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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Vitória



é uma vitória pessoal
o avançar das páginas da agenda
alcançando dias e semanas
que nunca na minha infância planejei


é uma vitória pessoal o avançar do calendário alcançando dias nunca na infância imaginados

terça-feira, 12 de junho de 2018

é preciso roubar as palavras

é preciso roubar as palavras
tirar à força
de modo sorrateiro
às custas de chantagem e de ameaças
de falsas promessas àquele no leito morte

é preciso roubar as palavras
as que não foram admitidas
as esquecidas
redimir algumas
à revelia de qualquer autoridade diplomada
elevar o status de sons guturais dissociados de signos amplamente compartilhados

é preciso roubar as palavras
recorrer às línguas dos povos encantados
aos apelidos das nossas avós domesticadas por cães brabos
ao canto das escravas esquecidas na cozinha da história
à toda sorte de passado negado

é preciso libertar as palavras
cantá-las
retomar sua posse
costurá-las à pele
fundir carne e verbo
acionar a senha para o novo mundo
depositado nas fendas dos fatos 
sedimento de sonhos e de gentes insuficientemente mapeados. 









quinta-feira, 28 de julho de 2016

Átomos do Anjo de Paul Klee: Fabiano




Angelus Novus- Paul Klee


Se Fabiano foi arranjo dos átomos do anjo de Paul Klee, posso imaginá-lo como anjo do povo mineral. Mas não parece distante aquela seca da primeira metade do século XX, destruidora de homens, mulheres, crianças, bichos e plantas. É um preço alto da renovação do nordeste. Vida e morte, morte e vida, sem entremeios. Fabiano, quase um ser bruto, mas bruto de sentimentos não extravasados, que, não tendo outro modo de transmutá-los em fala e criação, escorrem-lhe pelos poros e fazem grudar a poeira do éden que lhe foi destinado. Gruda na garganta, o que não lhe permite denunciar o que só sente; seu corpo pressente que o estado em que se encontra, e, sua família, e, sua cachorra, não foi fruto de um Deus misericordioso como lhe ensinaram.

A renovação é mito ultrapassável, por enquanto, só pela morte, mas quem sabe, um dia, ela não será mais necessária para os trâmites terrestres- ouviu um assobio de pássaro, certa vez, confirmar que, noutras terras, a paga já não era mais tão necessária e que o homem (e a mulher, certamente), já inventou meios de não lhe pedir sua vida, ou dos filhos, ou da cachorra e até das plantas da caatinga, para o procedimento.


Fabiano a a cachorra Baleia
(Morte por holocausto, sa-cri-fi-ci-o, parece ter sido o preço cobrado, até aquele exato instante, por cada sopro daquela tempestade, que também embasbacou o anjo de Klee, a tempestade do progresso, veja bem.)

O vento e a areia que aderiram ao pêlo e à pele da família de Fabiano. Família que era extensão de um sentimento de cada um, ou algo anterior ao sentimento e posterior ao presságio já dito. A quem ouvir os olhos do anjo de Klee, a quem tocar as sílabas caídas, mal articuladas do bruto anjo Fabiano, terá posse mesmo da senha para o que vem, que, contudo, não é segredo, posto que os anjos sofrem de onipresença (assim como Fabiano) como Quem os criou, logo, basta saber ler “Os que têm olhos para ler, que leiam”.

Ainda nesse estado de coisas, sabe-se que Fabiano persiste em átomos sobre os átomos nas esperanças que escaparam fora da moldura do quadro de Klee.

E esses átomos contaminam a todos que pisam com os pés descalços a terra de Fabiano, que é toda terra que a lua bate de crescente, porque crescente é ter futuro e os átomos de Fabiano bem sabem o que estavam a procurar. Por isso, resolvi aceitar que pisei esse mesmo chão e, por isso, sofro de alguma fabianice e talvez você também, ainda que faça essa cara de engrenagem satisfeita na máquina que os ventos da tempestade criou- a tempestade criava, a despeito de tudo.

Mas trabalho de criação mesmo é tentar esticar e retecer as esperanças, nem sequer articuladas, do pobre Fabiano dentro de mim- só posso falar de mim, mas fico torcendo para que você esteja chegando a mesma conclusão ou, pelo menos, parecida. Retecer o não dito, mas sentido e sofrido até. Você pode não lembrar, mas sobre esses retecidos se construíram muitos desses edifícios, com cubículos, onde estamos armazenados para comentar as notícias que saíram no site, enquanto nos interrompemos para uma selfie.

Fabiano nunca foi interrompido por uma selfie- talvez, se tivesse tentado, jamais teria alcançado a série #selfie assim, meio derretida, sem olhos nem boca que o identificasse. Ou teria, já que #selfie é em desfeito de selfie, uma abertura, um buraco, possível saída cheia do infinito que coube ao Fabiano e a mim e se você quiser a você, também, linhas sem fim para o tecer futuro. A pedra bruta da alma dele, do Fabiano, contudo, já havia nos cravado alguma trilha no neon das estrelas do céu da caatinga que lhe emprestaram, era um negativo cuneiforme, tatilforme do porvir. As instruções estão lá: imite as asas na mão, como o Angelus Novus, para traduzir e não se espante se logo em seguida esse céu desmontar em blocos, em pedaços de quebra- cabeça como o chão rachado em tempos de seca. É assim, mesmo.

#selfie o A. Gonçalves

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