segunda-feira, 27 de julho de 2020

Entrevista: Sérgia A.


E vamos a mais uma entrevista com uma escritora que gosto e que venho aqui compartilhar com vocês! A suavíssima e inspiradora Sérgia A, cujo lançamento do livro terminou sendo o último evento público do qual participei antes de entrarmos todos em quarentena: 


1. Sérgia A. você gostaria de se apresentar para as felizes leitoras, os felizes leitores que aqui aportarem?

R. Olá. Sou escritora... sou escritora... (digo isso como mantra porque foi um custo enorme me assumir como tal), mestra em Letras/Literatura, algumas palavras soltas por aí em Coletâneas e Antologias diversas, plataformas e revistas literárias, revistas acadêmicas  e dois livros em voo solo: Quatro Contos (editora Quimera, 2018)  e Adejo [poemas] (editora Venas Abiertas, 2019).

2. Cheguei a você por meio dos seus ensaios no blog da Revestrés e depois pelo seu último livro "Adejo", com lançamento imediatamente antes da quarentena, no Sebo Papiro. Fiquei encantada pelas imagens que você elabora com tanta sutileza, um adejo das asas de um passarinho. Você prefere a poesia mais sutil, que aquela que esbraveja? Ou vê caminhos em ambas?

R. Obrigada pela leitura. Penso que a arte exige sensibilidade para perceber detalhes em acontecimentos cotidianos e sutileza para reproduzir, mais insinuando do que dizendo, deixando espaço para o percurso do leitor. Ainda assim, a poesia que esbraveja tem o seu momento e, talvez, seu valor esteja exatamente na capacidade de perceber o momento.
O Adejo, pelo formato, exigiu a seleção de poemas curtos que evidenciam o que você percebeu como sutileza.

3. Você acredita que a formação acadêmica mais ajuda ou atrapalha a poesia? Ela não criaria um excesso de regras que podem prejudicar o ato criativo? Falo isso porque no meu caso eu sinto que preciso desmontar várias autoridades internalizadas para testar algumas coisas na escrita que combinam mais com o que gosto de criar- e eu nem sou das Letras, rs. Como acontece seu ato criativo?

R. É interessante isso. Muitas pessoas consideram que a academia engessa. Muitos chegam a dizer: quer escrever? não estude Letras. Para mim foi uma necessidade de autoafirmação. Precisei estudar autores e teorias, trilhar um caminho acadêmico que me oferecesse uma âncora. Como se eu precisasse de validação. Essa âncora fica lá no fundo mesmo, não emerge para intervir na criação. Mas essa é a minha história pessoal, que é carregada de nãos.  
Quanto ao ato criativo, eu não tenho um método. É meio caótico. Sempre se inicia por algo ou situação inesperada que me prende a atenção e faz surgir uma ideia. É um espanto mesmo diante do mundo. Dessa pequena semente, às vezes apenas palavras soltas ou pequenas anotações, nasce um poema, um conto, um texto trabalhado por horas, por dias ou por meses se o tema exigir uma pesquisa, por exemplo.

4. Existem versos em alguns dos seus poemas que se percebe algum engajamento em questões sociais graves do mundo (Assim Falou Caetano: II. Sobre a vida secreta das flores). Não parece ser seu tema recorrente, mas me parece bem evidente que isso não te passa batido como poeta. Como você encara escritores que fazem do seu trabalho uma negação completa dos conflitos do tempo que vivem?

R. Acho que cada um tem o seu caminho, e eu não devo julgar escolhas individuais. Quanto a mim, considero que não escapamos do fato de sermos seres sociais por natureza. Aprendemos a viver em grupo, tribo, sociedade. Tudo que nos cerca nos afeta. Tudo é política. Até a escolha de parecer apolítico. Minha escrita nasce da observação, portanto do tempo e do espaço ao meu redor.

5. Por fim, você pode dizer quais autoras e autores anda gostando de ler ultimamente ou cantoras e cantores que tem ouvido? E o que tem tocado a alma da poeta?

R. Gosto de diversificar as minhas leituras. Para citar alguns contemporâneos que me tocaram ultimamente: a indiana Arundhati Roy (O Ministério da felicidade absoluta), o americano Michael Cunningham (As horas, Uma casa no fim do mundo), o brasileiro Caio Fernando Abreu (contos completos), a canadense Alice Munro (contos)  a nigeriana Chimmanda Adichie (Americanah, Metade de um sol amarelo), a brasileira Maria Valéria Rezende (Outros Cantos, Vasto Mundo),  o angolano/português Valter Hugo Mãe (A Desumanização, Homens imprudentemente poéticos), poetas como Maya Angelou, Adélia Prado, Jussara Salazar, Tito Leite, Adriano Lobão, Nayara Fernandes e Manoel de Barros (sempre).
Quando cito, fico mal. Achando que cometi uma enorme injustiça... por isso a lista fica sem fim.
E ainda tem os clássicos, a quem volto sempre: Tolstoi, Gabriel Garcia Márquez,  Clarice Lispector, Cecília Meireles, Carlos Drummond, E.E. Cummings, Shakespeare, Faulkner, Fernando Pessoa, Florbela Espanca.
Gosto também de autores de outras áreas, como Ailton Krenak, Yuval Noah Harari, Marcelo Gleiser, Antônio Damásio.

Sobre música, gosto de blues e, como muitos da minha geração, escutei muito pop/rock. Mas a minha alma é mais tocada  por vozes marcantes como a da canadense Loreena Mckennitt, e pela música instrumental do cubano Rubén González e do jovem brasileiro Amaro Freitas (que fez clips belíssimos de um encontro com Milton Nascimento e Criolo)

Obrigada pela oportunidade de conversar com você! É sempre um prazer falar de literatura.


O prazer é todo meu, Sérgia A! Que venham novos adejos pela frente! 🐤🌈

Sérgia na varanda do apartamento com um sorriso


Assim Falou Caetano

II – Sobre a vida secreta das flores

elas seguem assim poderosas
sob o sol de quase setembro
ainda que nos portais
a luz se reparta em crimes
atentados terroristas
ameaça de guerras
ou charlottesvilles
há monalysas bonitas
alegria… alegria…





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