por um momento a distância exista, é preciso ampliar e perceber que existem outros valores, outros âmbitos que ainda compartilhamos com aquelas pessoas. Mas nesse ponto, não quero falar só daquelas que conhecemos. O exercício de empatia é vitorioso principalmente quando alcançamos a capacidade do que mencionei no Princípio de Caridade para aquele desconhecido. Sempre fomos capazes de estender nossos círculos de empatia e é nisso que a democracia se pauta, a meu ver, muito mais do que em abstrações racionais. Vamos mesmo permitir que essa singularidade política nos afaste da pessoa que somos? Que destrua nossa humanidade? Que leve embora os valores de um sonho democrático que agora parece ameaçado?

O tempo também é para palavras que podem soar ingênuas. Mas acreditem, elas não são. Eu precisei ter muita coragem para escrever esse texto, sabendo que sou eventualmente cobrada por mim mesma e por outras pessoas, sobre minhas convicções políticas.

Quem conhece o que pesquiso sabe que está tudo aí diluído nesse textão de rede social. Quem me conhece além da academia, entendeu mais ainda. Se por acaso, diante da dinâmica do contexto eu fraquejar e ceder ao germe do fascismo (e estou trabalhando minhas contradições para que isso não ocorra), espero que pelo menos essa mensagem inspire outras pessoas a não fraquejarem onde eu porventura vier a fraquejar.

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