Estou lendo o livro "Metafísicas Canibais", do Eduardo Viveiros Castro e já antecipo que a obra é daquelas que te reviram e dão um nó nos conceitos que você se acostumou, especialmente para quem trabalha com a parte mais tradicional da academia. Mas o bom é que não é só para quem é da academia: logo de início ele avisa que é um livro que pode ser lido por leigos. Diz, ainda, que pretendeu fazer o que Deleuze fez, mas em sua própria área de atuação: um tipo de antropologia "epistemopolítica"- um termo totalmente novo para mim, inclusive. No livro, o autor propõe pensarmos o modo de entendimento do Outro, partindo das suas pesquisas com os ameríndios. Isso ocasionaria mais que uma inserção de novas variáveis ou conteúdos em nossa imaginação: toda a nossa estrutura da imaginação conceitual entra em regime de variação, assumindo-se como variante, versão, transformação. Ou seja, levar em conta o modo de entender o mundo que o outro assume nos torna a todos variantes nesse contato (com o detalhe de que esse Outro nos mostra a nós Mesmos de um modo que não nos reconhecemos). E por aí vai.
Mas essa postagem não é uma resenha sobre o livro do Viveiros Castro. É mais sobre um insight que tive enquanto lia um trecho específico da obra, o qual reproduzo a seguir:
Sublinho: proliferar a multiplicidade. Pois não se trata, como lembrou oportunamente Derrida (2006), de pregar a abolição da fronteira que une-separa 'linguagem' e 'mundo', 'pessoas' e 'coisas', 'nós' e 'eles', 'humanos' e 'não-humanos'- as facilidades reducionistas e os monismos de bolso estão tão fora de questão quanto as fantasias fusionais-; mas sim de 'irreduzir' e 'imprecisar' essa fronteira, contorcendo-se sua linha divisória (suas sucessivas linhas divisórias paralelas) em uma curva infinitamente complexa. Não se trata então de apagar contornos, mas de dobrá-los, adensá-los, enviesá-los, irisá-los, fractalizá-los (EVC, logo na página 28)
E então eu lembrei de algumas das séries que o André Piauí produziu, com suas fotos. Sim! Fotos! A forma de comunicação mais bem sucedida da atualidade. As séries [sobre o aparente fim das cidades], [o sobre], [something about dreams], [da microgeografia do fim], [something about love], [something about life] e em algumas outras, André segue uma via não tradicional da fotografia, uma via que parece atingir, a partir da nossa própria sociedade ocidental (com elementos, digamos, evidentemente ocidentais) o que Viveiros Castro destacou. O Outro atingido é o Mesmo, mas com suas fronteiras "imprecisadas", "irreduzidas", dobrado, adensado, enviesado, irisado, fractalizado. O Outro que é o sujeito ou coisa fotografada que deveria ser uma representação do real, ou um signo facilmente identificável pelo Mesmo (ou o que esse mesmo esperava) surge borrado, riscado, sobreposto, desbotado, irreconhecível. Aí vem o título de cada série, que reforça o estranhamento deste Outro que deveria ser o Mesmo, e é, mas não é mais reconhecido como tal. E é justamente nesse espaço de não reconhecimento e de estranhamento, onde "algo" ocorre.
Esse mundo difícil de compreender da perspectiva dualista tradicional que o antropólogo e o fotógrafo descortinam, sempre foi povoado, contudo. Mas isso eu falo em outra postagem, na qual eu também vou falar sobre o feminismo.
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[Sobre o aparente fim das cidades] |
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[Sobre o aparente fim das cidades] |
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[Sobre o aparente fim das cidades] |
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[o sobre] | | | |
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[something about dreams] |
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[something about dreams] |
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[da microgeografia do fim] |
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[something about love] |
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[something about love] |
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[something about life] |
Ps. Aqui um pouco sobre o antropólogo:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Eduardo_Viveiros_de_Castro e aqui as séries do fotógrafo:
https://www.flickr.com/photos/andrepiaui/
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