Esses dias minha amiga Lara organizou seus poemas em um livro (editora Entretrópicos) que tratei de obter, assim que aparecesse algum dinheiro e, bom, apareceu. Não que seja caro o livro, 20 reais está um ótimo valor, acessível, mesmo que você tenha que contar as moedas, não são tantas assim e a leitura vale muito a pena.
Como mencionei outro dia no twitter, Lara escreveu um livro de amor que não é romântico e muito sintonizado com transmutações afetivas geracionais, eu diria. Se o movimento feminista luta pela emancipação em vários aspectos sociais, eu diria que o resultado emocional e psicológico de suas conquistas e perdas pode ser percebido de modo bastante privilegiado nas escritoras que captam o espírito do tempo que coube ao movimento nas suas várias ondas, mesmo que não seja explicitamente a eles vinculadas. O que não é o caso da Lara Matos, é claro, tendo em vista que além de poeta é especialista em direitos humanos e mestranda em sociologia.
Mas os versos da Lara não se resumem a isso, é claro. Não vou cometer o mesmo erro de reduzir a autora a um tema, ao tema "feminino" ou agora "feminista", erro que gerações e gerações de "críticos" de autoras mulheres, como Sylvia Plath, poeta lembrada por Lara, aliás, continuam a cometer. Que o digam seus metapoemas, poemas que tratam de poemas, que nos dão uma pausa enganadora.
Se o sofrimento nenhum um pouco disfarçado ou embelezado do seu eu-lírico parece lembrar o sofrimento de todas as mulheres, em todos os livros e mesmo no dia-a-dia, é melhor ler de novo, porque esse sofrimento é localizado. Não é qualquer corpo, é um corpo de mulher negra de um país que fala português. Se vire aí no mapa e viaje nas possibilidades.
Gosto particularmente da acidez com que desdenha dos homens. Não parece que é qualquer homem, parece um homem típico de algum lugar que o eu-lírico foi obrigada a estar. Gosto que também como os momentos de felicidade que encontra, se com algum deles ou sozinha, o eu-lírico é bastante econômico em deixar revelar esse estado, como que para não agourarem ou para deixa bem evidente que sua vida é mais que isso. Bem mais. E quando o amor surge, é em meio ao mormaço.
É isso. O belo livro da Lara Matos é um oferecimento às leitoras, especialmente aquelas com raiva sub representada das províncias de todos os tamanhos deste país, continente, quiçá mais. Um dobrar-se e desdobra-se de um corpo que se alterna entre ruínas e êxtase.
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