Me sinto uma grande
privilegiada (finalmente! chegou o meu dia!), por sofrer por amor em meio a um país mergulhado em
luto e sofrimento. Essa minha ferida imensa e particular, que encontrou espaço
em outras tantas feridas imensas e particulares que colecionei aqui dentro, me
garante um tipo de insanidade prática, uma que me permite fazer alguma coisa a
respeito. A minha loucura precisa dessa fresta de liberdade. Nas demais
tragédias, amplas, de multidões, talvez rezar. Mas estou achando que o Deus que
costumo rezar, não tem nada a ver com aquilo. O pacto que vocês fizeram esses
últimos anos foi com Tânatos, que envolve a morte pela morte, a não ser que
você considere que a totalidade do Deus cristão é apenas a sua versão Jeová,
Tânatos não tem muito a ver com ele. A não ser quanto ao seu próprio filho. Mas
ali é morte com esperança e não sei se nos sobra alguma. Morte com esperança
também é a da velha dos ossos, da mulher lobo e a da mulher esqueleto. Os ossos
depois da morte tendem a persistir ainda por muito tempo. Podem servir ainda
para outros usos, até nobres.
Sofro por amor e, me desculpe a
cultura da culpa e da aversão a esse tipo de sentimento vindo de uma uma mulher
intelectualizada, mas negra, lascada e periférica- sentindo a si mesma-, mas esse
sofrimento paradoxalmente arrisca e garante a minha existência de verdade. O
restante é paisagem que me atormenta, me atomiza e me tira a chance de fazer
algo concreto, a não ser lamentar. O sofrimento por amor me dá a possibilidade
final da minha própria morte. Estaria fazendo algo.
Coitados dos humanos que amam
assim. Ignorantes, mas plenamente convencidos de que sabem o que estão fazendo,
com que tipo de feitiços antigos e ritos esquecidos estão brincando. Sorte a
dos cínicos e dos bon vivants e a dos ascetas. Sorte de quem não encheu a
cabeça com o excremento da liberdade dos grandes centros, vivendo no cu do
mundo. Cu realmente é uma palavra linda, Adélia. Carlos não gostava muito dela,
apesar de apreciá-lo.