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quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Malinação, dez poemas desesperados sobre o riacho mocha e eu num café

Muito bom quando você sai de casa esperando ver um amigo e encontra mais amigos. Semana passada fui conferir a publicação do primeiro livro de poesia do professor José Elielton, amigo da filosofia e de coletâneas e saí de lá não com um livro de poesia, mas com dois e uma atmosfera familiar com amigas e amigos que eu não via, tinha muito tempo. Uma menção mais que especial ao Luizir, mestre e amigo querido, que levei para além das aulas do mestrado, há muitos anos atrás- ainda que atualmente eu não seja a amiga mais presente do mundo.

Enquanto eu lia Malinação, fui surpreendida por uma virada no tom da poesia que eu não esperava. Se na primeira parte do livro eu intui um Elielton admirador de Manoel de Barros e até das metáforas do Rosa, sabendo que todos os três falam de sertões- sim, estou incluindo Manoel de Barros- tirando desse sertão a atmosfera, a fonte original de comparações, temas, a sua própria biografia e nosso eterno presente no interior do Brasil, depois, fui lançada a um cenário de sangue e pesadelos, alguns muito reais.

Já no caso do livro do oeirense Rogério Newton (mesma cidade natal da poeta Cynthia Osório, que já apareceu aqui), conhecido dos leitores da revista Revestrés, nos deparamos com "Dez Poemas Desesperados Sobre o Riacho Mocha". Não sendo seu primeiro livro de poesia, essa pequena obra vem cheia de um sentimento de indignação quanto ao descaso público a um dos marcos da da cidade. Rogério, que também estará esses dias na COP30, aproveitou a época do lançamento do livro, para reunir-se a outras pessoas preocupadas com a situação do veio d'água, nas ruas de Oeiras, com um microfone, uma manifestação-denúncia, na falta de um cuidado do riacho, que o próprio poeta testemunha há décadas. Quem nunca ficou com o coração partido de ver parte de sua história desrespeitada, especialmente uma viva (o riacho é vivo), como são quaisquer águas numa terra tão carente dela.

Em uma época de aquecimento global, que piora toda a situação de calor e seca do estado do Piauí, tornando mais irresponsável, quiçá perverso, esse descaso e outros que cada um de nós pode relatar de sua própria cidade, no que diz respeito ao aprofundamento de políticas ambientais que foquem na interação dos sistemas vivos e não-vivos de modo equilibrado, com o hiperfenômeno em foco.

E é claro que aproveitei para indicar as aulas gratuitas do professor Alexandre, que deixou disponível para quem quisesse entender melhor nosso nível de unidade com o planeta e as partes mais importantes dessa unidade, desde a formação da Terra, até um pouco depois da pandemia de 2020, destacando os limites planetários que estávamos ultrapassando quando do lançamento das aulas. Vale a pena parar para assistir.

A poesia do José Elielton é cheia dessas preocupações e apesar da construção de muitas imagens que evocam quase a um hermetismo simbólico, especialmente na parte que trata das profecias, elas, como os textos apocalípticos, falam mais do presente do que do futuro. Os iniciados na tradição poética do estado entendem, no mínimo, que o que parece a repetição da tradição, é simplesmente um cotidiano persistente e muitas vezes doloroso, não só no Piauí.

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dez poemas desesperados sobre o riacho mocha

2


o urubu enfia as unhas sujas

no coração imundo da galeria

sob o manto negro e a carne dura

presa de lodo e mau agouro


a água podre não se esquiva

ao olhar circunspecto de rapina

quer o bico fedido e voraz

sem luz alguma que ilumina


a não ser a fúria de roubar

bosta e detritos que há em cima

e dentro da água mais podre 

que a consciência que o anima


pois alma há nesse mundo escuro

penada de urubu faminto e truvo

 tão sujo como o dinheiro que fez

galeria de fezes te esconjuro


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Malinação


matutos meninos

com suas barrigas d´água

desandam destinos traçados


no corpo destroços expostos

presságios precários em vista

indicam futuros minguados


no fim carregado dos dias 

e rotos de tanto abismo

recusam a morte inventada

fundo verde: um chaveiro de pato de pelúcia e dois livros

Observação: Clique nos links! ❤


quarta-feira, 9 de março de 2022

Notícias do BREU



 

● EU Sou Uma Livraria: Dani Marques, com seu sebo e livraria, divulga todos os dias no Instagram, ótimos livros que você pode adquirir para ler e também dar uma força para o pequeno negócio. Dani também colabora no site "Noise Land", falando sobre música, livros e shows; 


● CINTHIA Osório continua num produtivo momento com suas poesia, que ela compartilha com seu público também no Instagram "Gosto de Letras". Segue uma delas, resgatada do ano de 2014:

 


Medida

 

o tamanho da minha espera

celebra sua presença exagerada

quando você é tudo o que couber de saudade

mas não me ame sem rumo

decore as imediações dos meus lábios

não me ame à espreita

percorra a distância dos meus braços abertos

me queira com hora marcada

e faça um acerto com a hora errada

não asfixie declarações na sua boca de cigarro

nem cuspa o chão como ruído do que não é

possível dizer

não esteja presente se não puder dê-lo

 Cynthia Osório, 19/06/2014.


 



● SAIU o mais novo texto da Laís Romero no site d'O Estado Do Piauí. Lá ela retorna ao primeiros passos do ato de escrever, que seria compreender como se escreve, ou como escrevem nossas inspirações. O metatexto sugere leituras muito ricas em suas margens, vindos da diversa experiência da Laís com a escrita; 

 

● LARA Matos está concluindo seu novo trabalho em poesia, "Os Santos Dias". Logo teremos um belo zine para ler;

● NAYARA (eu) logo menos estarei divulgando aqui novos poemas, talvez acompanhados por alguns dos seus experimentos: desenhos simples, inspirados por flores, Pinterest e seus diários. Continuo atendendo tarô. 



terça-feira, 10 de setembro de 2019

Cynthia Osório: entrevista




A Cynthia já apareceu aqui antes com sua poesia, mas agora fiquei com vontade de ouvi-la em uma entrevista e fiquei muito contente em saber que ela me concederia essa honra. É uma conversa importante para quem escreve, para mulheres que escrevem e também para quem de alguma maneira encarna algum marcador social que se sobressai nas relações sociais. Eu gostei bastante, espero que vocês curtam as respostas da nossa poeta convidada:

1.O modo como você se percebe influencia sua poesia? Como?

Total. Eu escrevo sobre o mundo que esta dentro de mim, ou ao menos, a partir dele. Então cabe aí muitas doses de mim mesma. Acho até que seja uma escrita imatura por isso, mas ela é  o que é. Não sei se te respondi.

2. Você entende a questão racial como um eixo que interfere na sua sensibilidade e vida criativa?

A questão racial é uma questão relativamente nova pra mim, estou em processo de descoberta  construção, aprendizagem de mim como mulher negra. Inconscientemente pode ter interferido já que, como disse antes,  falo muito sobre mim. Agora, nesse processo de conscientização, por assim dizer,  o que transparecer na minha escrita é/será intencional.  Então, interfere sim. A escrita pode ser uma ferramenta de luta antirracista, eu sinto a necessidade de construir em mim essa responsabilidade. E de maneira mais pessoal: escrever um instrumento de resistência ou re-existência num ambiente racista. Agora com sua pergunta reflito que quando/se o racismo me esgota mental e fisicamente, ainda assim, ele não me impede de criar, porque ainda que não saia uma poesia, por exemplo, eu escrevo. Escrever é criar.

3.Você pensa no Outro ou Outra que vai ler seu poema quando está escrevendo?

Quando escrevo pra que vejam eu elaboro mais, busco palavras. Outras vezes escrevo pra escrever, e acabo querendo que vejam, ou não. Quando faço essa escolha é sinal de que penso sim nas reações de quem lê.

4. Pretende publicar um livro físico? Quando?

Óbvio que já pensei e penso muito nisso, mas não é um peso nem uma urgência, não sei quando. O que sei é que vou escrever sempre. Confesso que a burocracia envolvida me intimida e até me cansa.

5. O que você acha que falta para a poesia feita por mulheres ser valorizada tanto quanto a do homem poeta no estado do Piauí?

Não sei se é apenas isso o que falta, mas iniciativas como clubes de leituras como o "Leia mulheres", publicações independentes como o zine "Desembucha, mulher!", por exemplo, são belas demonstrações de que só nós fazemos por nós mesmas, sem esperar aprovação ou apoio de homens, e dá certo. Claro, que se homens quiserem sair da sua zona de conforto e subverter a lógica  patriarcal etc ajuda, mas "homens, o que tenho a ver". É continuarmos a fazer como sabemos e podemos! 


6. Você tem algum conselho para dar a quem quer se aventurar pelo mundo da escrita, dos versos


Sugestão: escrever, ler, e olhar o mundo ao redor.



domingo, 9 de abril de 2017

A sábia e a escritora

Hoje eu continuo com as postagens sobre as escritoras contemporâneas do meu estado. Quem quiser ir atrás dessa série, pode clicar aqui e aqui.

Ananda Sampaio- escritora

Agora, é com grande prazer que falo um pouco sobre uma artista que reúne as duas características do título dessa postagem: a Ananda Sampaio. Conheci a Ananda, por conta do Coletivo Leituras, que é um grupo de leituras de obras literárias, que ela organizava com sua irmã, a Raissa Sampaio e a Eulália Teixeira. Os encontros ocorriam uma vez por mês, na livraria Entrelivros, na cidade de Teresina. Do Coletivo, ainda participavam a Lara e a Laís, a Jullyane e até eu mesma compareci durante um tempo.

A Ananda foi um dos bons encontros que a literatura me proporcionou. Passei a acompanhá-la nas redes sociais e, que boa surpresa tive, confirmando logo o elogio que a amiga Laís Romero fez dela, ao me dizer que era uma das melhores cronistas do estado. E isso você pode conferir, acessando o blog dela aqui ou, sua página do facebook aqui .

Arrisco a dizer que não é por acaso que a moça se chama Ananda, um dos sábios amigos de Siddhartha Gautama, o Buda. Sem apelar para os excessos de erudição, erro comum em quem se aventura pela crônica, ou para o sarcasmo, tão comum quanto aquele, Ananda usa sua escrita clara e cheia de emotividade, para compartilhar seus pensamentos sobre muitos dos assuntos que fluem nas redes, transformando a trivialidade da postagem feicebuqueana. Mas não só. Sampaio eventualmente nos brinda com suas memórias afetivas para dar um certo colorido a temas mais subjetivos e de alcance "universal". Não tenho dúvidas de que sua autora preferida, Clarice Lispector, se orgulharia de seus escritos. Como característica mais particular, Ananda também privilegia um tanto do modus vivendi do piauiense, a partir de suas próprias experiências. Posso dizer que tem sido um regalo poder acompanhar essa criação.
 
O bom é que trabalho da escritora começa a ser encontrado em livro. Assim como Cynthia Osório, Ananda tem sua parte na coletânea, "Baião de Todos", organizado pelo professor Cineas Santos, conforme já mencionei aqui. 

Além disso, neste mês de abril, já tivemos uma espécie de teaser do lançamento de seu livro solo. É uma grande alegria, que Ananda não esconde: “Neste mesmo mês, que guarda o elemento fogo, vou lançar um livro. E não é à toa que não consigo dizer: “meu livro”, é justamente, porque naquelas páginas habita gente. E foi desse monte de gente, dessas mãos que escreveram a minha vida junto comigo, que veio esse livro. Do amor que dei e recebi, dos braços que me agarraram, dos beijos tácitos que me alimentaram, dos conselhos duros que me foram confiados, das lágrimas que debulhei junto a essas pessoas, dos sorrisos que retribui e também daqueles que dei de graça sem qualquer medo de ser ignorada. Esse livro tem a alma das minhas avós, a sombra do amor do meu marido, a minha insatisfação com a vida que a gente teima em estreitar.”  Que beleza! A capa do livro “O vestido”, você pode conferir aqui embaixo:



Mas quando a gente pensa que a Ananda Sampaio se restringiu à crônica, eis que vem, por email, poemas inéditos que a escritora disponibilizou para o blog do passarinho. Os versos encarnam bem algumas das temáticas que a escritora expõe nas crônicas. A emoção à flor da pele também não poderia deixar de estar presente, bem como um feminino feminista, tão caro à nossa geração. São quatro joinhas, para compartilhar com vocês: 


Na cidade que pouco se arvora

Preciso de delírios, sinapses emotivas
Motivos florais, designações verbais
Galhos em direção ao sol
Na cidade onde as pessoas são quase pedras
Habito uma casca, conservo-me borboleta
Na cidade de tantos ilícitos pregadores
Visto bem o manto do pecado desavergonhado
Na cidade dos homens de roupa engomada
Uso estampas em excesso e não tenho ferro de passar
Vejo lírios nas estrias do tecido
Declaro-me Iemanjá
Carrego os pedregulhos que deixam à beira do altar
Para que as águas possam carregar.

Arbóreo

Árvores são brinquedos
Podem ser também telhado
E querem também um abraço apertado
A pele na casca
As folhas, tapete que estala
Galhos, poltronas improvisadas
Para o teatro da vida
Senta lá, menino
Ergue o braço e captura uma fruta
Abre a boca, crava os dentes
Escorre pelas laterais 
O sumo da vida

O manto

Mulheres choram escondidas no banheiro
Porque não podem quebrar a paz do lar
As lágrimas se confundem com a água que cai do chuveiro
Se não fossem os soluços...
Uma mulher triste passaria imperceptível.


Os brincos da avó

O mar é o útero da Terra
Isso eu te disse naquela quase noite
Quando saía de dentro do espelho de Deus
Baleias, peixes, sereias e tubarões
Até o brinco de madrepérola da minha avó veio de lá - pensei

O que eu não te disse é que faço 31 anos
E que meu coração sofre de uma doença ocular-degenerativa
Está cego, pego pelo glaucoma
E eu compassadamente não sei mais o que desejo

Lembrei dos navios naufragados
Gigantescas estruturas de ferro
já transfiguradas no mundo marinho
Com as plantas se enroscando em seu esqueleto

Estávamos ali e eu naufragava
frente a teus olhos nus
Insignificante barquinho de pesca
Tento retirar a água que adentra
Com um balde

A vazão é grande
Não sei se afundarei.



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