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Exames Aleatórios de Imagem (2024), Laís Romero, Coleção Diabo na Aula, Ed. Mórula
Com mais um livro da Laís em mãos, fui sossegada de que encontraria algo bom naquelas páginas. Páginas aliás muito bem editadas, com um papel de qualidade, nome ousado na coleção (diabo na aula), páginas de cores alternadas em cinza e um amarelado. A capa, não sei se será um padrão da série, ou coincidência, lembra, de fato, as propagandas geométricas dos anos 2000, dos laboratórios de imagens da cidade.
O título já nos avisa que encontraremos algumas imagens anatômicas e aí eu devo dizer que fui corajosa, posto que anatomia foi a primeira disciplina do curso de biologia, priscas eras atrás, que me recusei a cursar (a escusa de consciência como dilema ético não era levado em questão na prática, como pode ser levada hoje). Daí foi a porta de entrada para abandonar o curso. Eu havia tido alguma experiência com as feiras de ciência e de anatomia da escola e levei a serio minha reação. Mas que bom que um grande número de pessoas não vê problema nenhum nisso, seja para exercer as áreas de saúde, pesquisa e também a escrita literária, que no caso da autora, é tudo isso ao mesmo tempo.
folha interna com trecho do poema
Mas do jeito que escrevo, fica parecendo que tenho um livro gore em mãos. Ainda que a tragédia da vida e da morte estejam lá, a ironia, o humor e o simbólico, permitem que tenhamos acesso aos corpos, inteiros ou despedaçados, dos temas que Laís nos chama à atenção. O rio, a guerra, a criação, o feminicídio, a notícia, o sonho, a história, a maternidade, o amor e o tarô- e outros mais que surgem do desdobramento destes. O poema que dá nome ao livro, é um itinerário pela memória de alguém que não é ouvida.
O tema da guerra é um dos novos inspiradores da escrita da Laís, pelo menos desde que venho acompanhando seu trabalho, há mais de 10 anos. A violência sempre apareceu aqui e ali, como não é surpreendente quando a escritora é um ser humano mulher (dentre outros marcadores, estudei isso muito tempo, peço desculpas pela recorrência), sensível à certa categoria de sofrimento justamente por sê-la, ainda que caiba a cada uma porção dessas intercessões únicas, mas... a dimensão da guerra, que é trazida até nós pela internet e pelo noticiário da tv e que contamina as mais variadas formas de arte, mesmo a feita em uma terra que insiste em permanecer longínqua, como a nossa, sobre uma terra que tornaram longínqua, como a Palestina. No nosso caso pelo menos há dúvida a respeito de uma possível escolha.
Se a Susan Sontag vem puxando o fio do novelo das possibilidades éticas de estarmos expostos a essas imagens terríveis de sofrimento distante, a arte surge como uma linguagem (lato sensu), com vocabulários próprios de aproximação ou distanciamento desse horror. E mesmo o Piauí, sempre tão distante da atenção do próprio país e até de si mesmo (estou fazendo aqui uma espécie de apelo), é capaz de abrigar escritoras sensíveis ao genocídio, ao ponto de escrever coisas de uma terrível beleza, como os poemas abaixo, num momento em que grande parte do jornalismo responsável pela divulgação daquelas mesmas imagens, é incapaz de emitir as palavras exigidas para descrevê-las: massacre, genocídio, assassinato de crianças. Se não o fazem por questões ideológicas, religiosas ou de patrocínio, também é algo muito sério. Mas no nosso caso, talvez a nossa complexa distância, herdada da colonização, permita, em uma consequência não desejada, uma liberdade de expressão que precisaria ser mais aproveitada*. Eis os poemas:
poesia de guerra
a poeta palestina
O assunto não é novo entre nós aqui, então seria im-pos-sí-vel que eu não me exaltasse (sim, aqui estou agitada). O pequeno livro de 90 páginas traz outros tesouros, como a jornada de um corpo que você vai acompanhando entre outros poemas que se intercalam com ele e, dentre os poemas dos arcanos do tarô, temos o belo "a temperança" em 4 versos e ainda os estranhos personagens que se arrastam pelo fundo do mar desde o início do livro, que vão ressurgindo. E para quem é do simbólico, há uma conversa a partir do tarô de Marselha que espelha vários dos temas que já apareceram e outros interesses da alma.
Termino esse pequeno texto comentando que já li três vezes o "Exames Aleatórios de Imagem" e ainda digo que, apesar de ser uma pessoa da releitura, não é sempre que um livro me entretém, como ele está fazendo. Como se eu estivesse conferindo o estado atual do imaginário de uma amiga e conversando com ele.
O que saiu sobre a obra e que pode te interessar!
Geleia Total (2025), "Exames Aleatórios de Imagem" citado entre os lançamentos da Laís.
Entrevista recente na Revestrés.
Notícia do lançamento do livro no site da Revista Acrobata.
Site Pauta Cultural relaciona os últimos lançamentos da autora (2024/2025).
Fotos do bate-papo na Livraria Entrelivros, site literatura piauiense.
Nossa última postagem com ela foi sobre seu outro livro de poesias "Mátria".
*Eu deixei de fora a coerção social local sobre tantos assuntos políticos nas esferas públicas.
Olá, amizades! 🌳
Mais uma TAG, porque eu gostei de brincar disso! Trouxe uma que aprendi no canal Redemunhando, da Natasha, que por sua vez indicou o Keeping Tabs como origem das perguntinhas. 😎
De antemão aviso que minha versão é ligeiramente menor, em vez 20, dou 14 respostas. Nos canais mencionados, você pode encontrar a lista completa. 😊
❗Aviso:
Quando aparecer o link da amazon, caso você compre, reza a lenda, eu ganho centavos, sem você pagar mais nada. Nos demais links não tem isso. 💟
Lembrando que os preços digitados dizem respeito apenas à data em que escrevi e publiquei a postagem (poucos minutos de distância). Por isso é sempre bom clicar no link e conferir se houve alteração.
E aqui está nossa TAG anterior: https://diariocriativopassarim.blogspot.com/2023/09/tag-dos-calhamacos.html
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🐳 Cachalotes - a foto sobre o belo poema |
Por muito tempo, eu desejei ter um livro de uma das escritoras que me inspirou a ser poeta. Apesar de aparecer em publicações diversas, Laís Romero decidiu trabalhar com muito cuidado e durante muitos anos, o seu primeiro livro de poesias, pouco tempo depois do lançamento do seu primeiro conto. O que escrevo aqui são as impressões que eu tive ao ler o livro pela primeira vez e também as que tive ao conviver com Laís ao longo dos anos- ela pode me culpar de qualquer leitura controversa dos fatos e da vida, hehe! 🌻
Acredito que apesar da grande agência que uma mulher como minha amiga pode ter, o atraso, com algumas aspas, daquilo ao que tanto dedicou a alma, diz muito de uma estrutura capenga e rota, que é tão difícil atravessar e, sempre que acontece, saímos sempre muito adoecidas e pior, sem esperança. Mas como disseram Victoria Santa Cruz e Maya Angelou, não retrocedemos e nos levantamos sempre que conseguimos acessar nossa rede de cuidados. 💪
Então, eu acredito que esse livro, como um livro escrito daqui do Piauí, por uma mulher negra, parda, de origem indígena- resultado de violência e apagamento das nossas ancestralidades, sobram-nos os fenótipos e o resto de memória oral, mas a terra conta sua história e ela existia antes de nós, com os nossos-, eu acredito que esse livro e os demais que vem saindo dessa mente sensível e criativa, fazem um grande movimento geral, dentro de mais um grau de liberação das mulheres, tão heterogêneas. 👩👩👧
Mas se eu fosse escolher um poema para ilustrar Laís, seria justamente Mátria, onde acompanhamos abrigo e percurso, onde nele ela insiste na coragem. Mesmo maquiando olheiras. Além dele, escolhi alguns dos meus favoritos, contudo, a verdade é que cada um deles mereceria uma postagem própria. Por enquanto, são esses: 📚
Alguns dos meus poemas favoritos de Mátria:
Percurso do silêncio
O nervo nu lambido
nervo nu tocado
vibrato
corda do acaso
o nervo nu imposto
nervo da margem
nervo açoite
nervo automático
mais dia
menos dia
o nervo nu combate
...................................................
Credo
Eu acredito na poesia
Coisas incontornáveis e inúteis
Creio na palavra
Nos tambores versos guiados
Espelhos da realidade
Flecha
do gesto ancestral
............................................................
Antes de ser mulher,
meu amor,
nada era meu
............................................................
Debaixo dos meus pés
as mortas falam
amenidades e comentam
tantos prejuízos
Confundem meus segredos
com as belezas do passado
trançam iniciais da família
nas raízes das árvores
Uma madrugada suada
me abordam nos sonhos
acariciam meus cabelos
e me acordam mais um dia.
......................................................
Esta poesia tacanha se arrisca:
vai sozinha às ruas
metafísica de garagem
feito irresponsável de mulher
Uma poesia tímida e vadia
que se arrisca
Há fogo e valsa nestas linhas
- Convido a todes, todas e todos a ler essa belezura! 😊
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Nós já trouxemos antes a Laís Romero aqui: 📑
https://diariocriativopassarim.blogspot.com/2018/01/lais-romero.html
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Onde encontrar a produção efervescente da Laís Romero? ❤️🔥
🔴 MÁTRIA: https://www.lojadaclara.com.br/produto/matria-lais-romero.html
▪️ Amora https://www.amoralivros.com.br/post/novas-autoras-contos-ineditos
▪️ O instagram da diva: https://www.instagram.com/l4isromero/
▪️ Blog http://humanahumana.blogspot.com/
▪️ Poemas https://www.yumpu.com/pt/document/view/13051477/6-poemas-de-lais-romero-desenredos
▪️ Mais poemas https://revistaacrobata.com.br/demetrios/poesia/2-poemas-de-lais-romero/
▪️ Memória: https://poesiatarjapreta.blogspot.com/search/label/La%C3%ADs%20Romero
● CINTHIA Osório continua num produtivo momento com suas poesia, que ela compartilha com seu público também no Instagram "Gosto de Letras". Segue uma delas, resgatada do ano de 2014:
o tamanho da minha espera
celebra sua presença exagerada
quando você é tudo o que couber de saudade
mas não me ame sem rumo
decore as imediações dos meus lábios
não me ame à espreita
percorra a distância dos meus braços abertos
me queira com hora marcada
e faça um acerto com a hora errada
não asfixie declarações na sua boca de cigarro
nem cuspa o chão como ruído do que não é
possível dizer
não esteja presente se não puder dê-lo
Cynthia Osório, 19/06/2014.