Um documentário sobre a obra e biografia do pintor Paul Klee, com narração feita sobre o diário mantido pelo artista. Utilizei uma das obras mais famosas de Klee, Angelus Novus, como inspiração de duas postagens, umas semanas atrás.
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domingo, 25 de setembro de 2016
quinta-feira, 28 de julho de 2016
Átomos do Anjo de Paul Klee: Fabiano
Se Fabiano foi
arranjo dos átomos do anjo de Paul Klee, posso imaginá-lo como anjo do povo
mineral. Mas não parece distante aquela seca da primeira metade do século XX,
destruidora de homens, mulheres, crianças, bichos e plantas. É um preço alto da
renovação do nordeste. Vida e morte, morte e vida, sem entremeios. Fabiano,
quase um ser bruto, mas bruto de sentimentos não extravasados, que, não tendo
outro modo de transmutá-los em fala e criação, escorrem-lhe pelos poros e fazem
grudar a poeira do éden que lhe foi destinado. Gruda na garganta, o que não lhe
permite denunciar o que só sente; seu corpo pressente que o estado em que se
encontra, e, sua família, e, sua cachorra, não foi fruto de um Deus
misericordioso como lhe ensinaram.
A renovação é mito ultrapassável, por enquanto, só pela morte, mas quem sabe, um dia, ela não será mais necessária para os trâmites terrestres- ouviu um assobio de pássaro, certa vez, confirmar que, noutras terras, a paga já não era mais tão necessária e que o homem (e a mulher, certamente), já inventou meios de não lhe pedir sua vida, ou dos filhos, ou da cachorra e até das plantas da caatinga, para o procedimento.
(Morte por holocausto, sa-cri-fi-ci-o, parece ter sido o preço cobrado, até
aquele exato instante, por cada sopro daquela tempestade, que também embasbacou
o anjo de Klee, a tempestade do progresso, veja bem.)
O vento e a areia que aderiram ao pêlo e à pele da família de Fabiano. Família que era extensão de um sentimento de cada um, ou algo anterior ao sentimento e posterior ao presságio já dito. A quem ouvir os olhos do anjo de Klee, a quem tocar as sílabas caídas, mal articuladas do bruto anjo Fabiano, terá posse mesmo da senha para o que vem, que, contudo, não é segredo, posto que os anjos sofrem de onipresença (assim como Fabiano) como Quem os criou, logo, basta saber ler “Os que têm olhos para ler, que leiam”.
Ainda nesse estado de coisas, sabe-se que Fabiano persiste em átomos sobre os átomos nas esperanças que escaparam fora da moldura do quadro de Klee.
E esses átomos contaminam a todos que pisam com os pés descalços a terra de Fabiano, que é toda terra que a lua bate de crescente, porque crescente é ter futuro e os átomos de Fabiano bem sabem o que estavam a procurar. Por isso, resolvi aceitar que pisei esse mesmo chão e, por isso, sofro de alguma fabianice e talvez você também, ainda que faça essa cara de engrenagem satisfeita na máquina que os ventos da tempestade criou- a tempestade criava, a despeito de tudo.
Mas trabalho de criação mesmo é tentar esticar e retecer as esperanças, nem sequer articuladas, do pobre Fabiano dentro de mim- só posso falar de mim, mas fico torcendo para que você esteja chegando a mesma conclusão ou, pelo menos, parecida. Retecer o não dito, mas sentido e sofrido até. Você pode não lembrar, mas sobre esses retecidos se construíram muitos desses edifícios, com cubículos, onde estamos armazenados para comentar as notícias que saíram no site, enquanto nos interrompemos para uma selfie.
Fabiano nunca foi interrompido por uma selfie- talvez, se tivesse tentado, jamais teria alcançado a série #selfie assim, meio derretida, sem olhos nem boca que o identificasse. Ou teria, já que #selfie é em desfeito de selfie, uma abertura, um buraco, possível saída cheia do infinito que coube ao Fabiano e a mim e se você quiser a você, também, linhas sem fim para o tecer futuro. A pedra bruta da alma dele, do Fabiano, contudo, já havia nos cravado alguma trilha no neon das estrelas do céu da caatinga que lhe emprestaram, era um negativo cuneiforme, tatilforme do porvir. As instruções estão lá: imite as asas na mão, como o Angelus Novus, para traduzir e não se espante se logo em seguida esse céu desmontar em blocos, em pedaços de quebra- cabeça como o chão rachado em tempos de seca. É assim, mesmo.
A renovação é mito ultrapassável, por enquanto, só pela morte, mas quem sabe, um dia, ela não será mais necessária para os trâmites terrestres- ouviu um assobio de pássaro, certa vez, confirmar que, noutras terras, a paga já não era mais tão necessária e que o homem (e a mulher, certamente), já inventou meios de não lhe pedir sua vida, ou dos filhos, ou da cachorra e até das plantas da caatinga, para o procedimento.
Fabiano a a cachorra Baleia |
O vento e a areia que aderiram ao pêlo e à pele da família de Fabiano. Família que era extensão de um sentimento de cada um, ou algo anterior ao sentimento e posterior ao presságio já dito. A quem ouvir os olhos do anjo de Klee, a quem tocar as sílabas caídas, mal articuladas do bruto anjo Fabiano, terá posse mesmo da senha para o que vem, que, contudo, não é segredo, posto que os anjos sofrem de onipresença (assim como Fabiano) como Quem os criou, logo, basta saber ler “Os que têm olhos para ler, que leiam”.
Ainda nesse estado de coisas, sabe-se que Fabiano persiste em átomos sobre os átomos nas esperanças que escaparam fora da moldura do quadro de Klee.
E esses átomos contaminam a todos que pisam com os pés descalços a terra de Fabiano, que é toda terra que a lua bate de crescente, porque crescente é ter futuro e os átomos de Fabiano bem sabem o que estavam a procurar. Por isso, resolvi aceitar que pisei esse mesmo chão e, por isso, sofro de alguma fabianice e talvez você também, ainda que faça essa cara de engrenagem satisfeita na máquina que os ventos da tempestade criou- a tempestade criava, a despeito de tudo.
Mas trabalho de criação mesmo é tentar esticar e retecer as esperanças, nem sequer articuladas, do pobre Fabiano dentro de mim- só posso falar de mim, mas fico torcendo para que você esteja chegando a mesma conclusão ou, pelo menos, parecida. Retecer o não dito, mas sentido e sofrido até. Você pode não lembrar, mas sobre esses retecidos se construíram muitos desses edifícios, com cubículos, onde estamos armazenados para comentar as notícias que saíram no site, enquanto nos interrompemos para uma selfie.
Fabiano nunca foi interrompido por uma selfie- talvez, se tivesse tentado, jamais teria alcançado a série #selfie assim, meio derretida, sem olhos nem boca que o identificasse. Ou teria, já que #selfie é em desfeito de selfie, uma abertura, um buraco, possível saída cheia do infinito que coube ao Fabiano e a mim e se você quiser a você, também, linhas sem fim para o tecer futuro. A pedra bruta da alma dele, do Fabiano, contudo, já havia nos cravado alguma trilha no neon das estrelas do céu da caatinga que lhe emprestaram, era um negativo cuneiforme, tatilforme do porvir. As instruções estão lá: imite as asas na mão, como o Angelus Novus, para traduzir e não se espante se logo em seguida esse céu desmontar em blocos, em pedaços de quebra- cabeça como o chão rachado em tempos de seca. É assim, mesmo.
#selfie o A. Gonçalves |
segunda-feira, 18 de julho de 2016
Átomos do anjo de Paul Klee
Vez ou outra eu passo uns momentos meditando sobre alguma pintura, uma frase que me chamou a atenção de um autor que eu gosto. Ontem foram os rabiscos do André, obra que acompanho e que em geral, gosto. Rabiscos de sombra e de luz. Obra de arte é boa para se perder em devaneios e fazer conexões.
Olhando os rabiscos lembrei do anjo do Paul Klee.O
anjo do Paul Klee que Benjamin tanto gostava. Aquele Angelus Novus era um anjo feio. Cabeça
grande, braços/asas pequenos, pele amarelada. Será que era um anjo? Eu lembrei de Fabiano, das Vidas Secas de Graciliano. Fabiano quase não falava. O anjo do Klee também não fala. Parece que têm algo em comum. Mas isso fica para depois. Por enquanto: o anjo do Klee. O anjo afastava-se de algo que lhe capturava o olhar, olhava assim de soslaio, parecia com medo. As asas tesas, os pés, que mais
parecem pés de galinha que cisca. O anjo de Klee viu algo que fez com que se
sujasse de uma lama que ressecou suas asas e seus pés de galinha que não ciscam
mais. Não era uma lama irmã da sujeira que Manoel de Barros me fez amar, era a
lama que se formou de uma tempestade futura. A lama agora compunha a pele e as asas não mais funcionais do anjo
bidimensional. Seus olhos se fixaram eternamente na tempestade que viria a lhe constituir.
Klee era o profeta de Benjamin (e Benjamin se tornou o de muitos).
Das fotos do André, eu me detive na
série mais recente #selfie e nas últimas d'[os rostos]. Fiquei pensando na ironia
da sugestão. Não há selfie, não há o rosto do fotógrafo ou de quem quer que
seja. Se a selfie deve mostrar o rosto de quem fotografa, a série [os rostos]
poderia mostrar: rostos. Pelo menos é o que o tema leva a supor. Por trás da selfie não há rosto e na [os rostos] também
não há rosto.
Imagino-me realizando o seguinte processo. Abro o instagram, viro a câmera para o módulo de selfie e, pronta para a próxima hashtag que me garanta algumas visualizações: tiro a foto. Mas não há um rosto, o meu rosto. Pele negra, traços de uma mistura indígena, negra e de algum carcamano renegado, algum europeu periférico, olhos grandes e castanho escuros, cabelos ondulados, da mesma cor. Foi assim que acostumei a me ver. E maquiagem, quando quero. Mas o que tenho de mim é um borrão, como no filme “O chamado”. Ou algo que derrete na horizontal como o rosto dos "Os amantes" de Magritte. Penso que é um problema da câmera ou do aplicativo (app). Retorno ao módulo normal da câmera e decido ir a um espelho tirar uma estilo old school do insta. Sim, já se sabe. Não há rosto. Eu duvido muito que estaria aqui digitando tranquila se isso tivesse acontecido. Estaria desesperada.
Imagino-me realizando o seguinte processo. Abro o instagram, viro a câmera para o módulo de selfie e, pronta para a próxima hashtag que me garanta algumas visualizações: tiro a foto. Mas não há um rosto, o meu rosto. Pele negra, traços de uma mistura indígena, negra e de algum carcamano renegado, algum europeu periférico, olhos grandes e castanho escuros, cabelos ondulados, da mesma cor. Foi assim que acostumei a me ver. E maquiagem, quando quero. Mas o que tenho de mim é um borrão, como no filme “O chamado”. Ou algo que derrete na horizontal como o rosto dos "Os amantes" de Magritte. Penso que é um problema da câmera ou do aplicativo (app). Retorno ao módulo normal da câmera e decido ir a um espelho tirar uma estilo old school do insta. Sim, já se sabe. Não há rosto. Eu duvido muito que estaria aqui digitando tranquila se isso tivesse acontecido. Estaria desesperada.
Benjamin também escreveu sobre as
primeiras décadas da descoberta mais amada das nossas tecnologias atualmente
compartilhadas: a fotografia. Falou também sobre fotografias em velocidade que
viraram o nosso cinema e que deram ideia para outras tantas coisas depois. Meditou
sobre a perda da “aura” da obra de arte com o efeito quantidade e velocidade da
fotografia em relação ao quadro pintado, à escultura e até em relação à
arquitetura. Estávamos começando uma relação intensa com o mundo agora fixado
em objetos e seres fotografados. Com a revolução trazida pelo smartphone, cada
uma e cada um passou a uma relação ainda mais próxima. Eu havia escrito simbiose aqui na versão anterior do texto, para descrever o processo,
mas simbiose é uma troca positiva. Algo próximo ao parasitismo talvez
nos explicasse melhor. E, bom, não é o parasitismo do celular em relação a nós.
Volto ao anjo do Klee. O anjo não é anjo: não é
belo, está sujo, olhar vidrado, não voa mais, não canta "hosana nas alturas". É a sombra de um anjo. Mas foi meditando sobre o anjo que
Benjamin achou que Klee antecipou algo do século que passou: a
tempestade de areia era um certo tipo desastroso de progresso. No meu caso, eu acho que
essas duas séries do André não antecipam nada. Não depois do século XX. Não
nesse meu texto. Agora não há mais o passado, o presente e o futuro como no
tempo de Benjamin. São todos simultâneos, misturados, sobrepostos, escorrem
entre si. Fractais de tempo. Detox de tempo. A selfie some na #selfie, justo
ela, que parecia ser nosso aconchego, nossa marca. Tentativa de segurar nas
bordas da roda louca que gira. Que sobe, que desce, que revolve o fundo de
coisas que pareciam esquecidas. As duas séries que nada dizem estão plenas do
vazio que a arte pede, mas um vazio que já está imediatamente atravessado por aquelas
fractais. Parece que gera um eco que carrega átomos fantasmagoricamente
rearranjados daquele anjo de Klee.
[continua]
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