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quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Lamento de uma figura do passado

Queria ter minha vida analógica mais perto em minhas próprias lembranças, para conseguir valorizar melhor o que surge no meu caminhar por esse jovem mundo de velocidade e excessos. Mas o único passado que vale é o dia de ontem, seguro e o mais distante possível de um tempo em que a ausência da montanha de estímulos é bem mais que o mero ontem. E cada dia que um ontem se forma é bem maior que o anterior, o que pela lógica só aumenta as distâncias daquele passado analógico. Tenho saudades de um tipo de presença do corpo humano e da voz não codificada por nada além que meus ouvidos- só muito raramente um telefone fixo. Tenho saudades de ler por puro prazer as longas páginas dos romances; tenho saudades dos livros obrigatórios com páginas de celulose. Tenho saudades de uma leitura de papel e de uma escrita que não fosse mediada por máquina ou teclado virtual. Mas o virtual é o real agora. Ainda assim meu corpo continua a pedir a presença de um corpo não compartimentado em funções mas um corpo-todo-ali-presente. 

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Narciso no mundo líquido





É uma peça quase invisível. Uma parede retangular de vidro, um espelho circular na parte de cima. Quem passa apressada, mal percebe que ali temos vidro e espelho e não apenas vidro. É arte, uma instalação e, como tal, pede desaceleração. Então eu desacelero. Mas isso não é suficiente, ela também pede interação.
A delicadeza do vidro parece um lânguido convite ao espelho em seu topo. Lembro que a obra se chama “Narciso”. Sinto-me provocada, rio sozinha, porque quero mesmo usar aquele espelho. Meus 1,56 m, contudo, não são suficientes para que eu tenha meu rosto refletido, afim de tirar uma foto. Observo o vidro, algumas pessoas passam por trás- existem árvores e um muro perto. O vidro é um espelho translúcido, por conta da poeira que acumulou durante o dia.  Penso que eu precisaria de um banquinho para conseguir fazer a foto usando o espelho e não o vidro.  Pensando bem, quase todas as pessoas que eu conheço precisariam de uma ajuda para se mirarem no alto daquele espelho. 

Fiquei a divagar. Qual o sentido de um espelho que não consegue refletir o rosto humano? Ele deixa de ser um espelho? O quanto seríamos capazes de fazer para finalmente conseguirmos nos ver por aquele espelho, ou em qualquer outro espelho? Por que precisamos nos ver em algum espelho, para começar? O que não queremos deixar escapar? O nosso olhar? O olhar do outro, fantasiado, imaginando como parecemos a esse outro? Temos que parecer bem? O que “Narciso” tem a nos dizer? Somos iguais ao Narciso da lenda e, logo, compartilharemos seu trágico destino? É um alerta? Um jogo? Uma provocação?

Enquanto o vidro me permite o acesso visual ao outro, que passa, o espelho me dá o acesso visual ao meu eu físico. O outro e o eu deveriam estar ali (vidro e espelho), mas o outro é bem mais presente por meio das pessoas que aproveitam o espaço do parque. Ainda que apressados e, portanto, indiferentes à relação que ali estava se estabelecendo (eu, o espelho, o vidro, os outros). 

O eu está se fazendo de difícil, quase inalcançável. Se finalmente o alcanço, tenho minha imagem acima dos outros. Era isso que eu queria? Por certo, algum prazer teria ao conseguir alcançar o espelho circular. E se eu não alcançasse? Teria que haver algo para além do meu eu refletido de, que indicasse minha existência. O mundo da imagem, das selfies, das miragens me aceitaria?

Consegui, na ponta dos pés, fazer uma foto das minhas mãos segurando o celular na frente do espelho. Acho que garanti minha existência no mundo líquido, de espelhos e de vidros.




sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Vampira do X Men

não sei quanto tempo da minha vida passei me esforçando para me interessar pelas conversas das pessoas. em geral preferia meu mundo, que nem era só um mundo interior, não. era meu mundo e das coisas do mundo, não das pessoas do mundo. as pessoas do mundo, quando eram só meu mundo, eram como coisas.

no final das contas terminei me adestrando em parecer muito interessada e de fato até comecei a me interessar. ficava comovida da pessoa confiar seus pensamentos a mim, seus comentários, apropriados ou não. mas provavelmente a minha maior motivação tenha sido o fato de que aquelas conversas desinteressantes muitas vezes escondiam ou apontavam para algum tesouro.

de alguma conversa desinteressante poderiam surgir conexões interessantes em mim. e as pessoas de conversas desinteressantes conheciam outras pessoas com conversas muito mais interessantes. e assim eu seguia. 

o problema eram os efeitos colaterais. eram muitos. falo aqui de um. eu ficava cheia dos pensamentos, das idéias, dos gostos, das opiniões daquelas pessoas.

demorava um tempão para eu ser despossuída, como a Vampira dos X-Men, quando tocou no Wolverine. (ainda demora, mas menos).

hoje eu fico pensando se minha prima sem noção tinha razão em me chamar de autista (as crianças podem ser muito cruéis). e ela estando certa, não reclamo em absoluto hoje. se sou, faz parte da minha idiossincrasia. se não, também.

sábado, 7 de maio de 2016

Da minha sonolência (escritos nas notas do celular)

Hoje eu vi um origami enforcado
pendurado numa chuva que atrasou meus passos


Walkiria dançou todas as 12 horas de um forró infinito que anunciou na taimelaine travada do meu esmartefone

Ele tem esse olho que é sol que se ausenta entre nuvens e que me surpreendem

Olho de Sauron. Mas alma de peixe com escamas de vidro e esqueleto de barro. De barro seco



Dor que me distrai de inventar a dor de ausência


Dor sonolenta



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