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sexta-feira, 25 de junho de 2021

De Pã e de Cristo

Noites Gregas- Podcast
Print do episódio: O último oráculo do podcast Noites Gregas























 professor,

é importante abandonar a faca cartesiana

longe desta mesa

esse pão se reparte com a mão

sua massa veio de uma receita

retirada de um naufrágio

restos perdidos em um mar que não existe mais,

 

no limiar do meu afogamento,

marinheiro pele escura

de melanina e de sol

chifres, pés de cabra,

e um imenso falo,

meu último sorriso no rosto

mancha de sangue aquele trecho de mar

vermelhos véus...

atravessam minha última vertigem

 

uma cruz, meu irmão

gêmeo, ou eu mesmo,

que sangra,

está em terra

quente, seca

aperta as pálpebras antes do fim

vendo mais longe

ele me garante a mim mesmo

ou mesma

que seremos um

e ele aprenderá minhas lições

e a terra de novo se tornará fértil

 

e assim, molhado e salgado, retorno à sua ceia

o trigo já em pão convertido

o meu sangue e o do meu irmão

a fertilidade do verbo e do chão.

domingo, 6 de outubro de 2019

Não posso ter seu amor

Eelus








Não posso ter seu amor
E tudo bem
Meu coração é volúvel
Parte para quem tem
Amor para dar
No agora
Sem essa de esperar

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Vitória



é uma vitória pessoal
o avançar das páginas da agenda
alcançando dias e semanas
que nunca na minha infância planejei


é uma vitória pessoal o avançar do calendário alcançando dias nunca na infância imaginados

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Lamento de uma figura do passado

Queria ter minha vida analógica mais perto em minhas próprias lembranças, para conseguir valorizar melhor o que surge no meu caminhar por esse jovem mundo de velocidade e excessos. Mas o único passado que vale é o dia de ontem, seguro e o mais distante possível de um tempo em que a ausência da montanha de estímulos é bem mais que o mero ontem. E cada dia que um ontem se forma é bem maior que o anterior, o que pela lógica só aumenta as distâncias daquele passado analógico. Tenho saudades de um tipo de presença do corpo humano e da voz não codificada por nada além que meus ouvidos- só muito raramente um telefone fixo. Tenho saudades de ler por puro prazer as longas páginas dos romances; tenho saudades dos livros obrigatórios com páginas de celulose. Tenho saudades de uma leitura de papel e de uma escrita que não fosse mediada por máquina ou teclado virtual. Mas o virtual é o real agora. Ainda assim meu corpo continua a pedir a presença de um corpo não compartimentado em funções mas um corpo-todo-ali-presente. 

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Estudos em tela

Estudo: parque da cidade nas várias estações e Rio Poti -acrílica e giz pastel sobre tela (15cm x15 cm). Ver betty krause. 

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Flores do meu subúrbio



- Pai, por que não ensinam pra gente o nome das flores na escola? Eu ando por aí e me sinto uma ignorante na primavera. 

Macêdo coçou a cabeça. Sua filha de treze anos sempre vinha com essas perguntas fora de contexto. No momento, estavam indo buscar a mãe com as compras pesadas, lá na estação do metrô.

-Não sei, filha. Talvez porque achem que isso não é útil. Não serve para o sustento.

Um suspiro:

- Tem muita coisa inútil naquelas aulas e ainda assim preciso fazer prova sobre elas. Por que não incluir aí as flores?

Macêdo já estava sem muita paciência naquela manhã de sábado. Acordara atrasado e sabia que não seria bem recebido pela esposa, que madrugou para conseguir as coisas boas da feira a um preço justo. Decidiu apenas concordar com a filha com um sorriso cansado, enquanto tentava apressar o passo.

- Aquela ali saindo da mureta chama gardélia.- insistiu a mocinha, querendo mostrar que, a despeito das regras que comandam a escola, havia aprendido por si só, como amostra de uma nascente rebeldia quanto a uma utilidade fria do conhecimento.

Por um momento, seu Macêdo escapou de suas preocupações conjugais e fixou o olhar na flor branca, logo ali adiante:

- É Gardênia que fala, querida.- corrigiu com uma vinda de um outro país, quicá de um outro mundo.

-A filha, levemente constrangida, repetiu:

- Gardênia... Mas do cartão que caiu da sua carteira, outro dia, estava escrito Gardélia e tinha o desenho dessa flor.

Macêdo olhou para a filha, sua recordação mais vívida de seu outro rebento, deixado no outro mundo e que soubera, recentemente, que partira para mais além...

- É que seu pai nunca escreveu muito bem. Sempre confundo os nomes das coisas como flores, das pessoas...- Disse, sem olhar a filha, enquanto colhia a florzinha fugida do muro de um jardim semi-abandonado. Colocou no cabelo de Yasmim.

Quando encontraram a mãe, já estavam com trinta minutos de atraso, mas a cara dela dizia que era bem mais.



N.B. Sousa

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