sexta-feira, 20 de junho de 2025

Exames Aleatórios de Imagem - Laís Romero

 

Exames Aleatórios de Imagem (2024), Laís Romero, Coleção Diabo na Aula, Ed. Mórula

Com mais um livro da Laís em mãos, fui sossegada de que encontraria algo bom naquelas páginas. Páginas aliás muito bem editadas, com um papel de qualidade, nome ousado na coleção (diabo na aula), páginas de cores alternadas em cinza e um amarelado. A capa, não sei se será um padrão da série, ou coincidência, lembra, de fato, as propagandas geométricas dos anos 2000, dos laboratórios de imagens da cidade. 

O título já nos avisa que encontraremos algumas imagens anatômicas e aí eu devo dizer que fui corajosa, posto que anatomia foi a primeira disciplina do curso de biologia, priscas eras atrás, que me recusei a cursar (a escusa de consciência como dilema ético não era levado em questão na prática, como pode ser levada hoje). Daí foi a porta de entrada para abandonar o curso. Eu havia tido alguma experiência com as feiras de ciência e de anatomia da escola e levei a serio minha reação. Mas que bom que um grande número de pessoas não vê problema nenhum nisso, seja para exercer as áreas de saúde, pesquisa e também a escrita literária, que no caso da autora, é tudo isso ao mesmo tempo.

folha interna com trecho do poema

Mas do jeito que escrevo, fica parecendo que tenho um livro gore em mãos. Ainda que a tragédia da vida e da morte estejam lá, a ironia, o humor e o simbólico, permitem que tenhamos acesso aos corpos, inteiros ou despedaçados, dos temas que Laís nos chama à atenção. O rio, a guerra, a criação, o feminicídio, a notícia, o sonho, a história, a maternidade, o amor e o tarô- e outros mais que surgem do desdobramento destes. O poema que dá nome ao livro, é um itinerário pela memória de alguém que não é ouvida.

O tema da guerra é um dos novos inspiradores da escrita da Laís, pelo menos desde que venho acompanhando seu trabalho, há mais de 10 anos. A violência sempre apareceu aqui e ali, como não é surpreendente quando a escritora é um ser humano mulher (dentre outros marcadores, estudei isso muito tempo, peço desculpas pela recorrência), sensível à certa categoria de sofrimento justamente por sê-la, ainda que caiba a cada uma porção dessas intercessões únicas,  mas... a dimensão da guerra, que é trazida até nós pela internet e pelo noticiário da tv e que contamina as mais variadas formas de arte, mesmo a feita em uma terra que insiste em permanecer longínqua, como a nossa, sobre uma terra que tornaram longínqua, como a Palestina. No nosso caso pelo menos há dúvida a respeito de uma possível escolha.

Se a Susan Sontag vem puxando o fio do novelo das possibilidades éticas de estarmos expostos a essas imagens terríveis de sofrimento distante, a arte surge como uma linguagem (lato sensu), com vocabulários próprios de aproximação ou distanciamento desse horror. E mesmo o Piauí, sempre tão distante da atenção do próprio país e até de si mesmo (estou fazendo aqui uma espécie de apelo), é capaz de abrigar escritoras sensíveis ao genocídio, ao ponto de escrever coisas de uma terrível beleza, como os poemas abaixo, num momento em que grande parte do jornalismo responsável pela divulgação daquelas mesmas imagens, é incapaz de emitir as palavras exigidas para descrevê-las: massacre, genocídio, assassinato de crianças. Se não o fazem por questões ideológicas, religiosas ou de patrocínio, também é algo muito sério. Mas no nosso caso, talvez a nossa complexa distância, herdada da colonização, permita, em uma consequência não desejada, uma liberdade de expressão que precisaria ser mais aproveitada*. Eis os poemas:

poesia de guerra

sem virar o rosto
à fúria do vazio
criado pelo explosivo
ali se calam os gritos 
tantos grudados à margem
do tecido burocrático
aquele lugar errante
onde os nomes
não fazem falta

a poeta palestina

o tempo todo a vida
está só começando
ainda no choro
de abertura pulmonar
alvéolos e brônquios 
árvores e troncos 
só começando
em cada instante

apartar e refazer
descosturar o verso
e remendar o rasgo

um último poema
antes do crime
de guerra

O assunto não é novo entre nós aqui, então seria im-pos-sí-vel que eu não me exaltasse (sim, aqui estou agitada). O pequeno livro de 90 páginas traz outros tesouros, como a jornada de um corpo que você vai acompanhando entre outros poemas que se intercalam com ele e, dentre os poemas dos arcanos do tarô, temos o belo "a temperança" em 4 versos e ainda os estranhos personagens que se arrastam pelo fundo do mar desde o início do livro, que vão ressurgindo. E para quem é do simbólico, há uma conversa a partir do tarô de Marselha que espelha vários dos temas que já apareceram e outros interesses da alma.

Termino esse pequeno texto comentando que já li três vezes o "Exames Aleatórios de Imagem" e ainda digo que, apesar de ser uma pessoa da releitura, não é sempre que um livro me entretém, como ele está fazendo. Como se eu estivesse conferindo o estado atual do imaginário de uma amiga e conversando com ele.

mais um trecho, poema "liquidado"


O que saiu sobre a obra e que pode te interessar!

Geleia Total (2025), "Exames Aleatórios de Imagem" citado entre os lançamentos da Laís. 

Entrevista recente na Revestrés.

Notícia do lançamento do livro no site da Revista Acrobata.

Site Pauta Cultural relaciona os últimos lançamentos da autora (2024/2025).

Fotos do bate-papo na Livraria Entrelivros, site literatura piauiense.

Nossa última postagem com ela foi sobre seu outro livro de poesias "Mátria".

*Eu deixei de fora a coerção social local sobre tantos assuntos políticos nas esferas públicas.

terça-feira, 6 de maio de 2025

flor de sangue, deus do infortúnio

 

a alegria do reencontro 

um cheiro de flor e de sangue

estende a mão 

sente-lhe os ossos no escuro

lê um oráculo viciado 

agradece 

terça-feira, 22 de abril de 2025

8 fantasias excelentes!

Essa postagem é para quem quer entrar de cabeça no mundo dos livros de fantasia, mas não quer recorrer ao lugar comum, aqueles mais mais famosos, sejam polêmicos ou não, não vão aparecer aqui. 🫦

E aí vai! 

1. Trilogia da Terra Partida- NK. Jeminsin: 

Nível: difícil 

Um mundo em ruínas, mas com regras! Pessoas tentando sobreviver, questões ambientais, o racismo e colorismo sendo apresentados como se tivessem chegado a um tipo de extremo manifestado nessas regras e em poderes de alguns poucos escolhidos (ou amaldiçoados?). Não está entendendo nada?? Não se preocupe, o mais importante é seguir junto o caminho das duas protagonistas, uma mãe e sua filha, que estão vivendo em plena quinta estação, que não tem nada a ver com as quatro estações dos tempos comuns. 

Ah! E tem um vilão muito interessante, um dos meus personagens favoritos da história.


2. Duologia Dreamblood- NK Jeminsin: 

Nível: médio 

Sim, nesta casa amamos e respeitamos NK Jeminsin (apesar de eu não ter gostado de Nós Somos a Cidade, desculpe, rainha!). 

Simplesmente MA-RA-VI-LHO-SO! Se você gosta de "místicas", de histórias que se passam em desertos ou que se inspiram em narrativas do Egito antigo (apesar de não ter esse nome) ou nos povo nômades, essa é para você! 

Cidades e povos com relações em níveis diferentes com seus deuses, que também são os acidentes geográficos da região, o mundo dos sonhos e os condutores das regras morais e sociais, vamos acompanhar sacerdotes responsáveis pela vida, pela morte e pelos sonhos das pessoas comuns e da nobreza e também crianças órfãs de todo tipo, que crescem e se vingam ou só querem ficar em paz. Ah e fala de amor, também. ♥️

3. Carry on/ Sempre em frente

Nível: fácil 

Uma trilogia que começa em uma escola de magia, mas não se concentra exatamente nela. O mundo não é o foco da construção da autora, mas sim um trio de jovens diverso, que passam a conviver cada vez mais por conta de problemas que enfrentam. Parece familiar? Porque é! Mas não se preocupe, a história da Rainbow Rowell é bem mais leve, com toques LGBT, que eu particularmente achei adorável. Você lê muito rápido. 

4. A Casa do Mar Cerúleo

Nível: fácil 

Simplesmente a coisinha mais fofa! Começando pela capa! Um dia, o melhor burocrata da empresa, Linus Baker, é enviado para investigar um lar que abriga crianças diferentes, consideradas as mais perigosas de todos os orfanatos. Lá, inclusive, ele encontrará o próprio filho do capeta em pessoa, o pequeno Lúcifer.

A história fala de superação das diferenças e sobre família encontrada. Recomendo fortemente ele e a sua sequência, que saiu faz pouco tempo em inglês: Somewhere beyond The Sea. 

5. Mistborn

Nível: médio/difícil 

Até parece que eu gosto de distopia! Mas a verdade é que é empolgante demais acompanhar esse grupo de pessoas tentando derrubar um tirano, enquanto voam pela cidade com seus poderes vindos do metal. Opa! Só alguns conseguirem voar, são os tais Mistborn, nascido das brumas, um conceito que vai se aplicando a medida que você vai se aprofundando nesse mundo. Até agora minha trilogia favorita é a da primeira era, mas se você gostar tanto do universo que o Sanderson vai criando lá, pode continuar pela segunda era e mais livros da famosa Cosmere

6. Mar Sem Estrelas

Nível: médio 

Para quem gosta de fantasia bem viajada, sem necessariamente um fim, se estendendo por vários fios além dos nossos personagens principais: este é o livro. O jovem Esdra um dia recebe um convite para um baile de máscara onde as pessoas vão fantasiadas de personagens de livros. Curioso sobre a festa e querendo saber mais a respeito de um livro misterioso que contém parte de sua própria história, ele se envereda por corredores, florestas, mares e colmeias, para juntar os pedaços de si e dessa história. 

É muito lindo! 

7. Enraizados (volume único!):

Nível: fácil/médio 

Eu sou fascinada por livros que falam sobre florestas sombrias e nesse temos uma com uma boa história ao redor dela. A personagem principal não é insuportável, o que já é um ponto positivo para esse tipo de livro jovem e mundo, apesar de ir se revelando à medida a mocinha amadurece com seus poderes, vai prendendo a leitora. O romance não atrapalha o desenvolvimento da história e não é o foco. O par dela (o dragão) é carismático, adoro ele. 

Mas como eu falei antes: foco na floresta, que você vai se dar bem. 😉

8. Os Noivos do Inverno

Nível: médio/difícil 

Esse é o título é o nome do primeiro livro dessa quadrilogia excelente para quem gosta de construção de mundo (um mundo partido e flutuante!) e um desenvolvimento bem lento da relação entre os personagens. Apesar do título, não se trata realmente de um romance romântico e mais de uma aventura de Ofélia e Torn, tentando desvendar os mistérios que aparecem diante deles, que parecem tentar eliminá-los a qualquer custo. No meio disso vão tentando se entender, com suas personalidades e poderes bastante complicados. 

O que eu posso dizer? Eu adorei cada página dessa quadrilogia e dei um jeito de eu mesma traduzir a versão em francês do último volume, assim que saiu. Para nossa sorte, eles todos já foram traduzidos para o português. Mas já aviso: chorei horrores no final. 🤧


🚨 Eu decidi parar por aqui. Vou apenas ressaltar que sim deixei de mencionar mais alguns Sandersons e TODOS os livros de fantasia chinesa que adoro. Principalmente porque boa parte deles ainda está sendo traduzido para o português, enquanto outros nem sequer previsão tem... 🥲 Mas já digo que farei uma postagem para incluí-los mais adiante. 

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