quarta-feira, 26 de abril de 2017

Resenha: Frankenstein ou o moderno Prometeu.

Mary Shelley

SHELLEY, Mary. Frankenstein ou o moderno Prometeu. Martin Claret: Rio de Janeiro, 2012.

O livro Frankenstein, de Mary Shelley, foi concebido no ano de 1817, em uma visita que a autora e seu marido fizeram a Lord Byron. Fruto de uma aposta entre os convivas daquelas férias, onde cada um dos participantes deveria escrever um conto de terror, Shelley, que de início não se mostrara muito empolgada, terminou por permitir-se inspirar pelo momento. Sendo filha de Mary Wollstonecraft, não era desconhecido da autora a expectativa que gerava quanto a uma possível obra vinda de si, que inclusive o próprio marido alimentava. Até então, ela havia se contentado em ser uma entusiasta de estudos em geral para seu próprio esclarecimento, não nutrindo ambições de fama na escrita literária, atarefada que era com as viagens de sua família e os afazeres do lar. Tudo mudou com aquela visita a Lord Byron.
O livro é dividido em Introdução, acrescentada pela autora em 1837, o Prefácio, único trecho escrito pelo marido de Mary Shelley e o próprio conteúdo da obra, dividido entre 5 cartas e 24 capítulos. Como não era incomum em sua época, Mary Shelley tem parte de seus escritos apresentados como um romance epistolar, com quatro das cartas logo de início, antes da história da criação do Monstro ser contada e uma última, narrando o desfecho dele e de seu criador. Os vinte e quatro capítulos são o “miolo” da obra.
A história criada por Shelley, acontece principalmente na Suíça, terra onde nasce Victor Frankenstein, a personagem que dá nome à obra. Victor, que desde criança apresentou uma insaciável sede de conhecimento, primeiro dedicou-se, ainda adolescente, aos estudos da alquimia, fascinado pelo tipo de buscas que os sábios dessa arte perdida realizavam. Seus primeiros estudos aconteceram em ambiente doméstico e nos arredores do lar. Sua mãe e seu pai incentivavam seu espírito determinado e ele também era acolhido por Elizabeth, criada como sua prima e prometida como “sua” desde o momento que seus pais adotaram e salvaram a linda e angelical criança loura, das mazelas da pobreza. Victor, mais velho, ainda tinha dois irmãos William e Ernst, além do grande amigo, Henry Clerval.
Como um alerta tenebroso, a mãe de Victor Frankenstein falece no dia que o rapaz deveria ir a Ingolstadt, na Suíça, entrar na universidade. Ignorando qualquer traço premonitório nesse fato, Victor Frankenstein apenas adia, em algumas semanas, sua entrada ao mundo acadêmico, que selará seu destino e de sua família.
Chegando a Ingolstadt, apressa-se a se apresentar a seus professores. Shelley nos proporciona dois professores de personalidades opostas. O professor Krempe, mais ríspido e com maneiras pouco esmeradas, que se espanta e ri dos conhecimentos alquímicos de Frankenstein, já não só ultrapassados, como duramente desacreditados pelos avanços das ciências do seu tempo. E o professor Waldman, que também se surpreende com o domínio da alquimia pelo seu novo pupilo, mas em vez de ridicularizá-lo, tenta encaixar a alquimia, como uma fase ultrapassada, mas necessária para que as ciências chegassem onde estavam. Desse modo, Frankenstein, autodidata em alquimia, agora precisaria correr atrás do que ignorou em sua busca pelo conhecimento, isolado de um possível diálogo científico construtivo- isolamento esse desenvolvido desde criança, em outros níveis e que também contribui para o desfecho da obra.
Estando devidamente adaptado a um estudo incessante quando se via tomado pelo que acreditava serem grandes temas e ideias, Frankenstein não só alcançou seus colegas, fazendo prodigioso progresso, como os ultrapassou, sendo considerado já um igual por seus professores. E, sim, ele havia encontrado, a partir de seus estudos com eletricidade e galvanização, uma grandiosa ideia a qual perseguir: a imortalidade.
De certo modo, vemos Frankenstein apenas alterando seu o método, já que em seus estudos alquímicos, a pedra filosofal não havia passado indiferente a ele. A ciência se convertia em sua nova pedra filosofal e o resultado disso iria além das consequências que o jovem mestre esperava. Unindo eletricidade ao conhecimento da anatomia humana, Frankenstein não hesitou em profanar corpos humanos, já sem vida, para construir sua obra: um ser vivo imortal. O ser perfeito. 
Porém, sua criação não saíra exatamente como ele esperava. Em vez de belo, era um  gigante de mais de 2 metros, fisicamente repulsivo, o que horroriza a tal ponto Frankenstein, que foge, sem sequer constatar de fato, do que ou quem era aquele que acabara de criar.
E nesse momento, o caminho dos dois, criador e criatura, separa-se, por pelo menos dois anos. 
Frankenstein, tendo a estrutura física e emocional fragilizadas pelo processo de criação do que passou a chamar de Monstro precisou ser amparado por Clerval, seu amigo, a quem o pai comerciante havia permitido também estudar em Ingolstadt. 
De fato, Clerval é a personagem de maior proximidade de Frankenstein. É a ele que o cientista trata como igual, ao contrário do modo como estabeleceu desde o início, sua relação com Elizabeth ou mesmo com o Monstro. A primeira sendo tratada como uma espécie de posse sua, um belo objeto querido e o segundo, como algo a ser totalmente rejeitado, mas que se mostrou ser mais moralmente complexo do que o juízo que seu criador fazia- a partir de uma relação problemática entre beleza e bondade, a qual percorre toda a obra.
O Monstro, abandonado e rejeitado por sua aparência não só pelo criador, mas por cada pessoa que se depara com ele em seu caminho, consegue abrigo em uma espécie de celeiro contíguo a um pequeno casebre, onde morava uma família francesa. Ouvindo e observando a família diariamente e de posse de alguns livros, como o Paraíso Perdido, de Milton e os escritos de Plutarco, o Monstro consegue começar a compreender o mundo humano no qual fora lançado e largado sem qualquer ajuda ou explicação.
No início, nutre esperanças de que poderia ser aceito e amado, apesar da sua aparência repugnante (já havia aderido a essa conclusão), se as pessoas o escutassem e compreendessem que ele tinha boas intenções. Era sensível, apreciava a mudança das estações e de luz, além de ser vegetariano. A família que observava às escondidas, parecia emanar bons sentimentos, o suficiente para acolhê-lo e foi a ela que decidiu recorrer. Um dia em que o sr. De Lancey, membro cego da família, estava só, tentou explicar sua situação e pediu ajuda. Sem ser visto, ele corretamente acreditou poder começar a ser ouvido. Conseguindo comover o sr, De Lancey, que se mostrou disposto a ajudá-lo, não teve tempo de prosseguir com sua tentativa de ser aceito. A certa altura, os demais moradores da casa retornam e, diante da enorme e horrenda figura, enxotam de maneira cruel o Monstro que parecia ameaçar o patriarca.
Profundamente magoado, foge e então é tomado pela fúria, incendiando a casa, assim que descobre que seus moradores mudaram-se sem que ele soubesse para onde. 
Continua sua caminhada em solidão, alimentando-se das frutas e raízes que encontra. Prossegue em suas reflexões sobre a bondade humana e sobre um lugar que ele pudesse ter na sociedade deles (nossa). Em meio a suas andanças (ou fuga, já que estava sendo perseguido pelos moradores do vilarejo que abandonou depois do episódio com o sr. De Lancey), ainda encontra uma moça se afogando em um rio. Tenta salvá-la, mas quando está com ela nos braços, um homem aparece, toma a moça e o ataca com um tiro, pensando que o Monstro havia matado-a. 
Depois disso, mais revoltado ainda com os humanos, conclui que jamais teria um lugar seu e que em vez de bondade, só havia conhecido o desprezo, a crueldade e a repulsa daqueles que esperava acolhimento e compreensão. Todos esses fatos contribuíram para que, agora, focasse definitivamente naquele que concluiu ser o responsável pelo seu destino: seu criador.
Este estava se restabelecendo, depois de muito tempo adoentado pela dedicação ao trabalho que abandonara. Quando decide retornar ao lar, seu caminho volta a encontrar-se com o da sua criação.
Isso ocorre quando o Monstro mata o irmão mais novo de Victor Frankenstein. Havia tido a ideia de conseguir uma criança para educar, já que supostamente ela ainda não havia adquirido os preconceitos da espécie, de modo que pudesse aceitá-lo, tornando-se sua companhia. Sendo repelido por William e descobrindo o parentesco dele, mata-o. Ainda por cima, incrimina Justine, que ajudava a criar William, ao concluir que ela seria uma mulher que jamais o amaria. Justine é condenada à morte, culpada pelo assassinato da criança.
A partir daí Frankenstein entende que está sendo perseguido pelo Monstro e que este planeja sua completa destruição. Quando se reencontram, finalmente, num dos lugares da infância de Victor, a criatura fala sobre sua solidão, culpa o criador pelo abandono e o coage a criar-lhe, agora, uma companheira, que comeria raízes e frutos como ele e que iria morar no selvagem Novo Mundo, deixando a civilização em paz. Aqui é interessante notar que, se Frankenstein surge como o “Moderno Prometeu”, o Monstro seria o novo Adão e a futura companheira a nova Eva, no Jardim do Éden possível ao imaginário de Shelley à época, a América do Sul.
De início, Victor concorda, sente-se, já não sem tempo, responsável pelo que criou e de certo modo, parece acreditar na promessa do Monstro. Viaja para a Inglaterra com Clerval, sob o pretexto de estudos e pesquisa e de lá vai para alguma ilha perdida na Escócia, agora sozinho, para criar a noiva da criatura, ele mesmo noivo de Elizabeth, que o esperava para o casamento, assim que retornasse.
Quando estava ao fim de sua mais nova criação, Victor foi tomado novamente por um novo sentimento de repulsa, ao seu que agora considerava ignóbil. Some-se a isso, uma aparição repentina da sua primeira criatura na ilhota em que se encontrava, demonstrando alegria ao ver que seu sonho de ter uma companhia estava em processo de conclusão. O resultado dessa visita não esperada foi um cientista furioso, destruindo aquela que nunca chegou a ter vida, como o Monstro esperava. Tendo presenciado o desfecho que Victor deu a promessa que havia feito e a sua noiva, a criatura de Frankenstein levou adiante sua vingança.Matou Clerval, o grande companheiro de Victor, tendo ainda recaído sobre este a suspeita da morte. 

Retornando à sua casa, já livre das suspeitas, onde Elizabeth esperava para o casamento, Victor ainda arrasado pela morte do amigo e com a certeza que a tragédia se estenderia a ele pessoalmente, em sua noite de núpcias, como o Monstro lhe havia ameaçado, decide prosseguir com a cerimônia. Enente que não há como fugir, por isso acredita estar enviando um recado direto. Garante antes à sua noiva, que compartilharia com ela o segredo do porquê todas essas tragédias pareciam rondar a família.
A culpa, o medo, a autossuficiência alimentada desde a infância, a busca sem limites por um destino grandioso, que acreditava ser alcançado solitariamente, fez com que Victor tivesse guardado para si, toda a origem desses eventos macabros que passaram a lhe seguir os passos, colocando a vida de tantas pessoas em risco.
Infelizmente, ainda não seria sua esposa a pessoa para a qual revelaria a trajetória e resultado de suas pesquisas irrefletidas. O Monstro, que parecia aproveitar-se de uma tendência ao solipsismo do seu criador, que pensava que seria a vítima da vez da criatura, simplesmente preferiu ir atrás de Elizabeth, que estava sozinha, no leito de núpcias. Deu ao seu criador o gosto de perder a companheira, como ele havia feito antes ao destruir sua segunda criação.

Inconformado com a morte da sobrinha de criação, Alphose Frankenstein, pai de Victor, morre poucos dias depois. Apesar de Shelley não ter mencionado, acredita-se que Ernest, o outro irmão de Victor, também fora morto pelo monstro.

O cientista tenta relatar seu caso ao juiz da cidade, finalmente explicando seus experimentos e criação, não sendo, obviamente, acreditado em termos oficiais, o que não lhe permitia requerer uma equipe de buscas pelo paradeiro do monstro.

Os últimos dias de vida de Victor Frankenstein passam-se em perseguição de sua criatura, com o objetivo de destruí-la. O monstro, tendo compreendido a intenção de Victor, parece ter encontrado um modo de sustentar alguma relação com seu criador, buscando incentivar a perseguição: permitia ser avistado quando se distanciava muito, deixando comida pelo caminho (carne, que o próprio monstro não comia). Até que, já no polo norte, Victor, com as forças já no fim, encontra o navio daquele que seria o relator da sua história ao mundo, Walton, comandante de um navio de exploratório, com a alma tão tomada pelo sonho de grandeza e com a expectativa de uma amizade profunda, como um dia o próprio Victor havia sido.
São as cartas de Waldon escritas para sua irmã, Margaret, a partir do relato de um Victor já à beira da morte, que começam nossa história; assim como é uma delas que a conclui, já depois do falecimento do cientista. A última carta conta o encontro da criatura, com o corpo de seu criador, já no caixão.
O relato de Waldon descreve uma criatura em intenso conflito de emoções, alguém que não teve tempo, experiência e ensinamentos suficientes para lidar com a complexidade dos sentimentos humanos que herdara. Ao mesmo tempo que lança imprecações a Victor, acusando-o de egoísmo e reivindicando sua morte, o Monstro fala de sua angústia, ao matar as pessoas sob a influência da ira. No mesmo corpo residia o ódio, o remorso, a inveja, o arrependimento, sendo que o que entendemos como boas emoções para ele significava claramente a dor, já que não havia lugar para ele, enquanto monstro, expressar-se de modo benevolente no mundo humano. Então preferiu alimentar o oposto do amor e da solidariedade, já que esse avesso geravam emoções que a um monstro era permitido ter.
A criatura desaparece, prometendo criar uma pira, onde seu corpo seria consumido e a obra de Victor Frankenstein jamais pudesse voltar a ser tentada.

Ps. Resenha feita para uma disciplina linda do doutorado <3


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