Hoje eu continuo com as postagens sobre as escritoras contemporâneas do meu estado. Quem quiser ir atrás dessa série, pode clicar aqui e aqui.
Ananda Sampaio- escritora |
Agora, é com grande prazer que falo um pouco sobre uma artista que reúne as duas características do título dessa postagem: a Ananda Sampaio. Conheci a Ananda, por conta do Coletivo Leituras, que é um grupo de leituras de obras literárias, que ela organizava com sua irmã, a Raissa Sampaio e a Eulália Teixeira. Os encontros ocorriam uma vez por mês, na livraria Entrelivros, na cidade de Teresina. Do Coletivo, ainda participavam a Lara e a Laís, a Jullyane e até eu mesma compareci durante um tempo.
A Ananda foi um dos bons encontros que a literatura me proporcionou. Passei a acompanhá-la nas redes sociais e, que boa surpresa tive, confirmando logo o elogio que a amiga Laís Romero fez dela, ao me dizer que era uma das melhores cronistas do estado. E isso você pode conferir, acessando o blog dela aqui ou, sua página do facebook aqui .
Arrisco a dizer que não é por acaso que a moça se
chama Ananda, um dos sábios amigos de Siddhartha Gautama, o Buda. Sem apelar
para os excessos de erudição, erro comum em quem se aventura pela crônica, ou
para o sarcasmo, tão comum quanto aquele, Ananda usa sua escrita clara e cheia
de emotividade, para compartilhar seus pensamentos sobre muitos dos assuntos
que fluem nas redes, transformando a trivialidade da postagem feicebuqueana.
Mas não só. Sampaio eventualmente nos brinda com suas memórias afetivas para
dar um certo colorido a temas mais subjetivos e de alcance
"universal". Não tenho dúvidas de que sua autora preferida, Clarice Lispector, se orgulharia de seus escritos. Como característica mais particular, Ananda também privilegia um tanto do modus vivendi do
piauiense, a partir de suas próprias experiências. Posso dizer que tem sido um regalo poder acompanhar
essa criação.
O bom é que trabalho da escritora começa a ser encontrado em
livro. Assim como Cynthia Osório, Ananda tem sua parte na coletânea, "Baião de
Todos", organizado pelo professor Cineas Santos, conforme já mencionei aqui.
Além disso, neste mês de abril, já tivemos uma
espécie de teaser do lançamento de seu livro solo. É uma grande alegria, que
Ananda não esconde: “Neste mesmo mês, que guarda o elemento fogo, vou lançar um
livro. E não é à toa que não consigo dizer: “meu livro”, é justamente, porque
naquelas páginas habita gente. E foi desse monte de gente, dessas mãos que
escreveram a minha vida junto comigo, que veio esse livro. Do amor que dei e
recebi, dos braços que me agarraram, dos beijos tácitos que me alimentaram, dos
conselhos duros que me foram confiados, das lágrimas que debulhei junto a essas
pessoas, dos sorrisos que retribui e também daqueles que dei de graça sem
qualquer medo de ser ignorada. Esse livro tem a alma das minhas avós, a sombra
do amor do meu marido, a minha insatisfação com a vida que a gente teima em
estreitar.” Que beleza! A capa do livro “O
vestido”, você pode conferir aqui embaixo:
Mas quando a gente pensa que a Ananda Sampaio se
restringiu à crônica, eis que vem, por email, poemas inéditos que a escritora
disponibilizou para o blog do passarinho. Os versos encarnam bem algumas das temáticas que a escritora expõe nas crônicas. A emoção à flor da pele também não poderia deixar de estar presente, bem como um feminino feminista, tão caro à nossa geração. São quatro joinhas, para compartilhar
com vocês:
Na cidade que pouco se arvora
Preciso de delírios, sinapses emotivas
Motivos florais, designações verbais
Galhos em direção ao sol
Na cidade onde as pessoas são quase pedras
Habito uma casca, conservo-me borboleta
Na cidade de tantos ilícitos pregadores
Visto bem o manto do pecado desavergonhado
Na cidade dos homens de roupa engomada
Uso estampas em excesso e não tenho ferro de passar
Vejo lírios nas estrias do tecido
Declaro-me Iemanjá
Carrego os pedregulhos que deixam à beira do altar
Para que as águas possam carregar.
Arbóreo
Árvores são brinquedos
Podem ser também telhado
E querem também um abraço apertado
A pele na casca
As folhas, tapete que estala
Galhos, poltronas improvisadas
Para o teatro da vida
Senta lá, menino
Ergue o braço e captura uma fruta
Abre a boca, crava os dentes
Escorre pelas laterais
O sumo da vida
O manto
Mulheres choram escondidas no
banheiro
Porque não podem quebrar a paz do lar
As lágrimas se confundem com a água
que cai do chuveiro
Se não fossem os soluços...
Uma mulher triste passaria
imperceptível.
Os brincos da avó
O
mar é o útero da Terra
Isso
eu te disse naquela quase noite
Quando
saía de dentro do espelho de Deus
Baleias,
peixes, sereias e tubarões
Até
o brinco de madrepérola da minha avó veio de lá - pensei
O
que eu não te disse é que faço 31 anos
E
que meu coração sofre de uma doença ocular-degenerativa
Está
cego, pego pelo glaucoma
E
eu compassadamente não sei mais o que desejo
Lembrei
dos navios naufragados
Gigantescas
estruturas de ferro
já
transfiguradas no mundo marinho
Com
as plantas se enroscando em seu esqueleto
Estávamos
ali e eu naufragava
frente
a teus olhos nus
Insignificante
barquinho de pesca
Tento
retirar a água que adentra
Com
um balde
A
vazão é grande
Não
sei se afundarei.
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