Apesar de sempre me abalar com os crimes hediondos (tipificados ou não) que fico sabendo, infelizmente, não lembro de todos os nomes e muito menos de todos os rostos das vítimas. Talvez uma maldição da mente humana, talvez uma bênção. Não sou capaz de decidir isso ainda.
Só posso dizer que da Cláudia Ferreira da Silva eu me lembro. Cláudia Ferreira da Silva que, dois anos atrás, ao sair à padaria para comprar pão, como fazia todos os dias, naquele dia, especificamente, não conseguiu comprar o pão. Nem o leite, ou o bolo de sal, da listinha que provavelmente trazia no bolso de trás. Ou talvez não trouxesse, já que poderia ter sido agraciada com um memória melhor que a minha, com um dom comum de acontecer com as donas de casa e mães. Talvez pensasse no aniversário dos gêmeos que seria daqui uns dias. Não tenho como saber, mas imagino assim.
Cláudia Ferreira da Silva levou um tiro quando ia comprar o pão. Bem perto de casa, como eu mesma faço aqui no meu bairro de periferia. Levou um tiro da violenta polícia militar do RJ, que também são outros seres humanos barbarizados- pela sua própria instituição. O que alguém barbarizado faz? Torna-se bárbaro. É óbvio.
Não fosse o bastante, além de ter levado um tiro por ser um corpo negro em uma favela no momento errado (?), Cláudia Ferreira da Silva foi jogada no porta-malas da viatura. Como um bicho morto. Não, menos. Como um corpo negro morto, segundo nossa historiografia passada e recente. O corpo de Cláudia Ferreira da Silva não quis seguir assim. Não coube na viatura, parecia querer ganhar a liberdade. Quem dera. O corpo de Cláudia Ferreira da Silva, mal arranjado no camburão, escorregou e foi arrastado por cerca de 350 metros. TREZENTOS E CINQUENTA METROS. Até que os policiais dessem conta.
A dolorosa cena foi gravada por um cinegrafista amador e veiculada nos portais dos jornais.
Passaram-se dois anos (março) e fico sabendo que sequer houve julgamento de algum dos 6 acusados do crime. Ainda que eu tenha minhas críticas à ideia do encarceramento como punição, essa é uma saída que a sociedade exige. O Estado exige. Curiosamente, este não parece ser o tipo de caso que os agentes estatais se sentem à vontade de julgar. E não me parece ser por conta corpo arrastado de Cláudia Ferreira da Silva. Penso que é algo mais vil como: negligência, a burocracia relegada aos pobres, algum corporativismo estatal e provavelmente até medo de cumprir o dever e sofrer algum tipo de perseguição. Divago. Mas divago dentro de mundos possíveis do desenrolar da tragédia brasileira sofrida por uns mais que por outros.
Cláudia Ferreira da Silva, não te esqueci.
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