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Mary Shelley |
SHELLEY, Mary. Frankenstein ou o moderno Prometeu.
Martin Claret: Rio de Janeiro, 2012.
O livro Frankenstein, de Mary Shelley, foi
concebido no ano de 1817, em uma visita que a autora e seu marido fizeram a Lord Byron. Fruto
de uma aposta entre os convivas daquelas férias, onde cada um dos participantes
deveria escrever um conto de terror, Shelley, que de início não se mostrara
muito empolgada, terminou por permitir-se inspirar pelo momento. Sendo filha de
Mary Wollstonecraft, não era desconhecido da autora a expectativa que gerava
quanto a uma possível obra vinda de si, que inclusive o próprio marido alimentava. Até então, ela havia se contentado em ser uma entusiasta de estudos
em geral para seu próprio esclarecimento, não nutrindo ambições de fama na
escrita literária, atarefada que era com as viagens de sua família e os
afazeres do lar. Tudo mudou com aquela visita a Lord Byron.
O livro é dividido em Introdução, acrescentada pela autora em
1837, o Prefácio, único trecho
escrito pelo marido de Mary Shelley e o próprio conteúdo da obra, dividido
entre 5 cartas e 24 capítulos. Como não era incomum em sua época, Mary Shelley
tem parte de seus escritos apresentados como um romance epistolar, com quatro das
cartas logo de início, antes da história da criação do Monstro ser contada e uma última, narrando o desfecho dele e de seu
criador. Os vinte e quatro capítulos são o “miolo” da obra.
A história criada por Shelley, acontece principalmente na Suíça, terra onde nasce Victor
Frankenstein, a personagem que dá nome à obra. Victor, que desde criança
apresentou uma insaciável sede de conhecimento, primeiro dedicou-se, ainda
adolescente, aos estudos da alquimia, fascinado pelo tipo de buscas que os
sábios dessa arte perdida realizavam. Seus primeiros estudos aconteceram em
ambiente doméstico e nos arredores do lar. Sua mãe e seu pai incentivavam seu
espírito determinado e ele também era acolhido por Elizabeth, criada como sua
prima e prometida como “sua” desde o momento que seus pais adotaram e salvaram
a linda e angelical criança loura, das mazelas da pobreza. Victor, mais velho,
ainda tinha dois irmãos William e Ernst, além do grande amigo, Henry Clerval.
Como um alerta tenebroso,
a mãe de Victor Frankenstein falece no dia que o rapaz deveria ir a Ingolstadt,
na Suíça, entrar na universidade. Ignorando qualquer traço premonitório nesse
fato, Victor Frankenstein apenas adia, em algumas semanas, sua entrada ao mundo
acadêmico, que selará seu destino e de sua família.
Chegando a Ingolstadt,
apressa-se a se apresentar a seus professores. Shelley nos proporciona dois
professores de personalidades opostas. O professor Krempe, mais ríspido e com
maneiras pouco esmeradas, que se espanta e ri dos conhecimentos alquímicos de
Frankenstein, já não só ultrapassados, como duramente desacreditados pelos avanços das
ciências do seu tempo. E o professor Waldman, que também se surpreende com o
domínio da alquimia pelo seu novo pupilo, mas em vez de ridicularizá-lo, tenta
encaixar a alquimia, como uma fase ultrapassada, mas necessária para que as
ciências chegassem onde estavam. Desse modo, Frankenstein, autodidata em
alquimia, agora precisaria correr atrás do que ignorou em sua busca pelo
conhecimento, isolado de um possível diálogo científico construtivo- isolamento
esse desenvolvido desde criança, em outros níveis e que também contribui para o
desfecho da obra.
Estando devidamente
adaptado a um estudo incessante quando se via tomado pelo que acreditava serem
grandes temas e ideias, Frankenstein não só alcançou seus colegas, fazendo
prodigioso progresso, como os ultrapassou, sendo considerado já um igual por
seus professores. E, sim, ele havia encontrado, a partir de seus estudos com
eletricidade e galvanização, uma grandiosa ideia a qual perseguir: a
imortalidade.
De certo modo, vemos
Frankenstein apenas alterando seu o método, já que em seus estudos alquímicos,
a pedra filosofal não havia passado indiferente a ele. A ciência se convertia
em sua nova pedra filosofal e o resultado disso iria além das consequências
que o jovem mestre esperava. Unindo eletricidade ao conhecimento da anatomia
humana, Frankenstein não hesitou em profanar
corpos humanos, já sem vida, para construir sua obra: um ser vivo imortal. O
ser perfeito.
Porém, sua criação não
saíra exatamente como ele esperava. Em vez de belo, era um gigante de mais de 2 metros, fisicamente repulsivo, o que horroriza a tal ponto Frankenstein, que foge, sem sequer constatar
de fato, do que ou quem era aquele
que acabara de criar.
E nesse momento, o
caminho dos dois, criador e criatura, separa-se, por pelo menos dois anos.
Frankenstein, tendo a
estrutura física e emocional fragilizadas pelo processo de criação do que
passou a chamar de Monstro precisou
ser amparado por Clerval, seu amigo, a quem o pai comerciante havia permitido
também estudar em Ingolstadt.
De fato, Clerval é a
personagem de maior proximidade de Frankenstein. É a ele que o cientista trata
como igual, ao contrário do modo como estabeleceu desde o início, sua
relação com Elizabeth ou mesmo com o Monstro. A primeira sendo tratada como uma espécie de posse sua, um belo objeto querido e o segundo, como algo a ser totalmente
rejeitado, mas que se mostrou ser mais moralmente complexo do que o juízo que seu criador
fazia- a partir de uma relação problemática entre beleza e bondade, a qual percorre toda a obra.
O Monstro, abandonado e rejeitado por sua aparência não só pelo
criador, mas por cada pessoa que se depara com ele em seu caminho, consegue
abrigo em uma espécie de celeiro contíguo a um pequeno casebre, onde morava uma
família francesa. Ouvindo e observando a família diariamente e de posse de alguns livros,
como o Paraíso Perdido, de Milton e os escritos de Plutarco, o Monstro consegue começar a compreender o
mundo humano no qual fora lançado e largado sem qualquer ajuda ou explicação.
No início, nutre esperanças de que poderia
ser aceito e amado, apesar da sua aparência repugnante (já havia aderido a essa
conclusão), se as pessoas o escutassem e compreendessem que ele tinha boas
intenções. Era sensível, apreciava a mudança das estações e de luz, além de ser vegetariano. A família que observava às escondidas, parecia emanar bons
sentimentos, o suficiente para acolhê-lo e foi a ela que decidiu recorrer. Um
dia em que o sr. De Lancey, membro cego da família, estava só, tentou explicar
sua situação e pediu ajuda. Sem ser visto, ele corretamente acreditou poder
começar a ser ouvido. Conseguindo comover o sr, De Lancey, que se mostrou disposto a ajudá-lo,
não teve tempo de prosseguir com sua tentativa de ser aceito. A certa
altura, os demais moradores da casa retornam e, diante da enorme e horrenda
figura, enxotam de maneira cruel o Monstro
que parecia ameaçar o patriarca.
Profundamente magoado, foge
e então é tomado pela fúria, incendiando a casa, assim que descobre que seus
moradores mudaram-se sem que ele soubesse para onde.
Continua sua caminhada em
solidão, alimentando-se das frutas e raízes que encontra. Prossegue em
suas reflexões sobre a bondade humana e sobre um lugar que ele pudesse ter na
sociedade deles (nossa). Em meio a suas andanças (ou fuga, já que estava sendo
perseguido pelos moradores do vilarejo que abandonou depois do episódio com o
sr. De Lancey), ainda encontra uma moça se afogando em um rio. Tenta
salvá-la, mas quando está com ela nos braços, um homem aparece, toma a moça e o
ataca com um tiro, pensando que o Monstro
havia matado-a.
Depois disso, mais
revoltado ainda com os humanos, conclui que jamais teria um lugar seu e que em
vez de bondade, só havia conhecido o desprezo, a crueldade e a repulsa daqueles
que esperava acolhimento e compreensão. Todos esses fatos contribuíram para
que, agora, focasse definitivamente naquele que concluiu ser o responsável pelo
seu destino: seu criador.
Este estava se
restabelecendo, depois de muito tempo adoentado pela dedicação ao trabalho que
abandonara. Quando decide retornar ao lar, seu caminho volta a encontrar-se com
o da sua criação.
Isso ocorre quando o Monstro mata o irmão mais novo de Victor Frankenstein. Havia tido a
ideia de conseguir uma criança para educar, já que supostamente ela ainda não
havia adquirido os preconceitos da espécie, de modo que pudesse aceitá-lo,
tornando-se sua companhia. Sendo repelido por William e descobrindo o
parentesco dele, mata-o. Ainda por cima, incrimina Justine, que ajudava a criar
William, ao concluir que ela seria uma mulher que jamais o amaria. Justine é
condenada à morte, culpada pelo assassinato da criança.
A partir daí Frankenstein
entende que está sendo perseguido pelo Monstro e que este planeja sua completa
destruição. Quando se reencontram, finalmente, num dos lugares da infância de
Victor, a criatura fala sobre sua solidão, culpa o criador pelo abandono e o
coage a criar-lhe, agora, uma companheira, que comeria raízes e frutos como ele
e que iria morar no selvagem Novo Mundo, deixando a civilização em
paz. Aqui é interessante notar que, se Frankenstein surge como o “Moderno
Prometeu”, o Monstro seria o novo
Adão e a futura companheira a nova Eva, no Jardim do Éden possível ao
imaginário de Shelley à época, a América do Sul.
De início, Victor concorda, sente-se, já não sem tempo, responsável pelo que criou e de certo modo, parece
acreditar na promessa do Monstro. Viaja
para a Inglaterra com Clerval, sob o pretexto de estudos e pesquisa e de lá vai para
alguma ilha perdida na Escócia, agora sozinho, para criar a noiva da criatura,
ele mesmo noivo de Elizabeth, que o esperava para o casamento, assim que
retornasse.
Quando estava ao fim de
sua mais nova criação, Victor foi tomado novamente por um novo sentimento de
repulsa, ao seu que agora considerava ignóbil. Some-se a isso, uma aparição
repentina da sua primeira criatura na ilhota em que se encontrava,
demonstrando alegria ao ver que seu sonho de ter uma companhia estava em
processo de conclusão. O resultado dessa visita não esperada foi um cientista furioso, destruindo aquela
que nunca chegou a ter vida, como o Monstro
esperava. Tendo presenciado o desfecho que Victor deu a promessa que havia
feito e a sua noiva, a criatura de Frankenstein levou adiante sua vingança.Matou Clerval, o grande
companheiro de Victor, tendo ainda recaído sobre este a suspeita da morte.
Retornando à sua casa, já livre das suspeitas, onde Elizabeth esperava para o casamento, Victor
ainda arrasado pela morte do amigo e com a certeza que a tragédia se estenderia
a ele pessoalmente, em sua noite de núpcias, como o Monstro lhe havia ameaçado,
decide prosseguir com a cerimônia. Enente que não há como fugir, por isso acredita estar enviando um recado direto. Garante antes à sua noiva, que compartilharia
com ela o segredo do porquê todas essas tragédias pareciam rondar a família.
A culpa, o medo, a autossuficiência
alimentada desde a infância, a busca sem limites por um destino grandioso, que
acreditava ser alcançado solitariamente, fez com que Victor tivesse guardado
para si, toda a origem desses eventos macabros que passaram a lhe seguir os
passos, colocando a vida de tantas pessoas em risco.
Infelizmente, ainda não
seria sua esposa a pessoa para a qual revelaria a trajetória e resultado de suas
pesquisas irrefletidas. O Monstro,
que parecia aproveitar-se de uma tendência ao solipsismo do seu criador, que
pensava que seria a vítima da vez da criatura, simplesmente preferiu ir atrás de Elizabeth,
que estava sozinha, no leito de núpcias. Deu ao seu criador o gosto de perder a companheira, como ele havia feito antes ao destruir sua segunda criação.
Inconformado com a morte
da sobrinha de criação, Alphose Frankenstein, pai de Victor, morre poucos dias
depois. Apesar de Shelley não ter mencionado, acredita-se que Ernest, o outro
irmão de Victor, também fora morto pelo monstro.
O cientista tenta relatar seu
caso ao juiz da cidade, finalmente explicando seus experimentos e criação, não sendo, obviamente, acreditado em termos oficiais, o que não lhe permitia requerer uma
equipe de buscas pelo paradeiro do monstro.
Os últimos dias de vida
de Victor Frankenstein passam-se em perseguição de sua criatura, com o objetivo
de destruí-la. O monstro, tendo compreendido a intenção de Victor, parece ter
encontrado um modo de sustentar alguma relação com seu criador, buscando
incentivar a perseguição: permitia ser avistado quando se distanciava muito,
deixando comida pelo caminho (carne, que o próprio monstro não comia). Até que,
já no polo norte, Victor, com as forças já no fim, encontra o navio daquele que
seria o relator da sua história ao mundo, Walton, comandante de um navio de
exploratório, com a alma tão tomada pelo sonho de grandeza e com a expectativa de uma amizade profunda, como um dia o próprio Victor havia sido.
São as cartas de Waldon escritas
para sua irmã, Margaret, a partir do relato de um Victor já à beira da morte, que
começam nossa história; assim como é uma delas que a conclui, já depois do
falecimento do cientista. A última carta conta o encontro da criatura, com o
corpo de seu criador, já no caixão.
O relato de Waldon
descreve uma criatura em intenso conflito de emoções, alguém que não teve
tempo, experiência e ensinamentos suficientes para lidar com a complexidade dos
sentimentos humanos que herdara. Ao mesmo tempo que lança imprecações a
Victor, acusando-o de egoísmo e reivindicando sua morte, o Monstro fala de sua
angústia, ao matar as pessoas sob a influência da ira. No mesmo corpo residia o
ódio, o remorso, a inveja, o arrependimento, sendo que o que entendemos como
boas emoções para ele significava claramente a dor, já que não havia lugar para ele,
enquanto monstro, expressar-se de modo benevolente no mundo humano. Então preferiu alimentar o
oposto do amor e da solidariedade, já que esse avesso geravam emoções que a um
monstro era permitido ter.
A criatura desaparece,
prometendo criar uma pira, onde seu corpo seria consumido e a obra de Victor
Frankenstein jamais pudesse voltar a ser tentada.
Ps. Resenha feita para uma disciplina linda do doutorado <3