quinta-feira, 1 de março de 2018

O reencontro com uma certa terapêutica




Nunca morei no interior e nem estive por mais que alguns minutos em uma roça. Apesar disso, fui uma criança e uma adolescente sempre próxima de plantas, animais e outros reinos. Eu sabia sem saber, que me fazia muito bem estar perto desse mundo. Tantas foram as vezes que me imaginei como alguém próximo ao natural que, a uma certa altura, tive a certeza de que queria ser bióloga.
Fui aprovada no vestibular de biologia: primeiro lugar da turma. Uma festa! Mas como é até bastante comum na vida, nem tudo se segue como nos nossos primeiros planos- e isso pode ser muito bom, inclusive. Minha experiência com a biologia acadêmica se encerrou cedo, por volta do terceiro ano do curso, que não cheguei a concluir. Foi uma rica vivência que até hoje rende bons frutos distintos e distantes de certificados e diplomas e à qual sou grata. Mas de algum modo, a aparente suspensão desse primeiro caminho, não foi suficiente para extinguir um certo tipo de necessidade: a necessidade do mundo natural.
Por isso, esse texto nasce da necessidade de um resgate ativo e afetivo ao que nasce, ao que brota, ao que germina ao meu redor. Certamente estar morando na verdíssima ilha de Florianópolis teve sua quota nisso. Estar lá, reforçou o desejo, já meu discreto amigo, de me sentir cultivadora de alguma planta, de flores, de ervas, de alimentos, uma necessidade que entendi como tal desde os já longínquos dias da minha infância em Teresina, em que travava uma disputa silenciosa- e às vezes nem tão silenciosa- com minha mãe, pela permanência do meu canteiro de quebra pedras ao lado da casa, a“florestinha”, com o tempo tão espertamente cultivado, mesmo às escondidas, com as sementes jogadas aos montes por cima da terra, a cada vez que ela o condenava à capina.
Eu me agarrava àquelas ervas. Elas eram as grandes amigas da criança tímida que eu era, por muito tempo.
Recentemente, terminei de ler um livro que descobri ser uma referência da psicanálise voltada para os arquétipos femininos associados aos mitos e fábulas transmitidos pela história oral. É este “As mulheres que correm com os lobos”, da psicanalista junguiana Clarissa Pinkola Estés, de 1992 e que ganhou uma nova edição brasileira pela Rocco, em 2014. Compartilho com vocês o alívio que me foi encontrar uma autora que fizesse um uso tão pedagógico do melhor dos estudos de Jung sobre arquétipos e a experiência das mulheres, porque não é de hoje a crítica aos marcos da área e uma certa misoginia que os cerca. Eu diria que Estés-Jung trouxeram para mim um dos melhores diálogos interiores para o cuidado de si enquanto conhece-te a ti mesmo, segundo aprendi com Sócrates, com os estoicos e suas reverberações modernas-  nas aulas do professor Luizir.
Estés proporciona essa reaproximação da mulher que eu chamo aqui de suas primeiras experiências histórico-arquetípicas e corpóreo- arquetípicas. A mulher que faz nascer, a mulher que cria enquanto ser criativo, a mulher astuta, a mulher que renasce todos os meses. Para mim, tão próxima academicamente do pragmatismo, corrente que se não nega, pelo menos evita o vocabulário essencialista, ou do eterno, me senti pragmaticamente convencida da utilidade desta obra para a minha vida.
Plantar, de algum modo, ativa uma memória coletiva em mim guardada e não ensinada na esfera prática individual. As mulheres foram as primeiras agricultoras, sabemos disso. E existem muitos bônus ao nosso bem estar no cultivo: a germinação da planta tem seu tempo próprio. Ela me obriga a desacelerar minha ansiedade. Ela precisa de cuidados, sol, terra e água, numa certa medida. E ela é vulnerável: pode ser que algum fungo a ataque, ou um sol mais forte a resseque em demasia (e esse é um risco sempre possível em Teresina). É manifestação da vida-morte-vida, seguindo a linguagem de Estés. Numa outra linguagem: é terapêutica, palavra derivada do grego therapeutike, aquela que cura. Lá na minha infância eu já sabia onde procurar a cura.

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