segunda-feira, 20 de julho de 2020

Entrevista: Leandro Durazzo

 
O twitter, presente na minha vida há 10 anos ou 11, não me lembro direito, me trouxe muitos encontros preciosos. E desses encontros felizes, alguns ainda trazem o brinde de serem pessoas com bastante afinidade criativa com a criadora deste blog (moi!). E é isso, eu tomo a liberdade de dizer que na entrevista de hoje eu converso um bocadinho com uma pessoa assim e compartilho com vocês.

O Leandro Durazzo se apresenta logo aí:

 
1.       Leandro, obrigada pela alegria de estar aqui concedendo essa entrevista. Você pode falar um pouco de você, apresente-se para nossas leitoras e leitores. =)
 
Quem sabe da gente é o outro, né? Mas até onde me cabe entender, sou um bicho inquieto, que não consegue não ter na estrada o horizonte. Nasci em Santos/SP, cresci ali, me formei em Araraquara, interior também de SP, e de lá pra cá foi Recife, Espanha, Caruaru, Araraquara outra vez, Santos a intervalos intervalados, Portugal, volta pra Santos, São Paulo, Florianópolis, Natal, Rodelas, no sertão da Bahia, junto ao povo Tuxá com quem pesquisei em meu doutorado – e que me ensinam tanto, desde então e sempre – daí João Pessoa, e agora outra vez Natal, mas nunca se sabe. Eu sou essa estrada: a circulação é o mais importante no dizer-quem-sou. Sou antropólogo, tradutor, budista, um pouco escritor, e neste exato instante ouço “Qué qui tu tem canário” de Xangai, um dos maiores cantadores deste planeta. Ouçam também.
 
2.       Quando e como surge o Leandro Durazzo poeta? A escola teve algo a ver com isso?
 
Daí depende. No colégio eu lia muito, muito mesmo, de me fazer inveja hoje. Ali pelo ensino médio assumi a função de bibliotecário da escola, que era estadual, caindo aos pedaços e com a biblioteca fechada havia anos. Resolvi abrir a biblioteca e me dispus a ficar lá em períodos alternados a minhas aulas. Acho que ia sempre à tarde, enquanto estudava de manhã. Daí li infernalmente mais. Obras completas, poesias completas, prosas e quetais. Era começo dos anos 2000, 2002, se não me engano, pouco antes da faculdade. É minha memória mais antiga de me dispor a escrever poesia (na época lia muito Vinicius Bilac Florbela Byron Castro Alves as tirinhas da Mafalda coisa demais, nem-te-conto). Os primeiros versos de que me lembro escrevi por ali (antes, contos e letras de pagode já tinham sido escritos, mas não conta exatamente como poesia). Agora, o “Leandro Durazzo poeta” é um bicho que não existe. Não me digo isso, nunca jamais, pelo menos até o momento.
 
3.       Do que eu li do seu trabalho, o que mais me chama a atenção é seu cuidado com o pequeno, o insignificante ganha muita significação nos seus versos. O que você pode dizer dessa capacidade que a palavra parece ter para reanimar o mundo?
 
A palavra tem a capacidade de despertar a atenção para o mundo. O mundo e o ânimo do mundo existem muito bem sem a palavra. Ela, no fim das contas, é nossa forma humana de puxar outros humanos pela orelha e dizer, de um modo muitas vezes sucinto, faz-silêncio-e-escuta. O que a palavra faz é dar um corpo humano ao ritmo do mundo, ao movimento, à música e à dança das coisas. Por isso mesmo a palavra, quanto menos palavrosa e humana, tanto melhor.
 
4.       Você gosta mais de ler poesia ou de escrever poesia? Quem são suas inspirações?
 
Já li bastante, já não leio tanto mais. Poesia, poesia mesmo, tenho lido bem pouco, e o que mais tem me interessado é a prosa. Não só pelas histórias, mas pela cadência, ritmo, pelo corpo das palavras que se encadeiam sem necessariamente buscarem a forma poema. Mas destes, Murilo Mendes é dos maiores, e me interessou muitíssimo durante minha formação. Antes, claro, os que citei acima: Bilac (formalistíssimo viu?) e Vinicius (um bonvivã) acho que foram dois que, no começo, importaram muito a minha leitura. Mais recente, além de Murilo Mendes, o enormíssimo Leonardo Fróes, um monumento. Mas agora, agora mesmo, quer saber o que mais interessa, ao que mais dou ouvidos, o que mais inspira e que mais admiro? Poetas populares, cantadores, cantigueiros, benzedeiras com suas rezas, toantes, benditos, a toada do mundo e não a pena do poeta.
 
5.       E a prosa? Em “Mar de viração” você sentiu uma necessidade de experimentar outros formatos por conta da história que tinha em mente, ou ela poderia ser contada de outro modo? 
 
É aqui que vai a poesia. Na fala. Na prosa. Guimarães Rosa, Italo Calvino, Ursula K. Le Guin, Neil Gaiman, Murilo Rubião, Lygia Fagundes Telles, Sophia de Mello Breyner, Ariano Suassuna, Tolkien e todo aquele que escreve e é preciso na inscrição. Poesia.
 
Mar de Viração é uma coletânea de novelas que se expressam de três formas bem distintas. A primeira, O Naufrágio do Aqueronte, é uma prosa razoavelmente tradicional, embora não tanto. Os diálogos, a fala dos personagens, o ritmo dos acontecimentos-como-vistos-por-quem-os-vive é o grande lance do naufrágio. A segunda, terra húmyda, é literalmente uma contação de estórias, barroca e etérea. No começo dela vem a inscrição: “Nota do leitor: escreve como se lê”, porque ela experimenta com o som do sentido mais do que com o sentido, e ler em voz alta ou ler tendo a voz alta da mente ajudam a seguir na terra húmyda. A terceira novela é, na verdade, um conjunto de solilóquios, personagens antiquíssimos e contemporâneos falando, falando, falando e deixando o leitor escutar. E, na escuta de suas falas, fazendo o cenário ao redor ganhar vida. Mesmo que mais ninguém fale, mesmo que narrador nenhum haja.
 
6.       Quanto da vida real do Leandro está lá acontecendo nas suas obras? Seu eu-lírico costuma parecer com você?
 
É tudo bem misturado, nos poemas. Na prosa, já nem tanto. Os poemas costumam ser parte da visão do mundo, da audição do mundo, do ritmo das coisas pelas quais passo e no passo pelo qual danço, etc etc e tal. Mas a prosa vai se compondo também com o mundo conforme o mundo vem vindo e eu por ele me sigo. Pouco antes de Mar de Viração ser lançado, publiquei no meu blog algumas reflexões sobre cada uma das novelas (aqui: https://miseramesa.blogspot.com/2018/06/mar-de-viracao-cronicas-de-uma-ficcao.html; aqui: https://miseramesa.blogspot.com/2018/06/mar-de-viracao-cronicas-de-uma-ficcao_27.html e um fio recente no twitter coletando coisas sobre o livro: https://twitter.com/durazzo/status/1281987658206650368). Mas é aquela história: tudo na vida é vida, então não é minha escrita que vai não-ser.
 
7.       O seu trabalho de tradução te ajuda a compor seu material poético e/ou vice-versa? E o trabalho do antropólogo?
 
Muitíssimo, claro. Só se traduz sabendo escrever em sua própria língua, e só se sabe isso lendo bastante, ouvindo bastante, pesquisando bastante, entendendo bastante. Conhecendo o mundo e as pessoas no mundo e as falas das pessoas no mundo e também as falas do mundo, que fala como ele só. O contrário, com o tempo, também vai acontecendo: a tradução que a gente faz como ofício, como pão-nosso-de-cada-dia, vai dando traquejo na escrita que a escrita-por-ela-só, especialmente quando somos jovens expressando sentimentos, nem sempre traqueja. Ou seja: a gente aprende a traduzir ouvindo o mundo e aprende a ouvir o mundo, e com o mundo falar, ao entender a tradução como processo comunicabilíssimo de comunicação. Que é o que a gente faz quando inventa de falar.
 
8.       Por fim, você tem alguma escritora e algum escritor para recomendar para as leitoras e os leitores do blog? 

Ouçam Izi Férro, leiam Leonardo Fróes.

 

Leandro estende um dedo para um passarinho num galho. Perto, um pedaço de melancia. Um homem próximo, onde só aparece parte da perna. Acredito que seja em uma aldeia.


O Leandro também está na coletânea organizada por Adriana Calcanhoto, que saiu pela Companhia das Letras, o "É agora como nunca":  https://www.companhiadasletras.com.br/trechos/14070.pdf
Aqui o primeiro livro “Tripitaka”: http://miseramesa.blogspot.com/2014/10/tripitaka.html?m=1
Tem aqui no ótimo jornal literário Quatro Cinco Um: https://quatrocincoum.folha.uol.com.br/br/resenhas/l/caldo-primordial 
Tem livro para ler disponível em pdf (recomendo fortemente): https://pt.scribd.com/doc/282324926/Leandro-Durazzo-o-Amor-e-Um-Brownie
E se você procurar no google, ainda encontra mais coisas. O escritor-antropólogo-tradutor-budista-andarilho é bastante prolífico. ;)

Até mais! 💜




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