sábado, 19 de março de 2016

Texto para um sábado de manhã em tempos sombrios



Estamos passando por um momento crítico de intensificação da nossa capacidade de polarização. A política, má conduzida, termina por ser desculpa para a expressão do que cada uma e cada um temos de não tão bom. Um amigo em uma rede social, lembrou do que na academia chamamos de Princípio da Caridade: numa discussão, ouvir o outro e admitir que existe um sentido e importância na fala desse outro, por mais diverso que esse discurso seja das nossas crenças atuais. É um exercício difícil, ainda mais em tempos do governo das paixões (no sentido de pathos, doença). Contudo, se realmente queremos mostrar que aprendemos alguma coisa com os erros que cometemos ao longo da nossa história ao acharmos que a nossa lente de percepção do mundo é absolutamente correta (vide comportamento prévio da população, incluindo partidos, mídia, sociedade civil organizada em geral dos vários regimes autoritários, de todas as cores, espalhados pelo mundo por toda a história humana recente), é preciso apostar nesse esforço.

O germe do que chamamos de fascismo, aquele que não ouve, que está sempre certo e que para isso não hesita em negar a existência do outro discordante, seja por meio de um discurso do tipo “Morra Dilma” “Morra Aécio” “Morra Lula” “Morra Moro”, seja por meios sutis ou ainda mais agressivos, esse germe, caras e caros, não está só no outro. A intolerância do fascismo está em nós também, habita como potência cada um e cada uma. É preciso estar atenta e atento e perceber que antes de vigiar tão ferrenhamente o que o colega fala, é preciso ser crítica quanto ao nosso próprio comportamento. Tomar partido não pode querer significar a destruição da nossa capacidade de empatia e se realmente queremos continuar como uma sociedade democrática e plural (friso o plural), vamos ter que ser capazes de ir muito além do que a polarização do presente dá a impressão de nos obrigar.

Lembrar da complexidade humana na teia afetiva que cada uma e cada um de nós foi capaz de construir ao longo da vida, por exemplo, ajuda a desinflacionar a questão a um tamanho com o qual possamos lidar. Tenho pessoas que eu amo, pessoas que eu admiro, do “outro lado” quanto às questões da política presente, mas isso não pode querer significar a redução do meu afeto(ainda que seja um desafio), ou da minha vontade de tê-las na minha vida. Ainda que por um momento a distância exista, é preciso ampliar e perceber que existem outros valores, outros âmbitos que ainda compartilhamos com aquelas pessoas. Mas nesse ponto, não quero falar só daquelas que conhecemos. O exercício de empatia é vitorioso principalmente quando alcançamos a capacidade do que mencionei no Princípio de Caridade para aquele desconhecido. Sempre fomos capazes de estender nossos círculos de empatia e é nisso que a democracia se pauta, a meu ver, muito mais do que em abstrações racionais. Vamos mesmo permitir que essa singularidade política nos afaste da pessoa que somos? Que destrua nossa humanidade? Que leve embora os valores de um sonho democrático que agora parece ameaçado?

O tempo também é para palavras que podem soar ingênuas. Mas acreditem, elas não são. Eu precisei ter muita coragem para escrever esse texto, sabendo que sou eventualmente cobrada por mim mesma e por outras pessoas, sobre minhas convicções políticas.

Quem conhece o que pesquiso sabe que está tudo aí diluído nesse textão de rede social. Quem me conhece além da academia, entendeu mais ainda. Se por acaso, diante da dinâmica do contexto eu fraquejar e ceder ao germe do fascismo (e estou trabalhando minhas contradições para que isso não ocorra), espero que pelo menos essa mensagem inspire outras pessoas a não fraquejarem onde eu porventura vier a fraquejar.

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