Margot Robbie como Barbie em sua casa rosa da Barbie |
Originalmente publicado na newsletter Clube de Profecias, nov./2024*
Após alguns meses, consegui assistir um filme completo! O felizardo da vez foi Barbie (2023), um filme que tem o mérito de dar uma ótima provocada no meio do entretenimento, usando algumas críticas feministas como fundo do mundo cor de rosa da boneca mais popular do mundo.
Coincidentemente, estou em leitura avançada de um livro da bell hooks, Comunhão, em um trecho que remete ao apoio de um círculo de mulheres, em momentos de encararem a verdade sobre si mesmas, inclusive a respeito das promessas situadas e dos limites do feminismo do seu tempo.
Não chega a ser realmente leve a abordagem, porque eu tenho certeza que se você já entrou em crise, do ponto de vista da sua condição de mulher em uma sociedade capitalista, você deve ter verbalizado ou pensado algumas das questões que a “Barbie Estereotipada com mau-funcionamento” faz quando entra em crise.
O humor dos “Ken” é muito bom. Um tanto de constrangimento, um tanto de pout-pourri satirizando símbolos masculinos da cultura pop e um exercício da diretora e roteiristas de pensar qual o papel de um ser que vive em função de outro, quando esse outro não quer estar mais lá.
A amiga grávida da Barbie, pareceu muito uma fofoca maldosa e real de qualquer periferia mundo afora. Como também aquele peso que essa geração de Barbies representou de que ter filhos é uma vergonha na vida de uma mulher (seres que têm úteros “funcionais” em partes da vida ou não), que coisas biologicamente vinculadas a esse tipo de corpo, desde a menstruação (ter ou não), engravidar (se tem ou não filhos), se aborta ou não aborta, tudo tem uma grande facilidade da espetacularização, se a finalidade for alcançada, que é controlar e reduzir essas sujeitas a um objeto dócil e maleável ao modo de produção econômica (como uma boneca). Sobre esse assunto, os órgãos reprodutores da Barbie e do Ken (ou a ausência deles) têm pelo menos dois grandes momentos na tela.
Aqui em casa a Barbie foi meu brinquedo do ano duas vezes. Mesmo em uma casa pobre, sem carro, sem forro, com um quarto para três crianças, a boneca, em sua versão mais simples, mas original (isso era importante) , estava presente e era muito querida por mim. Desde antes da onda atual de bonecas pluralizadas, minha mãe também me comprava bonecas negras, mas quis me fazer essa vontade. Aliás, dona Joseny nunca foi de negar aos filhos o que poderia oferecer, desde brinquedos até uma boa escola, com sacrifício. Ela não ligava se seria julgada ou não, nem nisso, nem em relação a quase nada na vida, para falar a verdade- até porque geralmente o julgamento vinha sobre coisas que envolvia a liberdade dela, por exemplo. E é óbvio que ela merecia ter tido mais ajuda do meu pai nessa parte, mas nada disso havia começado ali e eu teria que voltar algumas décadas para oferecer mais contexto, o que não é meu objetivo aqui ainda.
Então as Barbies, Skipper e Ken, conviviam com minha “chuquinhas", meus bebês articulados e meus móveis feitos de caixa de fósforo, caixa de pasta de dente e caixa de sapato. Claro que eu poderia entrar aqui no tema da projeção física em uma boneca com feições irreais, uma mulher branca padrão. Mas o que me lembro agora é que a consciência da Nayara criança tornava todas as suas Barbies campeãs olímpicas, cientistas e vencedoras do prêmio Nobel (tem uma referência dessas no filme). Elas também eram mães das chuquinhas de todas as cores e também tinham poderes de fada e passavam as férias numa fazenda no pé de uma montanha encantada (um pé de goiaba).
O livro da bell hooks, por sua vez, envolve vários temas que eu nunca tive muito interesse em pesquisar, mesmo estudando um recorte do feminismo durante tantos anos e eu consigo perceber que esse desinteresse começou bem lá trás, talvez as primeiras antipatias residindo até antes mesmo da Barbie fazer parte do meu elenco de brinquedos. Tudo o que fosse tão explicitamente “de mulherzinha” eu detestava. Era meu paradoxo infantil: amar bonecas e detestar ser medida sob a régua “de mulherzinha”, porque me diminuía, nunca parecia uma coisa boa. E o livro da bell hooks finca o pé em todas essas coisas que, segundo ela, o feminismo negligenciou, mas que era muito importante para o mundo das mulheres, como o amor (coisa de mulherzinha?), e aí você precisa entender o amor como algo bem mais maduro que o que a cultura pop diz que é e também que algumas religiões hegemônicas dizem que é. Estou terminando a leitura, mas acho que ele é muito bom para mulheres da geração da minha mãe especialmente, há algo ali que começa geracional e que depois vaza para o restante de nós.
Mas essa coisa de ter aversão a um certo padrão esperado pelas mulheres pode revelar coisas importantes e cruéis a respeito de uma dos aspectos da nossa falta de amor: o amor próprio. Melhor que eu, você encontra esse assunto no pequeno livro de bell hooks, sem a conhecida maquiagem neoliberal desse tipo de livro, ela vai desenvolvendo seus pontos de vista de modo pessoal e histórico (EUA) de um modo que todos os gêneros podem tirar bons insights dessa espécie de convocação que ela faz.
E também recomendo o filme da Barbie 💗