segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

A Alegria de Reencontrar Emily

 

colagem de pintura de emily dickinson onde seu vestido do século XIX é preenchido embaixo por aves e folhas e atrás dela existem excicatas das flores de seu jardim
Colagem sobre retrato de Emily- Vaandar Estúdios

Passei parte desse final de semana envolvida com a poeta Emily Dickinson. Se você der uma lida no meu livro "Feminismo e Metáfora", vai encontrar algumas páginas dedicadas, ainda que de forma superficial, à querida poeta, além de Adrienne Rich. Tomei alguns pontos que me interessavam para ilustrar minha discussão e, apesar de achar algo muito estranho nas curtas biografias encontradas sobre Emily, mais de 10 anos atrás, segui adiante. 

Depois disso, voltava a aos seus poemas como sua leitora e admiradora, sem maiores preocupações. Ou quase. O desconforto com os comentários bastante genéricos sobre sua distância, sobre o ser etéreo que ela era, sobre sua solidão, não combinavam em absoluto com o conteúdo dos poemas que eu já havia lido,  não eram muitos, já que hoje se sabe que eles provavelmente beiram os 2 mil- o que me deixa felicíssima.

E foi voltando a usar meu lado de pesquisadora genérica, que é quando pesquiso para pura curiosidade dos meus gostos, que descobri não só essa imensa quantidade de poemas recentemente publicados em português (2020-2021) pelas editoras da UnB e da Unicamp, como também descubro mais sobre a vida de Emily Dickinson: seus muitos correspondentes, tirando o tempo de respostas, quase como um twitter com mais caracteres possíveis, seu capricho em cozinhar para as pessoas que amava, a cuidadora que foi, junto com sua irmã caçula, a rebelde que se recusou a reivindicar uma religião para si, apesar de trazer o divino para sua arte, a tia cuidadora, que se desesperou na perda de seu sobrinho mais querido para a tifo, a botânica disciplinada, a jardineira e a amante intensa e devotada, a um amor de mais de 30 anos a Susan, sua Sue.

Tudo isso borrado ou apagado por motivos de privacidade das pessoas mencionadas (Susan casou-se com o irmão de Emily e o irmão de Emily estava com Molie quando a poeta faleceu), mas principalmente, por uma estrutura do patriarcado que invisibilizou ou pelo menos tornou menos audível as vozes da irmã mais nova e da própria Sue, que tentaram mostrar a Emily muito mais cheia de vida e paixão que elas conheceram. Venceu, por muito tempo, a censura do editor e amigo, muy amigo, Thomas Higginson, que atrasou a publicação dos escritos, por estreiteza de raciocínio sobre a qualidade deles (supostamente não estavam terminados, quando na verdade eram precursores de algo muito maior), que novamente bebeu no machismo sistêmico. Emily não foi publicada em vida, mesmo desejando isso nos seus últimos anos.

A relação com Susan, não era totalmente desconhecida por mim, mas sempre apareceu como fofoca nas poucas fontes que tratavam sobre isso e eu queria algo mais consistente, o que me afastou das produções do audiovisual recentes, sobre o grande amor de Emily. Eu via tudo isso como um retrato muito pobre do que poderia ter sido seu amor. Mas claro tudo isso eram preconceitos meus sobre os filmes e séries e um tanto de ciúmes. Acontece isso com você? De ter ciúmes de suas autoras e autores favoritos? Eu queria alguma coisa que preenchesse as lacunas que eu via no eu-lírico dela.

Esse percurso meio caótico que fiz, com leitura de newsletters, palestras no youtube, busca em sites de livros, anotações para novos poemas meus, ilustração da Emily Dickinson que me ajudou a externalizar a necessidade da presença dela que eu tinha, insights proporcionado pela internet, tudo isso me chacoalhou transversalmente, de cima abaixo, de cabo a rabo. 

Eu estou criando algumas coisas, fruto dessa redescoberta de Emily. Especialmente, o amor entre ela e Sue me tocou imensamente, depois de ler a edição do The Marginalian sobre esse amor. Agora comecei a ler "Emily's Dickinson Poems: As She Preserved Them", que contém as cartas que a poeta enviava a Sue, enquanto não tenho minha própria versão em português do grande feito de tradução que é "Poesia completa Emily Dickinson 1 e 2", do professor Adalberto Müller (aquele que foi publicado pelas editoras das universidades que mencionei acima).

E agora estou fazendo meu prado, pegar meu trevo e minha abelha e me redimir da minha inocência que aceitou as lacunas que me incomodavam, me afastando da amada Emily Dickinson.


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Link útil: 

Palestra do professor Adalberto Müller a respeito do volume I do livro Poesia Completa de Emily Dickinson: https://www.youtube.com/watch?v=W1xBCKwKwuQ

 Há também a série criada pela Apple TV+ e o filme mais recente, Wild Nights with Emily. 

Os demais links estão destacados no texto. (◕‿◕)

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