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quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Os labirintos [estudo]: duas versões para o mesmo poema

Poema sobre o mito do Minotauro

o labirinto em que me encontro
não tem soluções felizes
ao acaso
e todos os dias que me restam 
pergunto: qual será o dia da minha liberdade?

se dependo de teseu e não
de ariadne,
sei que metade de mim é
herói em apuros e a outra metade,
príncipe amaldiçoado.

se dependo de ariadne e não de teseu
morreria esperando por um fio que fosse da sua roca.


domingo, 17 de outubro de 2021

ipepoca- em construção

Ipê branco florido não calçada de uma casa grande
foto tirada pela amiga Jeany


                                                     Pequeno ipê

Pipoca estourada

Perto do seu apê.

 

Pequeno ipepoca

Pede pipoca

Vai de doce ou salgada?


Ipepoca, fabuloso dente-de-leão,

boca gigante

te assopra.

 

Ipê encanecido

esmago com os pé

os seus brancos cabelos caídos.


[e segue o cardápio]

Ipê florido

Cuscuz de arroz

Ou cuscuz de milho?





Para a Malú e para a Jeany.

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Nunca há

 
por-do-sol sobre o telhado de casa e os fios da cerca elétrica


 

Nunca há horizonte suficiente 

Pr’onde meu peito aponta 

Por isso ele é triste 

Ele é bonito e é triste.

quarta-feira, 7 de julho de 2021

Fim da estação de chuvas

O equívoco das derradeiras águas

Esse ventriloquismo do teu peito

afoga

numa poça

meu frágil ventrículo 

zumbindo por nada.



uma imagem em preto e branco de um balão cheio de água até a metade com uns peixinhos
Eu perdi a autoria da imagem


sexta-feira, 25 de junho de 2021

De Pã e de Cristo

Noites Gregas- Podcast
Print do episódio: O último oráculo do podcast Noites Gregas























 professor,

é importante abandonar a faca cartesiana

longe desta mesa

esse pão se reparte com a mão

sua massa veio de uma receita

retirada de um naufrágio

restos perdidos em um mar que não existe mais,

 

no limiar do meu afogamento,

marinheiro pele escura

de melanina e de sol

chifres, pés de cabra,

e um imenso falo,

meu último sorriso no rosto

mancha de sangue aquele trecho de mar

vermelhos véus...

atravessam minha última vertigem

 

uma cruz, meu irmão

gêmeo, ou eu mesmo,

que sangra,

está em terra

quente, seca

aperta as pálpebras antes do fim

vendo mais longe

ele me garante a mim mesmo

ou mesma

que seremos um

e ele aprenderá minhas lições

e a terra de novo se tornará fértil

 

e assim, molhado e salgado, retorno à sua ceia

o trigo já em pão convertido

o meu sangue e o do meu irmão

a fertilidade do verbo e do chão.

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Mar/eu

essa foto aparece vez por outra porque, além de eu gostar dela, existe um contexto fraterno muito querido


Ah! Um copo de água com sal
Era tudo o que meu sangue insosso precisava 
e minha pele 
e meus cabelos 
e meus sonhos
 e meus desejos!

sexta-feira, 12 de março de 2021

Geografia



o castelo animado flutuando entre as nuvens
Imagem da animação "O castelo animado" dos Estúdios Ghibli











Eu costumava brincar de me esconder no pátio daquele castelo

Naquela montanha 

Eu sentia falta de grandes elevações 

vivendo nessa planície infinita

que convida facilmente ao tédio.


Então eu recorria às nuvens 

Elas reorganizavam a minha paisagem davam novos andares ao meu mundo-

chato e quente! 

Lá tudo era mais fresco e a chama eterna que me habitava podia enfim arder tranquila...

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Sede

 Há uma água noturna que passou a saciar uma sede 
                                                                                     antes ignorada

Ela é mais gelada, 

preenche melhor os

                                   espaços desidratados


Aplaca uma artificial secura 

Da qual não há escape

 

-A terra é seca, são muitos os comprimidos-

Pelo menos há essa água 

Copo de vidro na madrugada 

O maior prazer de um dia inteiro.



(para a Laís e para a Mayra)

Estudo de uma das amendoeiras do Van Gogh- Usei giz pastel oleoso- Meu destaque é para o copo de água para o galho da árvore florida



terça-feira, 12 de janeiro de 2021

onipresente

eu lembro de um dia, em que pude escapar de uma recém instaurada rotina

em que mergulhei num mar gelado e fiquei boiando no raso

não tinha ninguém na praia

só um pescador bem longe

eu olhava o céu e sentia o mar imenso oceano

eu tocava as geleiras ao sul

o continente distante ao alcance da minha mão esquerda

outro roçando meus frios pés

eu era a fina liga que unia

céuemar

eu era imensa e leve e total

 

homem pescando no mar- foto alterada- eu sou a autora

 


quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

a origem do mundo




 o ovo escandaliza-se na fervura

que anuncia o fim de sua potência

acredita

a vista não vai além da borda da panela

do processo físico

do fluído ao sólido

quase sólido

hoje não com

a gema mole (só um pouco)


se me alimenta ou não

tal questão

vira um acinte 

o que aceito

mas não deixo de degustá-lo

com gosto de contragosto. 

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

identidade secreta

Lídia Fiabani- Greetings from Italy

 


 

 

 

 

 

 

o batman se escondeu outra vez

ele surge e some

do nada

foge ferido

lambe as próprias chagas

com sua língua de morcego

que não transmite raiva

só sente

e acha que deve agir sozinho

desde seus oito anos


tem dias que acordo, gregório 

e sou o batman.

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

tem muita alma na minha poesia

tem muita alma na minha poesia

tem muita poesia na minha alma

não sei decidir

pois não sou eu que determino

ela é vagante e livre

cheia e densa


pode cair rija...

e logo pluma incendiada da fênix

ao mundo 

restos derretidos da efêmera gaiola

terça-feira, 10 de novembro de 2020

infértil


O vento árido

O vento quente e seco

que espanta as gentes

e resseca a pele

arrasta no límpido azul

uma borboleta de asas amarelas

um vovozinho flutuante

e só

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

sinal da cruz

Sua frase cínica afiada jogada assim sem ter cuidado com quem passava, cortou meu sentimento bom do dia. Foi preciso vir aqui deixar registrado para, quem sabe, salvar o dia de alguém. Sem cortes superficiais, desses que saem pouco sangue e ardem muito. Eu estava disposta à felicidade, mas tive que refazer teus planos: eu permaneci disposta. Ainda que não exista felicidade sozinha que dure, aprendi a cantar alto como o passarinho no fio do poste, em frente ao enquadro da janela do quarto. (1) Aviso dos predadores a quem estiver atento e que (2) às vezes até faz-se de convite para mais pétalas esvoaçantes, a celebrar a flor azul, no bico da silhueta da revoada

 no arrebol.



segunda-feira, 12 de outubro de 2020

A bruxa pragmatista: Emily Dickinson e convidadas

O Suplemento Pernambuco foi uma dessas boas descobertas dos anos recentes. Já falei dele antes nas recomendações aqui. Consegui assiná-lo por cerca de um ano e tenho um carinho imenso pelas edições de papel, com aquelas colagens feitas por talentosos artistas no período (2016-2017 ou 2017-2018). Ele tem ainda seu pdf  gratuito.

Lembrei disso, porque uma postagem no Instagram do periódico ontem, me fez rir sozinha. Lá dizia: "toda feiticeira, no fundo, é pragmática", o que me remeteu ao tema da minha dissertação que fala de pragmatismo e traz um pouco de Emily Dickinson, poeta que escreveu dos meus versos favoritos de todos:

Longos anos de distância - não podem fazer
Romper um segundo não podem sequer preencher -
A ausência da Feiticeira não
Anula o feitiço—

As brasas de mil anos
Descobertas pela mão
Que as acariciava quando eram Fogo
Vai se agitar e compreender—

 (tradução minha)

 No original, aqui.

O pragmatismo não é lá benquisto na filosofia, talvez pelo excesso de ceticismo nos fundacionalismos, sem oferecer uma resposta dura e talvez por isso mesmo, ele pareça menos interessado em respostas definitivas. Mas pelo menos ele me permitiu ter bons encontros com autoras e autores interessantes. A gente se diverte com o que pode nesse meio esquisitão.

 No que toca ao que motivou essa postagem, eu acho que as feiticeiras precisavam ser mais pragmáticas, por questão de sobrevivência, ainda que pareçam sempre estar a evocar as essências do mundo. Que mundo, não é mesmo? E aí está um outro segredo da feiticeira: ela parte do mundo em que está, mas quando precisa, assume outro e outro. Até porque eles nascem e morrem, como nós.

Quanto a Louise Glück, eu tinha esquecido que ela foi a ganhadora do Nobel desse ano quando comecei essa postagem, mas não é descaso, foi só esquecimento de gente distraída para conhecimento recém adquirido. Espero que ela seja traduzida logo para o nosso português, daí, quem sabe, quando eu lê-la com mais contexto, esse tipo de gafe não me ocorra. Mas não tenho pressa. O feitiço sabe esperar.

Essa postagem eu dedico à minha amiga Kelly, minha bruxinha favorita. Eu sei que de vez em quando, ela lê esses meus textos.


Aquarela da Malévola feita por mim num papel próprio A5
Malévola, bruxa redimida na cultura pop. Um dos meus estudos de aquarela.



segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Livro: O corpo dos meus sonhos e outros poemas - Lara Matos

Esses dias minha amiga Lara organizou seus poemas em um livro (editora Entretrópicos) que tratei de obter, assim que aparecesse algum dinheiro e, bom, apareceu. Não que seja caro o livro, 20 reais está um ótimo valor, acessível, mesmo que você tenha que contar as moedas, não são tantas assim e a leitura vale muito a pena.

Como mencionei outro dia no twitter, Lara escreveu um livro de amor que não é romântico e muito sintonizado com transmutações afetivas geracionais, eu diria. Se o movimento feminista luta pela emancipação em vários aspectos sociais, eu diria que o resultado emocional e psicológico de suas conquistas e perdas pode ser percebido de modo bastante privilegiado nas escritoras que captam o espírito do tempo que coube ao movimento nas suas várias ondas, mesmo que não seja explicitamente a eles vinculadas. O que não é o caso da Lara Matos, é claro, tendo em vista que além de poeta é especialista em direitos humanos e mestranda em sociologia. 

Mas os versos da Lara não se resumem a isso, é claro. Não vou cometer o mesmo erro de reduzir a autora a um tema, ao tema "feminino" ou agora "feminista", erro que gerações e gerações de "críticos" de autoras mulheres, como Sylvia Plath, poeta lembrada por Lara, aliás, continuam a cometer. Que o digam seus metapoemas, poemas que tratam de poemas, que nos dão uma pausa enganadora.

Se o sofrimento nenhum um pouco disfarçado ou embelezado do seu eu-lírico parece lembrar o sofrimento de todas as mulheres, em todos os livros e mesmo no dia-a-dia, é melhor ler de novo, porque esse sofrimento é localizado. Não é qualquer corpo, é um corpo de mulher negra de um país que fala português. Se vire aí no mapa e viaje nas possibilidades. 

Gosto particularmente da acidez com que desdenha dos homens. Não parece que é qualquer homem, parece um homem típico de algum lugar que o eu-lírico foi obrigada a estar. Gosto que também como os momentos de felicidade que encontra, se com algum deles ou sozinha, o eu-lírico é bastante econômico em deixar revelar esse estado, como que para não agourarem ou para deixa bem evidente que sua vida é mais que isso. Bem mais. E quando o amor surge, é em meio ao mormaço.

É isso. O belo livro da Lara Matos é um oferecimento às leitoras, especialmente aquelas com raiva sub representada das províncias de todos os tamanhos deste país, continente, quiçá mais. Um dobrar-se e desdobra-se de um corpo que se alterna entre ruínas e êxtase.


EXPOSIÇÃO

Nunca tive pseudônimos, sequer
Eus- líricos falando por mim
Carregando minha música em voz falsa,
É minha cara que exibo para os tapas
Que pode muito bem ser aplausos
Meu corpo é todo verso sem saída.

O livro tem a capa de kraft com o título e nome da autora e alguns arabescos




segunda-feira, 29 de junho de 2020

mitologia arrancada de um fim de tarde (e de um tuíte)

o corpo de um deus tem um amplo espectro de células
com diferentes tamanhos,
mas se você procurar pela maior e pela menor delas,
seus melhores exemplares constituirão a pipa e o sol,
cujas respectivas proporções relativas
são verdadeiramente notáveis
por isso, é justo afirmar
que a poeta faz seu registro com acurácia:

"hoje eu vi uma pipa
fecundando o pôr-do-sol"



quarta-feira, 24 de junho de 2020

a outra estória I

O corpo tem história.
Não a História do Corpo,
mas cada corpo tem sua história.
Portanto, soa tão absurdo
o juízo alheio,
formado em alicerces de ignorância
sobre o corpo da moça,
do velho,
do jovem com a mão ausente.
O corpo tem história,
sua própria história.
Aquela barriga saliente,
um sinal grande demais,
a perna torta, a ruga, a cicatriz - a estria 
- têm história.
A turba anseia
fazer desaparecer esta pequena
e importante história
de mim e do meu corpo,
a conversa do meu corpo com o tempo,
com a dor, com o mundo,
com o outro corpo - 
mas a turba passa,
meu corpo, não.



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