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domingo, 14 de outubro de 2018

Entrevista com Dani Marques




Hoje eu trago mais uma das nossas entrevistas com autoras piauienses (é só clicar na palavra chave referente aí embaixo para ver as demais). Hoje é a Daniely Marques, que até já teve postagem aqui sobre o lançamento de um dos seus trabalhos, que ela menciona (clica aqui). Aproveitem a entrevista:


1.       Dani, obrigada pela alegria de estar aqui no blog concedendo essa entrevista. Já tem um tempo que era para isso ter acontecido. Fala um pouco de você, apresente-se para nossas leitoras e leitores:

Olá, Nay! Agradeço a oportunidade de falar de mim e do zine “Desembucha, mulher!”.  Bom,  eu me acho um mix, sempre curiosa,  logo porque já tentei várias coisas nessa vida, e só agora me encontrei um pouco – espero que não seja tardiamente. Fiz duas graduações, e não trabalho em nenhuma das duas, me descobri mesmo trabalhando com a escrita. Teresinense, 33 anos, mãe solo de uma menina de 5 anos. A escrita foi o refúgio para me encontrar depois da maternidade, e ajudar outras a se encontrarem. 

Dani e a segunda edição do zine


 2.       Como surgiu esse plano de trabalhar com cultura, uma área tão bela, tão importante e tão subestimada no país?

O zine tem um lance místico, talvez tenha nascido da vontade de dizer uma basta a uma série de silenciamentos que eu sofri ao longo da vida. Nós mulheres somos feitas para aceitarmos tudo bem caladinhas, algumas conseguem, outras não. Quem não consegue, adoece, sente que existe um incomodo, e a fala, antes sufocada, acaba que necessitada de gritar. E como é que funciona esse grito? Através da arte, da cultura. Eu me identifico com a escrita, e vi que outras estavam no mesmo barco que eu. Por que não nos juntarmos? Daí a coletânea de textos, organizada de forma underground . E foi aí que eu vi que é tão complicado trabalhar com cultura, de certa forma, você incomoda

3.       E o “Desembucha, Mulher!”? Como um zine conseguiu alcançar tanta relevância no cenário local? O que você acha que ele significa nesse contexto de levante de mulheres historicamente silenciadas? Você sente que falta alguma coisa para que seu projeto se complete, ou ele alcançou um estado ótimo, dentro do que você tinha sonhado?

Todo o alcance do zine foi uma total surpresa pra mim. Eu não imaginava que ele teria esse alcance, e foi muito bom. O combustível que me dá força pra continuar com ele são os relatos de mulheres que sentiram contempladas de terem seus escritos publicados, impresso numa folha de papel, onde elas poderiam manusea-los, mostrar. É a concretização de uma ideia. Além de tudo é empoderamento, é não precisar de validação masculina. Tudo isso casa com esse momento do feminismo atual. No mais, eu queria ampliar, publicar mais autoras, lançar mulheres ótimas que estão por aí e sem oportunidade. Meu sonho é que quando alguém for citar autorxs piauienses pelos menos metade dos lembrados sejam mulheres.

4.       Você também é uma das mediadoras locais do grupo de leitura mais popular da atualidade no Brasil, o “Leia Mulheres”. Você pode resumir um pouco da proposta para a gente, incluindo aí sua própria experiência no grupo?

O “Leia Mulheres” é um clube de leitura que também combate essa predominância masculina nas nossas estantes. É triste constatar que a maiorias dos autorxs que falamos, que usamos como referências, são homens. E a proposta do clube é essa, tentar, nem que seja de forma mínima, tirar esse desequilíbrio, nos fazer consumir autoras, saber da existência delas. Nossa! Depois do clube já conheci tanta autora bacana.

5.       O que você diria para mulheres que tem filhos para criar (muitas vezes sozinhas, como é o seu caso) e que são diariamente desencorajadas pelo mundo a seguirem seus sonhos?

Nada é fácil para uma mãe, principalmente se for solo. Eu vivo vários dilemas, tentando me livrar de várias culpas que o sistema diz que são minhas. Ser mãe solo é você pegar dupla responsabilidade, assumir pelos erros de alguém omisso,  e ainda ser mal vista aos olhos da sociedade. Sonhar, trabalhar, realizar algum feito diante desse contexto é ser a própria resistência. Não posso garantir que todas nós vamos conseguir romper algum paradigma, ou que vamos alcançar nossos sonhos de forma integral. Não temos controle de nada, mas podemos começar a nos livrar do estigma da mãe perfeita, seria um ótimo primeiro passo. Não damos conta de tudo, e jamais esquecermos que antes de sermos mães somos mulheres.

6.       Quais seus próximos projetos? Pode compartilhar conosco?

Muitos projetos, mas tudo a seu tempo. Como respondi na pergunta anterior, sou mãe solo, e alguns acidentes acontecem ao longo do caminho. Risos. Mas assim que puder, de forma lenta e gradual, lançar uma coleção de autoras piauienses, a terceira edição do zine, continuar nas reuniões do “Leia Mulheres”, e sempre trabalhar ajudando outras mulheres a se sentirem encorajadas e motivadas a escreverem, ou fazer qualquer outra manifestação cultural.

 
Obrigada, mais uma vez, pela gentileza da entrevista, Dani. Espero em breve fazer outra postagem com o seu mais novo trabalho!
A Dani também é uma excelente jardineira <3

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Histórias a serem (re) contadas: Victoria de Santa Cruz


 
Catálogos das exposições e folder.



Semana passada eu tive o privilégio de, andando por São Paulo, poder visitar algumas exposições. Histórias Afro-Atlânticas e Mulheres Radicais: Arte Latino-Americana (1960-1985), a primeira no MASP e no Museu Tomie Ohtake e a segunda na Pinacoteca. Das muitas comoções, surpresas, risos e abalos que sofri me detendo nas obras expostas, uma feliz e forte coincidência: em meio a uma variedade incrível de obras e artistas, em dois projetos independentes, o poema-dança de Victória Santa Cruz, de 1978, apareceu com destaque em ambas as exposições. Eu já trouxe uma vez aqui essa potência que nos foi legada em forma de vídeo. Permita-se, contemplar-participar, novamente, do texto, do balançar dos corpos e da firmeza das expressões dos artistas ali, que trazem a dor da rejeição pelo outro e do acolhimento de si por si, e de si no grupo antes rejeitado.

Volume 1 do catálogo das Histórias Afro-Atlânticas na página que menciona Victoria Santa Cruz (1922-2014). Três fotos da apresentação.




Monturo máter

𝚄𝚖 𝚖𝚘𝚗𝚝𝚞𝚛𝚘 𝚜𝚎 𝚊𝚙𝚛𝚎𝚜𝚎𝚗𝚝𝚊 
𝚀𝚞𝚊𝚗𝚍𝚘 𝚕𝚎𝚟𝚊𝚗𝚝𝚘 𝚊 𝚜𝚊𝚒𝚊 𝚍𝚊 𝚗𝚘𝚒𝚝𝚎,
𝙲𝚊𝚌𝚘𝚜 𝚍𝚎 𝚝𝚎𝚕𝚑𝚊, 𝚙𝚎𝚍𝚊ç𝚘𝚜 𝚍𝚎 𝚝𝚒𝚓𝚘𝚕𝚘𝚜,
𝚄𝚖 𝚊𝚛𝚊𝚖𝚎 𝚒𝚗𝚞́𝚝𝚒𝚕 𝚜𝚊𝚕𝚝𝚊𝚍𝚘 
𝙲𝚒𝚖𝚎𝚗𝚝𝚘 𝚎𝚗𝚍𝚞𝚛𝚎𝚌𝚒𝚍𝚘 𝚊𝚘𝚜 𝚙𝚎𝚍𝚊ç𝚘𝚜,
𝙰𝚛𝚊𝚗𝚑𝚊𝚜, 𝚌𝚎𝚗𝚝𝚘𝚙𝚎𝚒𝚊𝚜, 𝚏𝚘𝚛𝚖𝚒𝚐𝚊𝚜 𝚎 𝚕𝚊𝚐𝚊𝚛𝚝𝚘𝚜 
𝙼𝚘𝚗𝚝𝚞𝚛𝚘 é 𝚖ãe 𝚚𝚞𝚎 𝚊𝚋𝚛𝚒𝚐𝚊.
𝙳𝚎𝚙𝚘𝚜𝚒𝚝𝚘 aqui 𝚞𝚖 𝚙𝚎𝚍𝚊ç𝚘 𝚍𝚘 𝚎𝚜𝚙𝚒́𝚛𝚒𝚝𝚘 
𝚎 𝚊 𝚌𝚎𝚗𝚊 𝚎𝚜𝚝𝚊́ 𝚌𝚘𝚖𝚙𝚕𝚎𝚝𝚊.

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Fragmentos II

Há um tipo de bênção abundante a mim destinada que não me é possível compartilhar. Já tentei levá-la até outra pessoa, mesmo as mais queridas, mas no caminho ela escorre feito água nas mãos. E fico ali, tendo que lidar como a minha frustração e a do outro, por uma magia que não aconteceu. O que de certa forma me consola, é que isso não se dá só comigo, mas com cada um de nós: há algo de incomunicável, mesmo aos descendentes e aos herdeiros. E é de crucial importância entender qual a dádiva que se manifesta a partir si, para escapar de um certo sofrimento existencial. Também é útil para reafirmar nossa potência no mundo. Uma espécie de ponto de partida recorrente.


quarta-feira, 25 de abril de 2018

Toni Morrison me ajuda a pensar a palavra



Tradução adaptada de um texto da e sobre a Toni Morrison. Enquanto eu me tratava de uma meningite, a escritora fazia seu belo discurso pelo recebimento do prêmio nobel. Fico feliz de ter sobrevivido à doença, para perceber essa coincidência. Aqui Morrison sabiamente explica porque a palavra não encerra a experiência, perspectiva que alguém que trabalha com filosofia no século XXI precisa recuperar.


TONI MORRISON SOBRE O PODER DA LINGUAGEM: SEU DISCURSO ESPETACULAR DO NOBEL DEPOIS DE SE TORNAR A PRIMEIRA MULHER AFRO-AMERICANA A RECEBER O PRÊMIO

“Nós morremos. Esse pode ser o significado da vida. Mas nós fazemos linguagem. Essa pode ser a medida de nossas vidas”

Nas últimas semanas de 1993, Toni Morrison (18 de fevereiro de 1931) tornou-se a primeira mulher afro-americana a receber o Prêmio Nobel, sendo premiada por ser uma escritora “que, em romances caracterizados por sua força visionária e importância poética, dá vida a um aspecto essencial da realidade americana.” Em 7 de dezembro, Morrison subiu ao pódio na Academia Sueca em Estocolmo e aceitou a honraria com um discurso espetacular sobre o poder da linguagem - seu poder de oprimir e libertar, cicatrizar e santificar, de expoliar e redimir. O discurso de Morrison, incluído no livro “Palestras Nobel: entre os laureados da literatura, de 1986 a 2006” (biblioteca pública), talvez seja nosso mais poderoso manifesto pela responsabilidade embutida na maneira como manejamos a ferramenta que é a marca registrada de nossa espécie.

Morrison escreve:

Era uma vez uma mulher idosa. Cega, mas sábia. "Ou era um homem velho? Um guru, talvez. Ou uma contadora de histórias acalmando crianças inquietas. Eu ouvi essa história, ou uma exatamente como ela, no folclore de várias culturas."

 Era uma vez uma mulher idosa. Cega. Sábia.

    Nessa versão eu sei que a mulher é filha de escravos, negros, americanos e mora sozinha em uma pequena casa fora da cidade. Sua reputação de sábia é sem par e inquestionável. Entre seu povo, ela é tanto a lei, quanto a sua transgressão. As honrarias que recebe e a reverência com que é mantida vão além do seu bairro, alcançando lugares distantes; até a cidade onde a inteligência dos profetas rurais é fonte de muita diversão.
    Um dia a mulher é visitada por alguns jovens que parecem estar dispostos a refutar sua clarividência e a mostrar a fraude que acreditavam que ela fosse. O plano deles era simples: eles entrariam em sua casa e fariam uma pergunta que só poderia ser respondida com base na diferença entre eles e ela, uma diferença que consideram uma deficiência profunda: a cegueira. Eles estão diante a mulher sábia e um deles diz: “Mulher velha, tenho na mão um pássaro. Diga-me se está vivo ou morto." 
    Ela não responde e a pergunta é repetida. "O pássaro que eu estou segurando está vivo ou morto?"
    Ainda assim ela não responde. Ela é cega e não pode ver seus visitantes, muito menos o que está em suas mãos. Ela não sabe sua cor, gênero ou pátria. Ela só conhece o motivo deles.

    
O silêncio da velha é tão longo, que os jovens têm dificuldade em segurar o riso.

    
Finalmente ela fala e sua voz é suave, mas severa. "Eu não sei", diz ela. "Eu não sei se o pássaro que você está segurando está vivo ou morto, mas o que eu sei é que ele está em suas mãos. Está em suas mãos."
    Sua resposta pode ser entendida como: se está morto, você o encontrou dessa forma ou o matou. Se estiver vivo, você ainda pode matá-lo. Ou seja,  mantê-lo vivo é uma decisão sua. Seja qual for o caso, é sua responsabilidade.
  A despeito do poder deles e do desamparo dela, os jovens visitantes são repreendidos, informados de que são responsáveis ​​não apenas pelo ato de zombaria, mas também por aquela pequenina vida sacrificada para alcançar seus objetivos. A mulher cega desvia a atenção das afirmações de poder, para o instrumento através do qual esse poder é exercido.

“ Especular sobre o que (além de seu próprio corpo frágil) aquele pássaro-na-mão pode significar sempre foi atraente para mim, mas especialmente agora, que eu tenho pensado sobre o trabalho que fiz e que me trouxe a essa premiação. Por isso escolho ler o pássaro como língua e a mulher como escritora experiente. Ela está preocupada com a forma como a linguagem em que ela sonha, dada a ela no nascimento, é tratada, colocada em serviço e até aprisionada para certos fins nefastos. Sendo escritora, ela pensaria na linguagem em parte como um sistema, em parte como uma coisa viva sobre a qual se tem controle, mas principalmente como agência - como um ato com consequências. Assim, a pergunta que os rapazes fazem a ela: “Está vivo ou morto?” não é desprovido de de sentido porque ela pensa que a linguagem é suscetível à morte, ao desaparecimento; ainda que ameaçada e aproveitada apenas por um esforço da vontade. Ela acredita que, na verdade, se o pássaro nas mãos de seus visitantes está morto, os guardiões são responsáveis ​​pelo cadáver. Para ela, uma língua morta não é apenas uma língua que não é mais falada ou escrita, é também conteúdo linguístico inflexível que admira sua própria paralisia. Como uma linguagem estatista, censurada e proibida. Impiedosa em seus deveres de policiamento, não tem desejo ou propósito além de sustentar o livre alcance de seu próprio narcisismo narcótico, sua própria exclusividade e domínio. Por mais moribunda que seja, contudo, surte efeito, pois frustra ativamente o intelecto, paralisa a consciência, suprime o potencial humano.”

Com um olhar cauteloso sobre como o nosso uso indevido da linguagem pode fazer  “renunciar a suas propriedades sutis, complexas e intermediárias até à ameaça e à subjugação”, escreve Morrison:

“A vitalidade da linguagem reside na sua capacidade de iluminar a vida real, imaginada e possível dos seus falantes, leitores, escritores. Embora a sua postura esteja, por vezes, na experiência de deslocamento, não é um substituto para ela. Inclina-se em direção ao lugar onde o significado pode estar. Quando um presidente dos Estados Unidos pensou no cemitério em que seu país se tornara, disse: “O mundo notará pouco ou nem se lembrará do que dizemos aqui. Mas nunca esquecerá o que fizemos”, suas palavras simples são essencialmente vitais porque são uma recusa a encapsular a realidade de 600.000 homens mortos em uma guerra racial cataclísmica. Recusando-se a monumentalizar, desdenhando a “palavra final”, o “resumo” preciso, reconhecendo seu “pobre poder de adicionar ou diminuir”, suas palavras sinalizam deferência à incapturabilidade da vida que lamenta. É a deferência que a move, o reconhecimento de que a linguagem nunca pode viver a vida de uma vez por todas. Nem deveria. A linguagem nunca pode "definir" a escravidão, o genocídio, a guerra. Nem deveria ansiar arrogantemente que fosse capaz de fazê-lo. Sua força, sua felicidade está em seu alcance para o inefável.
Seja grande ou esguio, escavando, detonando ou recusando-se a santificar; se é um riso alto ou se é um grito, a palavra escolhida, o silêncio escolhido, a linguagem não molestada surge em direção ao conhecimento, não à sua destruição.”

Em um sentimento que lembra a memorável meditação de James Baldwin sobre a linguagem e a vida - “é a experiência que molda uma linguagem; e é a linguagem que controla uma experiência ”, escreveu ele - Morrison acrescenta:

“O trabalho da palavra é sublime ... porque é gerador; faz o sentido que assegura nossa diferença, nossa diferença humana - a maneira como somos como nenhuma outra vida.”

 “Nós morremos. Esse pode ser o significado da vida. Mas nós fazemos linguagem. Essa pode ser a medida de nossas vidas.

(...)

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