Sete seriguelas: cinco verdes, uma de vez e uma última madura |
Se Gênesis tivesse sido escrito
pela minha mãe, o fruto proibido jamais seria uma maçã ou similar. Que mal pode
haver em uma fruta comestível? Pera, uva, bacuri, goiaba, guabiraba e até
pequi, nenhuma delas haveria de ser o fruto proibido. Eu, habitante do jardim,
com meus irmãos, jamais reclamaríamos de não podermos comer quaisquer daquelas
frutas. O que nos custaria a imortalidade e a eterna distância do amor divino
seria, isso sim, o acompanhamento da eventual fruta: o sal e a pimenta. Sim,
amigos... aquela manga verde temperada, aquela seriguela com sal e pimenta, ou
só com sal, isso sim provocaria a fúria da manda-chuva do jardim. O medo imposto
em mim de comer a mistura proibida, até uma certa idade, era o equivalente ao
temor de ter que sofrer as consequências de uma mordida no fruto da árvore do conhecimento
do bem e do mal. Dá o que pensar esse medo de que adquiríssemos uma gastrite
numa época tão dura, nos idos anos 1990. Então, na minha cabeça infantil, manga
com sal e pimenta senão era o maior, era um dos maiores pecados no nosso jardim
do éden.
Daí que hoje, estando em casa de
mamãe, peguei uma seriguela que estava ali no saco para amadurecer. Aproveitei
que estava sozinha e decidi pegar a pimenta-do-reino e o sal para saborear a
fruta. “Ora, já comi manga temperada em salada de self-service dezenas de vezes!”.
Preparei o pires, misturei com o dedo indicador o branco e o preto; mergulhei a
seriguela mordida lá. Comi a frutinha toda. Uma delícia. A sensação engraçada
de burlar uma regra doméstica não tinha mais peso, já tenho mais de trinta
anos, mas a agitação que se deu em mim para realizar um feito tão simples, em
vez disso, provocou uma saudade do desemparo da infância, em que as regras mais
inusitadas se fazem necessário, uma sensação de arrependimento de não ter sido
uma criança desobediente, um imenso carinho pelo cuidado da minha mãe e uma
alegriazinha de desafiar, novamente, meu paladar adulto acostumado. E um certo alívio
de não ter havido nenhuma expulsão com direito a anjo com espada de fogo[1].
Logo, convido quem está lendo esse texto, ao pecado original com sua fruta
favorita: sabor, ardor, amor.[2]
[1]
Certamente as imagens de “Belas maldições”, série da Amazon baseada em homônimo
do Neil Gaiman, estão em mente, avivando a metáfora bíblica.
[2]
Referência ao musical “Ardor, Amor”, que esteve em cartaz em Teresina, no mês
de Maio de 2019.
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