Esses dias
a noção de humanidade foi renovada. Não é todo dia que isso acontece. No dia a
dia somos pouco coesos, tanto pela pluralidade como pela divergência. Uma
historiadora que costumamos utilizar na especialização em direitos humanos
Esperança Garcia (PI), chamada Lynn Hunt, defende a ideia de que a auto evidência
(a obviedade, digamos) desses direitos foi algo construído com o tempo, às
custas de um trabalho intenso do exercício de empatia e solidariedade,
estimulado na esfera pública: mercados, cafés, ou qualquer local que as pessoas
se reunissem para contar histórias e se condoer com as personagens delas, sendo
reais ou não, sendo da sua classe social ou de outra, de seu gênero ou de outro,
de sua raça e etnia ou outra- aí eu incluo até a fofoca de boa fé. O Rorty, que
é um cara que eu estudei na filosofia, vai dizer que a humanidade não existe. A
leitura que eu faço é que, nesse sentido, a humanidade não existe a não ser que
você diga que grupo de humanos é esse- brasileiros ou chineses? Sempre achei um
pouco pobre essa saída do Rorty. Não sendo a humanidade uma abstração
permanente e distante, ela é, contudo, uma REALIDADE manifesta em nossa
contiguidade como espécie. E eu invoco a pandemia do coronavírus como fundamento
para essa afirmação. Se havia alguma dúvida de que havia uma humanidade entre todas
e todos nós, o vírus veio tirá-la da frente. A característica da sua
aleatoriedade, ainda que tomemos muitas precauções, exige que seja repensado a
absurda continuidade da aplicação do neoliberalismo nas economias dos países:
eu preciso salvaguardar a todos, já que não sei quem poderá ser atingido (um
desconhecido, ou meu pai?). Basicamente um véu da ignorância de John Rawls,
liberal que faz muita falta aos liberais do Brasil. Pensar cada ser humano como
parte dessa humanidade nos ajuda a levar adiante iniciativas que mitigam os
efeitos danosos dessa aleatoriedade da doença (que, contudo, afeta mais gravemente
pessoas já debilitadas), como a renda básica universal, que está em vias de aprovação
no congresso nacional, uma da poucas medidas de amplo alcance que estão sendo
aplicadas. Infelizmente, o líder da nação e as pessoas que o seguem, não se
reconhecem nessa noção de humanidade compartilhada. Acreditam pertencer a uma
casta superior aos meros mortais, por isso não se protegem e ainda atrapalham
quem tenta se proteger da pandemia. Acreditam-se inatingíveis. Eu suspeito que
o COVID-19 não foi avisado a respeito dessa pretensa blindagem e vai continuar
lendo “humanidade” escrito na testa deles. Muitos serão forçados a lembrar da
nossa contiguidade como espécie. E não vai ser bonito.
Harmonia Rosales- Mulher vitruviana [uma outra humanidade é possível] |
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